Ceder a tudo e a todos agora implicará mais uma década perdida
Aprendemos com os profissionais da saúde que é necessário suavizar a curva de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, por meio do isolamento social, pois o sistema de saúde não daria conta de tantos doentes. Também aprendemos que é necessário evitar uma segunda onda decorrente de uma suspensão precipitada do confinamento, dada a baixa imunização atual.
O desafio é encurtar o período de distanciamento social de forma segura, com definição de estratégia e uma boa gestão da saúde.
O choque é transitório, mas cabe a nós determinar sua duração.
O sucesso na área da saúde definirá o impacto econômico da epidemia e a própria eficácia das medidas de socorro. Assim, a mesma atenção dada aos anúncios de medidas econômicas deveria ocorrer para as medidas sanitárias e de saúde. Pouco sabemos, no entanto.
Além de cuidar da curva de infectados, precisamos cuidar da curva da economia.
A inação geraria grande sofrimento social, mas o excessivo voluntarismo dificultaria a retomada do crescimento adiante, por conta dos efeitos colaterais sobre a solvência do setor público e a eficiência econômica. Sim, todos os esforços precisam ser feitos para salvar a economia, mas dentro das nossas possibilidades.
Não há milagre na economia; há trabalho bem feito. É necessário aqui também haver estratégia, definição de prioridades e boa gestão, pois os recursos são escassos.
A prioridade número 1 – para além de investir em saúde – é garantir a subsistência das pessoas vulneráveis com renda comprometida na crise.
Além da ampliação do bolsa família, há medidas do governo para transferir renda a informais e afins. A tarefa agora é sua célere implementação. Não basta o anúncio.
A segunda prioridade é minimizar o desemprego dos trabalhadores mais pobres e vulneráveis à demissão – geralmente exercem atividades presenciais e trabalham em empresas com menor capacidade de atravessar a crise.
O desenho da política pública desse ponto em diante fica mais complexo, o que requer critérios para garantir o bom uso dos recursos públicos.
Entendo serem dois os critérios principais.
Primeiro, o socorro a empresas deve levar em conta sua fragilidade financeira decorrente da crise e a probabilidade de sobrevivência adiante – ou seja, ajudar quem precisa e merece. Uma empresa mal gerida não deveria ser beneficiada. Pode parecer crueldade, mas não é. É prejudicial ao bem comum gastar recursos da sociedade para socorrer artificialmente empresas que não irão sobreviver e honrar suas dívidas. Melhor seria cuidar dos que perderão seu emprego.
É acertada a medida do governo de criar uma linha de crédito barata para pequenas e médias empresas pagarem os salários mais baixos da folha, com participação dos bancos comerciais, pois estes têm mais condições de selecionar as empresas.
Para as microempresas, outros canais precisarão ser criados, pois não temos experiência de sucesso no microcrédito. Armínio Fraga, José Alexandre Scheinkman e Vinicius Carrasco propõem utilizar as empresas das chamadas “maquininhas”. Importante acelerar nos estudos de viabilidade dessa proposta.
Enfim, trata-se de aliar a utilização de recursos públicos à racionalidade econômica.
Para as grandes empresas, convém procurar maior participação do setor privado, evitando uso não prioritário dos recursos públicos. Um exemplo para reflexão são as companhias aéreas. Haverá encolhimento do setor adiante, inclusive pelo uso de alternativas às reuniões presenciais. Isso precisa ser levado em conta na decisão de socorro. Não seria o caso de o governo oferecer garantias apenas?
O segundo critério é não salvar o patrimônio de pessoas e empresas. É preciso aceitar que ficamos mais pobres. Cabe ao Banco Central conter o aperto do crédito, mas não compensar perdas de investidores no mercado financeiro.
No calor da urgência, o governo fica mais vulnerável à pressão de grupos de interesse, o que precisa ser evitado. Ceder a tudo e a todos agora implicará mais uma década perdida.
*Consultora e doutora em economia pela USP