Decisões autoritárias atendem ao desejo de uns poucos, em detrimento do cidadão
O governador João Doria ganhou a eleição prometendo diminuir o desperdício de recursos públicos, reduzir o papel do Estado e estimular o empreendedorismo. Com esse espírito, tem conseguido aprovar importantes iniciativas na Assembleia Legislativa. Não se pode acusá-lo de estelionato eleitoral ou inação.
A má notícia é a ação, de legitimidade questionável, de agentes públicos e de grupos do setor privado para bloquear medidas que já passaram por deliberação pública. Uns poucos que defendem seus interesses sem considerar as consequências sobre o restante.
O Complexo Constâncio Vaz Guimarães (Complexo Esportivo do Ibirapuera) ocupa uma área de 92 mil m2 em região valorizada de São Paulo, mas está obsoleto, malconservado e subutilizado. Seriam necessários ao menos R$ 400 milhões para sua recuperação, e seu custo anual aos cofres públicos é da ordem de R$15 milhões.
O governo do Estado decidiu, então, repassá-lo à iniciativa privada, que irá construir novas instalações esportivas e comerciais. Caberá ao poder público buscar o equilíbrio entre o atendimento às finalidades de lazer, esporte e entretenimento, em benefício dos cidadãos, e a viabilidade econômica do empreendimento, para atrair investidores.
Os críticos avaliam o Complexo como um patrimônio cultural e arquitetônico, apesar de, cercado por muros, ser pouco conhecido pela população e não integrado à cidade. O Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu a ação popular e suspendeu a publicação do edital de concessão, contrariando a lei aprovada na Assembleia Legislativa e invadindo a análise do órgão competente – o Condephaat, que negou seu tombamento.
Se assim for, que seja definido quem pagará a conta, não só da reforma e manutenção do Complexo – em respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal –, mas da receita que deixará de ser gerada.
A Justiça de São Paulo, em outra frente, desta vez em assunto municipal, suspendeu a demolição do chamado tobogã do estádio doPacaembu, em resposta a uma ação da associação de moradores do bairro e contrariando o Conselho Municipal de Preservação de Patrimônio Histórico (Conpresp), que autorizou sua demolição, preservando as demais áreas. O tobogã, de 1970, substituiu a concha acústica da década de 1930.
A concessão do estádio à iniciativa privada, aprovada pela Câmara Municipal, prevê a construção de um complexo comercial e poderá trazer novos empreendimentos ao bairro, que sofre as consequências de seu próprio tombamento – muitas casas vazias em área nobre central. A decisão da Justiça poderá inviabilizar o empreendimento.
São decisões autoritárias atendendo ao desejo de uns poucos, mas impedindo um melhor uso de vazios urbanos, em benefício do cidadão, e afastando o investimento privado. Não há como investir em um país com um poder público excessivamente intervencionista e com mudanças de regras do jogo ao sabor de poucos.
Outro exemplo de ação contra a coletividade é a reação de grupos do setor privado à redução de benefícios tributários do ICMS, autorizada pela Assembleia. O plano do governo estabelece um corte médio de 20% dos benefícios para produtos com alíquota inferior a 18%. Apesar de haver formas mais eficientes de proteger os mais pobres, foram mantidas as regras para as cestas básicas de alimento e de remédios genéricos. A alíquota de remédios fora da cesta básica subirá de 12% para 13,3% e de produtos isentos, para 4,14%. A intenção é reduzir a renúncia tributária de R$ 43 bilhões, valor excessivo diante da arrecadação de R$ 150 bilhões do ICMS. Uma soma que compromete o investimento público e as ações sociais.
A agropecuária, um dos poucos setores que ganharam na pandemia, pressiona e ameaça com “tratoraço” em protesto pelo aumento da tributação de insumos agrícolas. A propósito, foram vendidos no varejo 6.793 tratores com rodas em São Paulo em 2020 – uma alta de 3% em relação a 2019.
Um País difícil, em boa medida por conta de muitos olharem apenas o próprio umbigo.
*CONSULTORA E DOUTORA EM ECONOMIA PELA USP