A ‘floresta em pé’ como solução para Amazônia apresenta dificuldades em sua materialização
Há disseminada desinformação sobre as transformações em curso na Região Amazônica e, em particular, sobre o seu aspecto mais chocante: os incêndios que invariavelmente pulverizam partes da floresta e sua extraordinária biodiversidade. Nos últimos 40 anos a maioria dos brasileiros apagou de sua memória os fatos que convulsionaram o bioma, estendendo-se de Rondônia, passando pelo norte de Mato Grosso e o sul do Pará e seguindo pelo Maranhão, ao leste. Esse gigantesco arco territorial foi visceralmente alterado, primeiramente, pela devastação florestal, depois pela pecuária extensiva e, mais tarde, pelo avanço da produção de grãos, embora esta movida por uma novidade: a sua alta densidade tecnológica.
O mesmo desconhecimento prevalece sobre o rural brasileiro como um todo, comprovado por inúmeras ilustrações. Exemplos: um dos nossos alimentos básicos, o arroz, tem a sua eficiente produção cada vez mais concentrada nos dois Estados meridionais, depois distribuída para o restante do País. Aos poucos desaparecem antigas produções regionais, incapazes de competir com a oferta sulista. Já a multiplicação de motos nas regiões rurais, por sua vez, encurta distâncias e, particularmente, descortina o mundo urbano para os jovens que, assim, ampliam o desejo de abandonar suas precaríssimas comunidades do vasto interior, esvaziando o campo.
Desde 1993 o Pará lidera o cultivo nacional de mandioca, mas sua primazia secular como responsável pela maior área plantada foi perdida para a soja a partir de 2015. A virada tem agudas consequências para o campo paraense, pois sepulta a agricultura de subsistência de antanho e integra o Pará ao sistema agroalimentar global. O Pará é também o maior produtor nacional de cacau, abacaxi, dendê, pimenta-do-reino, açaí e bubalinos. E destaque em bovinos, coco, laranja e maracujá, entre outros. O açaí, um produto tipicamente extrativista, vem ampliando seus mercados pelo mundo por meio do manejo, inclusive lavouras plantadas, boa parte sob sistemas de irrigação.
O ponto de partida dessas transformações é a década de 1970 e a decisão dos governos militares de “integrar a Amazônia” ao restante da economia. Rodovias como a Belém-Brasília (1960) e a Transamazônica (1972) garantiram a mobilidade geográfica das migrações, inicialmente formadas por famílias pobres do Nordeste rural buscando ou o acesso às terras novas ou às áreas de garimpo. Serra Pelada, naqueles anos, exerceu um fascínio irresistível. Esse avanço, pelo lado leste, em torno do Bico do Papagaio, foi o ápice dos conflitos de terra, destacados nos anuários da Comissão Pastoral da Terra. A segunda metade da década de 1980 registrou os mais elevados indicadores de vítimas nas disputas pela terra. Foram os anos dos desmatamentos mais selvagens, seguidos das queimadas.
Na sequência, já na segunda metade dos anos 90, o cultivo de grãos que havia sido consolidado no norte de Mato Grosso “caminhou” em direção ao Pará, ocupando as antigas áreas abertas pelo fogo e os pastos degradados. Em poucos anos, já no século atual, esse Estado do Norte começou a evidenciar uma realidade muito distante da antiga “problemática amazônica”, pois suas regiões ao sul e quase todo o leste já haviam sido desmatadas, assegurando o avanço da pecuária e da agricultura de grãos.
Mais recentemente, essa trilha de ocupação vem seguindo pelo lado oeste, subindo na direção de Santarém. Atualmente, o Pará já tem desmatado mais de um quinto de sua área total. Vai sobrando apenas o quadrante noroeste do Estado ainda com maior densidade florestal, além das regiões de proteção legal, como as reservas. Adicionalmente, entre 1995 e 2010, um terço da terra arrecadada para a reforma agrária se localizava no Pará e no Maranhão. Sem acompanhamento técnico, os assentamentos também contribuíram em alguma proporção para degradar a região central do Estado.
Sob tal contexto, qual o melhor caminho a ser perseguido? O principal é gerar renda com a recuperação de áreas que não deveriam ter sido desmatadas, iniciativa que os países desenvolvidos levaram a efeito, alguns com a floresta já completamente desaparecida. Reverter a redução da cobertura florestal da Amazônia é possível com a ampliação da oferta de tecnologia agrícola, da assistência técnica, da melhoria do capital social e do escoamento da produção, entre outras iniciativas. Um desenvolvimento mais sustentável é factível.
A reiterada ideia de uma “floresta em pé” como a solução para a Amazônia apresenta dificuldades na sua materialização, dadas a baixa produtividade dos recursos extrativos, a sua dispersão e a falta de economia de escala, entre outros bloqueios. Mesmo o mercado de carbono pode ser vítima do seu próprio sucesso. Recorde-se que o extrativismo foi uma das causas do atraso secular da Amazônia.
Outra tendência poderá ser parcialmente benéfica, que é a mudança da pecuarização para a agriculturização. Se os produtores dedicados à produção de grãos se dispuserem a desenvolver melhores práticas de manejo em suas propriedades, seguindo o preconizado pelo Código Florestal, poderá diminuir a ação humana sobre a natureza. Se for assim, pelo menos quatro quintos de cada propriedade manterá preservada a floresta, conforme exige a lei.
Qual o aprendizado geral do período? É possível estabelecer uma agricultura mais sustentável utilizando apenas as áreas de pastos degradados na Amazônia, as quais somam mais de 10 milhões de hectares (área superior a Portugal), aumentar a produtividade agrícola, incentivar cultivos perenes, garantir a segurança alimentar, fazer uma revolução na aquicultura e domesticar os produtos da biodiversidade amazônica. Uma política agrícola é muito mais importante e consequente para resolver seus próprios problemas ambientais.