Page 47 - Revista Política Democrática Online nº 39 - Janeiro/2022
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HISTÓRIAS QUE PRECISAMOS CONTAR - RICARDO MARINHO
“ LIVRO FALA quem escreve o livro. Não há dúvida so-
bre a importância desta contribuição.
Uma obra sobre história cotidiana do
SIMULTANEAMENTE PCB em Mato Grosso do Sul lança um
desafio original à historiografia, convi-
dando-a a ir além das visões anteriores
sobre a história do PCB. Este desafio
que exige respostas também se dirige
DE UM PASSADO a um leque muito mais amplo de leito-
DISTANTE E RECENTE. res, porque aborda a complexa relação
entre crônica e memória, através de
uma vivência específica, colocando uma
TÃO LONGE E TÃO questão muito geral e clássica em deba-
te: o que é uma fonte histórica?
Uma fonte (qualquer fonte) pode ser
comparada, reformulando conhecida
PERTO NO TEMPO, metáfora da folha de papel usada pelo
E NEM MESMO linguista suíço Ferdinand de Saussure
(1857-1913). Para apreender a dimen-
NO ESPAÇO: AS são referencial da fonte, devemos nos
perguntar por meio da elaboração de
uma série de questões, de como as fa-
ces da fonte são construídas: uma ques-
tão que muitos, silenciosamente, evitam
CRÔNICAS QUE fazer. Quando Fausto e a camaradagem
COMPÕEM O LIVRO E se veem diante de seus arquivos inex-
plorados e começam a escrever crônicas
também autobiográficas que os militan-
A REALIDADE A QUE tes comunistas sul-mato-grossenses do
pós-1964 se perguntam: como surgiram
SE REFEREM – O PCB essas histórias? Em quais contextos?
“ olhares aguçados de Fausto e da cama-
Que relações de poder as condicionam?
Dessas perguntas, decifradas pelos
radaria, emerge a dimensão referencial
das crônicas, pois as vivências militantes
dos seus arquivos que nenhuma his-
a participação política foi assumindo fi- ali expressas dão uma ideia da riqueza
sionomia completamente diferente em toriografia poderá ignorar. Esperamos
uma sociedade dominada pela lógica do que ela se sinta tentado a desenvolver
mercado, agora acentuada pela pande- essa temática, inclusive numa perspec-
mia. Esta participação, ligada, sobretu- tiva comparada. Aliás, este é um tópico
do, à internet, é essencialmente estra- que se tornou mais relevante do que
nha às partes: uma instituição que se nunca pela obsessão preditiva gerada
transformou e sangrou até à morte, e pela pandemia.
não só no Brasil. A camaradagem e Fausto sob vários
Na apresentação de seu livro, Fausto aspectos realizam confissão pública da
Mato Grosso analisa com lucidez essas luta em favor da democracia e de como
distâncias. Mas seu olhar retrospectivo derrotar politicamente a ditadura em vi-
leva a um convite para seguir em frente, gor entre 1964 e 1985. Esse exercício
inclusive em termos de pesquisa, apon- é homólogo a tradição jesuíta tão pro-
tando para possíveis fundos de arquivos fundamente arraigada entre nós como
privados inexplorados para a história do ilustra o português Simão Rodrigues
PCB, não apenas seus, mas da magnífi- (1510-1579), pois o termo militante,
ca presença autoral da camaradaria com e seus equivalentes em muitas línguas,
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