Page 7 - Revista Política Democrática nº 49 - Novembro/2022
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ÁLVARO JOSÉ DOS SANTOS SILVA - AS CHAGAS DA COPA DO MUNDO
no Corinthians. Em 1985, quando a ditadu- Esta Copa está nos remetendo à luta
ra militar finalmente acabou, democracia contra a negação de direitos às mulhe-
era um termo consagrado. res, pelo reconhecimento dos movimentos
“ litários e sem apoio popular, com funda-
LBGTQIA+, contra regimes políticos tota-
mentalismo religioso ou não, contra a isla-
mofobia, por uma bandeira libertária que
une quase todos, inclusive com protestos
A Copa do Catar é muito
silenciosos representados pela negativa de
com as mãos tapando a boca, calada.
cara e para lá viajou cantar o hino nacional ou entrar em campo
No nosso caso, exportamos para lá um
pedaço considerável do ódio que foi im-
boa parte de quem plantado em terras brasileiras desde mea-
dos de 2018, quando Jair Bolsonaro tomou
pode pagar alto, a fina posse como presidente da República na
cauda de cometa do movimento antipetis-
ta surgido depois de diversos escândalos,
flor do apoio ao ainda verdadeiros ou não, do período de gover-
nos do PT. Gilberto Gil, que viajou para o
Catar em companhia da sua esposa, Flora,
presidente” teve a oportunidade de constatar isso ao
ser agredido com palavras grosseiras por
grupos bolsonaristas no dia do jogo Brasil
2 X 0 Sérvia. Claro que isso aconteceria! A
No caso corintiano, foi muito simples: Copa do Catar é muito cara e para lá viajou
tudo o que devia ser feito no clube e en- boa parte de quem pode pagar alto, a fi na
volvia o esporte profi ssional tinha que ser fl or do apoio ao ainda presidente.
votado antes de aprovado. O voto do jo- Não por outro motivo, em algumas faixas
gador mais famoso – no caso, Sócrates – que se apresentam nos estádios, há algumas
tinha o mesmo peso que o do roupeiro. referências veladas ao bolsonarismo, que não
Com tanto tempo de ditadura pela fren- pode ser escancarado numa competição como
te, estávamos todos desacostumados com essa. “Movimento Verde Amarelo” é um deles
esse tipo de comportamento. e está presente nos jogos do Brasil. Outro é a
Durante muitos anos, o regime de ex- participação quase subterrânea, mas denun-
ceção que infelicitou os brasileiros entre ciada, de forma clara, do fi lho do presidente
1964 e 1985 deixou o terreno das discus- e deputado federal Eduardo Bolsonaro, que
sões no Brasil. No lugar dele, com todos estava presente no estádio quando o Brasil
os seus méritos e defeitos, a democracia venceu a Suíça por 1 a 0 no desmontável 974.
vicejou, inclusive e também no futebol. Ele não se furta a uma aproximação como essa
Sócrates passou. Nunca mais um jogador de seu séquito, ainda que ao preço de deixar
aprendeu a dar passes de calcanhar como a ralé de plantão diante de quartéis o tempo
ele, mas, no reino da bola, outros profi s- todo, preferencialmente, debaixo das chuvas
sionais, talentos consagrados ou não, as- fortes que ainda castigam o Brasil.
sumiram o protagonismo político. Um mo-
vimento que culmina agora em 2022 com “
a Copa do Mundo do Catar.
Jamais um campeonato mundial de fute-
bol teve tanto interesse no campo da políti- No caso do Catar, o
ca. Maior do que o de 1978, na Argentina,
quando os ditadores de lá conseguiam ser cardápio de opções de
mais raivosos e criminosos do que os daqui.
No caso do Catar, o cardápio de opções de
protesto é muito grande. Tão vasto que trans- protesto é muito grande”
cende o próprio país anfitrião da competição.
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