“Não convém tomar a aprovação da autonomia do BC como um sinal de que medidas importantes virão na sequência”
O comportamento do dólar tem incomodado o mercado financeiro, por estar muito descolado das moedas de países parecidos. A taxa de câmbio oscila ao redor de R$/US$ 5,40, enquanto modelos de projeção do câmbio apontam para aproximadamente 4,20 atualmente. Esse hiato não será eliminado tão cedo.
É verdade que os modelos de projeção têm grandes limitações, pois a taxa de câmbio não é um preço qualquer da economia, mas também de um ativo financeiro, sensível a expectativas e percepção de risco de investidores, que não são diretamente mensuráveis.
Mesmo assim, a expressiva distância entre as cotações atuais e o projetado, poucas vezes vista, sinaliza um novo fator de risco doméstico não captado pelos modelos.
Algo similar ocorreu no início do governo Temer, mas no sentido contrário: cotações muito abaixo do projetado, em função da expectativa de reforma da Previdência, um tabu na época. O escândalo político esvaiu o descolamento.
Via de regra, fatores externos associados ao ciclo mundial (dólar contra uma cesta ampla de moedas, preços de commodities, apetite global para risco) têm maior importância para explicar o comportamento do dólar, e deveriam estar puxando a cotação para baixo, assim como o fazem em outras economias emergentes.
Porém, fatores domésticos associados ao risco de ter recursos no Brasil estão pesando mais.
O novo fator de risco decorre de um duplo efeito da pandemia. Primeiro, uma inevitável correção de expectativas do mercado, excessivamente empolgado com o governo até então.
A crise evidenciou a baixa qualidade da gestão governamental e a reduzida disposição de enfrentar problemas estruturais, apesar de crises poderem ser janela de oportunidade para reformas.
O segundo ponto é que o Brasil sairá estruturalmente mais fraco da longa pandemia. O potencial de crescimento será provavelmente menor, pois há baixo investimento nas empresas e a mão de obra estará ainda mais despreparada, diante de desemprego prolongado e avanço digital.
E o quadro fiscal se agravou. O corolário é que aumentou a urgência de reformas.
Não convém tomar a aprovação da autonomia do BC como um sinal de que medidas importantes virão na sequência.
Foi apenas um gesto da Câmara sob nova presidência, com um tema menos polêmico e com concessões em demasia para vencer resistências da oposição. A cada etapa, o jogo recomeça. A base do governo não é sólida e tampouco a agenda de reformas.
A dinâmica da dívida pública é suficientemente preocupante, pois seguirá em alta por muitos anos, incluindo o próximo mandato presidencial, mesmo cumprida a regra do teto.
Mas ela não revela de forma precisa os riscos fiscais a serem enfrentados, especialmente com crescimento medíocre – as projeções do PIB em torno de 2,5% nos próximos anos parecem otimistas.
Além de prejudicar a arrecadação, a economia fraca pressiona os gastos sociais, eleva o risco de inadimplência nas linhas de crédito com garantias da União e de ações judiciais, particularmente as relativas a pagamentos de tributos.
Apesar de não haver uma relação clara entre o fluxo de recursos para um país e o comportamento da moeda, vale citar a saída de US$28 bilhões em 2020. O valor é inferior aos US$45 bilhões em 2019, mas a abertura dos dados não traz alento.
Parte importante da “melhora” é transitória (como a queda de gastos de turistas no exterior) ou negativa (desinvestimento de empresas brasileiras no exterior). E a queda de 51% no investimento direto estrangeiro destoa do recuo de 12% em países emergentes ou mesmo de 42% no mundo.
O Brasil perde participação global por conta da baixa expectativa de crescimento – variável chave para atrair o capital estrangeiro menos volátil.
No mercado, alguns torcem para o Banco Central elevar a taxa de juros Selic para aumentar a atratividade do real. Talvez ajude a conter a volatilidade da moeda, mas o problema é de outra natureza, de perspectiva de médio-longo prazo.
A não ser que haja sensível enfraquecimento do dólar no mundo, é pouco provável que o câmbio recue de forma relevante. Pelo menos até que haja expectativa de renovação política em direção a uma agenda mais estruturada e ambiciosa para destravar, paulatinamente, a economia. Em um cenário de campanha competitiva do centro democrático liberal em 2022, o dólar poderá ceder.