A fraqueza da indústria, se persistir, vai contaminar cedo ou tarde os demais setores
O potencial de crescimento do Brasil está bastante deprimido. Pode estar abaixo de 2%, devido à produtividade estagnada e a tantos equívocos de política econômica nos últimos anos. O governo Temer promoveu importantes avanços que abriram espaço para um ciclo de recuperação da economia. O fôlego desse movimento dependerá do empenho do próximo governo para dar continuidade e acelerar a agenda de reformas.
Há um misto de confiança e cautela entre empresários com o cenário econômico. O mesmo vale para o mercado financeiro. Basta analisar o desempenho modesto dos preços de ativos desde a eleição, e com alguma volatilidade, contrariando a expectativa de um “rally” nos mercados após a eleição de Jair Bolsonaro.
Por um lado, há a avaliação de que o novo governo contará com a força das urnas, diferentemente do governo de transição de Temer; buscará políticas públicas na direção correta para melhorar a ação estatal; e adotará uma nova forma de fazer política que poderá elevar a qualidade e a eficiência de políticas públicas. Seria um governo que teria potencial de entregar mais reformas estruturais do que o de Temer.
De outro lado, há uma boa dose de cautela por se reconhecer a difícil combinação de fragilidade do quadro econômico, urgência de reformas impopulares e um núcleo de poder com pouca experiência administrativa e política, e com potenciais conflitos entre si.
O risco de uma agenda tímida de reformas é concreto, a julgar pela sinalização do núcleo duro do futuro governo. Nesse caso, não haveria uma efetiva aceleração do crescimento. Com a fragilidade do regime fiscal, não seria possível garantir taxas de juros do Banco Central baixas como as atuais.
Importante colocar na conta as sequelas da crise econômica ainda não superadas e que têm impacto na confiança dos empresários e consumidores. Basta olhar o ainda elevado patamar de pedidos de recuperação judicial e os frágeis números do mercado de trabalho.
Como se não bastasse, houve vários choques que fragilizaram ainda mais o setor produtivo e frustraram o crescimento do PIB em 2018. Tivemos a greve dos caminhoneiros, o indefensável tabelamento do frete, a pressão cambial (decorrente muito mais do ambiente externo do que das incertezas eleitorais) e a crise argentina reduzindo as exportações. Até incêndio em importante refinaria da Petrobrás teve. Não seria exagero afirmar que sem esses choques o crescimento em 2018 teria sido próximo de 2,5%.
O termômetro da capacidade de crescimento será a dinâmica da indústria. A indústria, que é o setor mais sensível ao custo Brasil, foi o primeiro setor a sentir a piora do quadro econômico, já em 2012, e o primeiro a sair da crise.
Os números recentes não são bons, praticamente interrompendo a tendência de recuperação, ainda que lenta. A indústria, como sempre, foi prejudicada pelos choques recentes. A produção industrial registrou crescimento de apenas 1,8% entre janeiro e outubro deste ano em relação ao mesmo período de 2017, ano em que o crescimento foi maior, de 2,6%. A indústria nitidamente perdeu o ritmo em 2018, enquanto era esperada uma aceleração por conta da redução dos juros pelo Banco Central.
O comércio varejista, por sua vez, conseguiu acelerar em 2018, diante da recuperação da massa salarial e da volta do crédito. No acumulado de 2018 até setembro, o crescimento do volume de vendas é de 5,2% ante 4% em 2017. Os serviços seguem no campo negativo, em parte pela própria fraqueza da indústria, mas exibem modesta tendência de melhora. Acumulam queda de 0,4% ante recuo maior de 2,8% em 2017.
Elementos transitórios, duradouros e estruturais se misturam e geram incertezas sobre a dinâmica econômica. Ha razões para posturas cautelosas.
A fraqueza da indústria acende luzes amarelas, pois se persistente, vai contaminar cedo ou tarde a performance dos demais setores, a geração de vagas e o aumento do investimento.
*Zeina Latif é economista-chefe da XP Investimentos