Page 42 - Revista Política Democrática nº 47 - Setembro/2022
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GODARD, O GÊNIO EXAUSTO - VLADIMIR CARVALHO
                     “                                        foi obrigada a reconhecê-lo. Segue-se com



                                                              igual  liberdade  estética,  Uma  Mulher  é
                                                              uma Mulher (1962) e O Desprezo (1963).
                                                              Depois  a  política  faz  a  festa  em  Masculi-
                     Godard foi desde
                                                              no, Feminino (1966); a moda godardiana

                                                              Chinesa (1967), que radicaliza em termos
                     sempre um anarquista,                    continua em Made in USA (1966) e em A
                                                              de desdramatização e nos aspectos políti-
                                                              cos. É um cinema diametralmente oposto
                     pontificando-se na                       aos clássicos americanos, mas que tinha
                                                              muito da simpatia que os “jovens turcos”
                     avaliação e cotação                      nutriam pelos filmes B, nos Cahiers. Porém,
                                                              ainda não era, claro, o Godard radical e em
                                                              mutação do Grupo Dziga Vertov, do final
                     dos filmes, no famoso                    dos anos 1960, e que, em Maio de 68, se
                                                              confunde com os estudantes revoltados,
                                                              filmando nas barricadas de Paris.
                     Conseil des Dix, da                      num veemente protesto contra a demissão
                                                                E foi nessa rumorosa onda de 1968,

                     revista”                                 do carismático Henri Langlois, da curadoria
                                                              mor da Cinemateca Francesa, que o Festi-
                                                              val de Cannes foi atropelado e quase não
                                                              aconteceu. Godard protagonizou a cena
                                                              principal, pendurado nas cortinas do Palais,
                     crítico da revista Cahiers du Cinéma, que  impedindo que as sessões começassem,
                     se tornaria célebre e em cujo agitado seio  com ampla cobertura da imprensa. Em Pa-
                     surgiria o até ali desconhecido franco suí-  ris, a redação dos Cahiers, na rua Marbeuf,
                     ço. Ao lado de outros, como François Tru-  virara um comitê de agitação em favor dos
                     ffaut, Jacques Rivette, Eric Rohmer e Clau-  estudantes; e a temperatura subiu quando
                     de Chabrol, compondo a tendência que  o filme de Jacques Rivette, A Religiosa, foi
                     seria conhecida, ou apelidada, de “jovens  proibido. Novamente é um empedernido
                     turcos”. Mais tarde, alguns deles se rende-  Godard que toma as dores e defende Ri-
                     riam aos encantos da prática cinematográ-  vette e seu filme, rompendo com o grande
                     fica como ativos diretores que defendiam  André Malraux, então ministro da Cultura,
                     a todo custo a autonomia de um cinema  em carta que passou aos anais como uma
                     autoral, desde ali, em confronto com o po-  irrespondível peça de condenação do Esta-
                     derio dos produtores que condenavam por  do gaullista.
                     princípio o filme clássico francês e valori-  Entretanto, no âmbito de certa crítica,
                     zavam uma política de autores.           “a sua utopia de um cinema marxista, de
                       Nesse clima de camaradagem solidária,  parceria autoral com a classe trabalhadora,
                     o futuro autor de Acossado (1960) pontifi-  resultou tão frustrada quanto a aliança dos
                     cou-se como um ferrabrás da crítica atento  estudantes com os proletários da Renault”,
                     à condução moderadora de Bazin, mas em  como argutamente observou o crítico e es-
                     franco contraste com Georges Sadoul, um  critor Sergio Augusto.
                     marxista militante, que sempre defendeu o   A propósito do perfil muitas vezes con-
                     cinema soviético não só do período eisens-  traditório do autor de Je Vous Salue Marie
                     teiniano como também os das gerações  (1985), podemos recordar aqui episódio
                     posteriores. Godard foi desde sempre um  ocorrido durante o Festival Internacional
                     anarquista, pontificando-se na avaliação e  do Filme, o histórico FIF, do Rio de Janei-
                     cotação dos filmes, no famoso Conseil des  ro. Godard compareceria ao mesmo para
                     Dix, da revista.                         a apresentação do seu filme Alphaville.
                       Em 1960 Godard vai à “guerra” com  Tudo acertado, pouco depois ele man-
                     uma narrativa desconcertante e uma lin-  dou um telegrama desistindo de partici-
                     guagem  inédita  até  aquele  momento.  O  par, num gesto de protesto e condenação
                     público delirou com Acossado, e a crítica  da ditadura  militar no Brasil.  Instalada  a




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