O poder público não cunpre bem o papel de regular e fiscalizar a atividade privada
A expressão “otimismo cauteloso” tem sido utilizada com frequência por lideranças do setor privado para descrever o atual sentimento em relação ao Brasil. Por ora, o quadro de incertezas sobre o cenário econômico faz a balança pender mais para o “cauteloso” do que para o “otimismo”.
Os empresários estão mais confiantes, mas não a ponto de aumentar contratações e investimentos. Aguardam os sinais da política. Ajuda, e muito, a alta qualidade da proposta de reforma da Previdência, buscando uma importante economia de recursos, incluindo os Estados e contemplando um sistema mais justo socialmente. Sua aprovação será fator central para redução das incertezas. O primeiro semestre será de compasso de espera.
Em que pese o emblemático fechamento da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, ao menos o pessimismo tem tido peso bem menor no sentimento dos empresários. Afinal, não estamos em 2015, apesar de a situação fiscal ser mais grave. É um outro perfil de presidente, mais pragmático e humilde quanto ao seu desconhecimento de Economia; outro debate econômico, menos influenciado pelo equivocado nacional-desenvolvimentismo, que produziu uma crise sem precedentes; e outro contexto político, mais benigno, já que Bolsonaro ganhou a eleição com margem confortável e não carrega o peso de um primeiro mandato conturbado.
Por outro lado, há razões para cautela. O quadro econômico é frágil, com a economia quase estagnada. As reformas necessárias para resolver a crise fiscal são politicamente desafiadoras e envolvem contrariar muitos interesses. Os grupos afetados, principalmente do funcionalismo, estão se organizando e poderão frustrar bastante as pretensões do time econômico em relação ao escopo da reforma. O governo inexperiente e pouco coeso tropeça na política.
O Brasil é um país difícil, e isso não será mudado rapidamente. Os tristes acontecimentos neste início de ano que ceifaram vidas servem de alerta da falência do Estado. O poder público não cumpre bem o papel de regulação e fiscalização da atividade privada e os governos gastam boa parte do dinheiro público com a folha do funcionalismo e sua Previdência, deixando de cuidar das pessoas e da infraestrutura.
Isso não quer dizer que a sociedade não tenha sua parcela de responsabilidade. Não o mais humilde, que não tem acesso à educação de qualidade e sofre com a desigualdade de oportunidades, mas a elite, que deveria dar o exemplo.
Um exemplo singelo: na terça-feira, a capa do Estadão trouxe a triste foto do lixo carregado pelo Rio Tietê por conta das fortes chuvas. Não é só culpa do mau funcionamento do Estado, que não cuida devidamente da limpeza das ruas, da coleta e tratamento do lixo. É também da sociedade. Quando se percorre os bairros ricos em São Paulo, o lixo espalhado pela rua, algo pouco visto nos vizinhos da América Latina, indica que necessitamos de um choque civilizatório. Somos uma sociedade em que o sentimento de responsabilidade social é fraco.
Em um contexto mais amplo, as reações dos diferentes grupos à reforma da Previdência são mostra de nossas dificuldades para olhar o outro. A bancada da agropecuária ameaça não apoiar a reforma se o ministro Guedes insistir em políticas de cunho liberal para o setor. Justamente o setor que menos paga impostos. Alguns governadores pressionam o Congresso e o governo por uma nova renegociação da dívida e outras benesses como contrapartida por apoiar a reforma da Previdência, apesar de os governos estaduais serem beneficiados pelas mudanças no regime previdenciário. Corporações do funcionalismo exercem forte pressão para não perderem seus privilégios. E assim vai.
Economia e política não andam separadas por muito tempo. A fraqueza da economia impacta a política, cedo ou tarde, e a aprovação de reformas econômicas depende da política. Caberá ao presidente exercer liderança para não cair nesse círculo vicioso.
*Economista-chefe da XP Investimentos