Ao evitar cair na armadilha de Trump, democrata vem sendo mais inteligente do que seus colegas
Ao longo das primárias Joe Biden foi retratado como um anacronismo, um homem cujo melhor momento ficara uma década ou três no passado. Ao mesmo tempo em que os veículos da grande imprensa publicavam perfis bajuladores de seus principais rivais, descartavam as chances de sucesso dele.
Mas Biden não apenas derrotou uma dúzia de concorrentes para se tornar o candidato indicado do Partido Democrata como também está persistentemente à frente de Donald Trump nas pesquisas de intenção de voto, lidando habilmente com a política extraordinariamente turbulenta de 2020.
A explicação mais simples é que as pessoas gostam de Joe Biden, e gostam dele por uma razão: diferentemente de Trump e de alguns setores do Partido Democrata, Biden de fato expressa o ponto de vista da maioria dos americanos.
Quando protestos de massa desencadeados pelo assassinato de George Floyd se alastraram pelos Estados Unidos, o público americano reagiu de modo muito menos dividido do que talvez sugira um olhar rápido para a paisagem da mídia polarizada.
De acordo com as pesquisas, a maioria dos americanos encara a brutalidade policial como um problema grave e pensa que precisamos fazer mais para combater o racismo. Segundo as mesmas pesquisas, a maioria dos americanos também considera que protestos violentos são ilegítimos e que “desfinanciar a polícia” é má ideia.
Mas esse consenso passou despercebido por muitas elites políticas e da mídia. O pior ofensor é, como sempre, Donald Trump, que parece ser incapaz de exprimir empatia por aqueles que sofrem com a injustiça e ainda parece pensar que pode fortalecer sua posição inflamando as tensões raciais no país.
Algumas pessoas da esquerda, porém, também se desviaram em direção aos extremos. Políticos progressistas abraçaram mensagens profundamente impopulares como “desfinanciar a polícia”. Alguns jornalistas conhecidos fizeram de conta que a turbulência e as depredações não estão ocorrendo em grande escala e que de qualquer jeito, se isso acontecesse, seria perfeitamente justificável. O senador democrata Chris Murphy, de Connecticut, chegou a ir ao Twitter para se desculpar por ter criticado a violência política.
Essas omissões vêm tendo consequências sérias em campo. Em todos menos os casos mais flagrantes, as autoridades de Portland têm se negado a processar manifestantes violentos. Um homem que se beneficiou dessa política é Michael Reinoehl, extremista branco que escreveu nas redes sociais que “toda Revolução precisa de pessoas dispostas e preparadas para lutar… Eu sou 100% ANTIFA até o fim!”
Reinoehl foi detido em um protesto local em julho por portar uma arma carregada e resistir à prisão. Mas foi solto em pouco tempo. Algumas semanas mais tarde, as acusações contra ele foram arquivadas. Então ele disparou contra um partidário de Trump, matando-o, em um protesto no centro de Portland.
Felizmente, a maioria dos líderes comunitários e políticos negros têm ignorado as expressões de angústia online sobre os perigos de criticar atitudes que desrespeitam as leis. Eles abraçaram plenamente o movimento de massa por justiça racial –e condenaram inequivocamente os extremistas e oportunistas que saqueiam lojas, incendeiam bairros ou se entregam a fantasias juvenis sobre revolução política.
Mais importante ainda, o candidato presidencial do Partido Democrata também tem condenado a violência, coisa que fez desde o início, com frequência e de modo inequívoco. Como Biden disse em um discurso recente: “Promover baderna nas ruas não é protestar. Saquear não é protestar. Atear incêndios não é protestar, é ilegalidade pura e simples. E quem pratica esses atos deve ser processado”.
Assim, se há poucos indícios de que os americanos estejam se voltando contra Biden em resposta à turbulência, é em grande parte porque Biden vem sendo muito mais inteligente do que muitos de seus colegas, ao evitar cair na armadilha de Trump. Diferentemente dos jovens e dos que vivem online, ele não aderiu à lição absurda de que criticar tumultos e depredações significa trair o movimento por justiça racial.
Longe de ser fonte de fraqueza, portanto, o fato de Biden ter afiado seus instintos políticos ao longo de muitas décadas é uma fonte de força eleitoral. Se ele conseguir tornar-se o 46º presidente dos Estados Unidos, não será apesar de sua falha em compreender o que muitos jornalistas e políticos acreditam ser o espírito do momento –será porque possui o bom-senso político para rejeitá-lo. (Tradução de Clara Allain)
*Yascha Mounk cientista social é professor associado na Universidade Johns Hopkins e autor de “O Povo contra a Democracia”.