A bronca é generalizada e vai além da crise econômica, reclama-se da ação estatal
Com as urnas apuradas, vieram os discursos do vencedor e do derrotado.
O derrotado sorria e exibia um semblante leve, quase aliviado. Um desavisado acharia que ele teria ganho a eleição. Fernando Haddad provavelmente sabe que o PT teria muitas dificuldades para governar e fazer o País crescer. Além do isolamento político do partido, a agenda petista não dá conta dos desafios da economia. E com 2022 logo ali, o partido estará na confortável posição de oposição. Que ela seja responsável, pensando no bem do País.
O vencedor, por sua vez, exibia semblante tenso e abatido. O desafio de governar passou a pesar sobre seus ombros. O Brasil não é um país fácil e o momento atual é particularmente difícil.
Não se sabe ainda qual o escopo da aguardada agenda liberal. As falas do futuro ministro da Economia são contundentes, mas ainda superficiais e conflitantes com as dos conselheiros políticos de Jair Bolsonaro. Caberá ao futuro presidente arbitrar os conflitos, superando seu desconhecimento de políticas públicas e a inexperiência na gestão pública dele e dos que o rodeiam.
A pouca experiência do novo governo seria menos preocupante não fossem o quadro econômico frágil, as reformas fiscais urgentes e a sociedade ansiosa por mudanças. Uma combinação assim não era vista, possivelmente, desde o governo do presidente Fernando Collor.
Segmentos da classe média e do setor produtivo são os que mais depositam esperanças no futuro presidente, a julgar pelas clivagens sociais nas pesquisas de intenção de voto e pelo resultado das urnas por regiões do País. São os que sentiram mais intensamente a crise econômica e sofrem muito com o mau funcionamento do Estado brasileiro.
A classe média, que não conta com redes de proteção social, perdeu status. Precisou rebaixar seu padrão de consumo diante do desemprego de membros da família e exibe ainda elevado volume de dívidas em atraso como proporção de sua renda (4% considerando apenas a dívida bancária). A inflação baixa, certamente, ajudou na melhora da confiança do consumidor. O medo do desemprego, no entanto, continua em níveis máximos, afligindo mais de 65% da população, de acordo com pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Empresários que viram suas empresas e patrimônio ameaçados engrossam o coro dos descontentes. Apesar da melhora das condições financeiras das empresas desde o fim de 2016, os sinais de alerta ainda estão acesos. Há ainda volume desconfortável de dívidas em atraso como proporção do faturamento e os pedidos de recuperação judicial não estão recuando em relação a 2017. A capacidade ociosa na indústria e nos serviços está em patamares recordes, em torno de 20%. Não se voltou à normalidade, o que limita a geração de empregos, ainda muito concentrada na informalidade.
A bronca é generalizada e vai além da crise econômica. Reclama-se da ineficiente e injusta ação estatal, sendo que, sem crescimento, tudo fica mais difícil. O Estado brasileiro maltrata o capital privado e protege alguns poucos setores. Bolsonaro soube captar esse sentimento.
O médio produtor é o mais castigado, pois sofre com o elevado custo Brasil, sem conseguir diluí-lo pela menor escala de produção, e não conta com benefícios tributários como as pequenas empresas. Sofrem com o Estado intervencionista, que muda regras com frequência e sem critérios, mas que é incapaz de prover serviços de qualidade e segurança jurídica. Não faltam reclamações de abuso de poder e complacência dos últimos governantes com os excessos de alguns grupos.
Um Estado que funcione melhor é o desejo de todos. No entanto, não se trata de ter mais recursos públicos ou simplesmente autoridade, ainda que ela seja necessária. Um exemplo recente da sua falta foi a ausência de responsabilização de agentes públicos pelo incêndio do Museu Nacional.
Será necessário apoio no Congresso, diálogo com o sistema judiciário e reforço no arcabouço institucional, definindo as responsabilidades dos órgãos e agências públicas.
Um presidente pode menos do que se pensa.
*Economista-chefe da XP Investimentos