Quase ninguém percebeu. Em meio aos turbulentos dias que vivemos, Michel Temer resolveu botar ordem na reforma agrária. Promulgada às vésperas da condenação de Lula, a lei 13.465 de 2017 promoveu um bom aprimoramento da nossa legislação fundiária. Mais planejamento, menos ideologia.
Duas importantes modificações se destacam no sistema atual: a primeira estabelece requisitos objetivos para a seleção dos trabalhadores com direito à terra, exigindo “perfil” técnico, e coloca a classificação dos possíveis beneficiários na internet.
Um sistema aberto e transparente. Ao fazer isso, o governo enfrenta a perversa lógica das invasões de terra, até então tomadas como o processo “normal” da reforma agrária. Pouco importava a qualificação: quem invadia ganhava o “passaporte” da terra. Tudo, obviamente, manipulado pelas entidades que vivem disso.
A segunda grande alteração considera “consolidado” o projeto de assentamento de reforma agrária que atingir o prazo de 15 anos desde sua implantação. Consolidar um assentamento significa dar a ele as condições adequadas de infraestrutura para que seus integrantes possam andar com suas próprias pernas, sem a tutela do Incra (Instituto Nacional da Reforma Agrária). Nesse momento, ao cortar o cordão umbilical, o poder público deve promover a titulação dos (novos) agricultores.
Parece pouco, mas representa muito. Acontece que tanto o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) quanto a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais na Agricultura) sempre foram contra a emancipação dos assentamentos de reforma agrária. Argumentam que o poder público precisa investir mais e mais nos lotes, para oferecer as condições ideais e impedir o fracasso dos beneficiários da terra. Adoram manter a eterna dependência do governo.
No fundo, quem conhece esse mundo agrário sabe que aquelas poderosas organizações de “sem-terra” temem, isso sim, perder o controle político do programa de reforma agrária. Em conluio com o poder público, onde mandaram por 13 anos, durante as gestões de Lula e Dilma, beneficiaram-se com vultuosos recursos orçamentários, repassados às organizações através de milhares de suspeitos convênios. Foram R$ 2,75 bilhões –sim, bilhões– repassados entre 2003 e 2014, a 1.424 entidades civis. Um escândalo, escondido debaixo da podridão petista.
Pior que o assalto ao poder público, manter os assentados de reforma agrária na clientela do Incra permite sobre eles exercer o domínio político e ideológico. Sabia-se, no início dos anos 2010, que 55% das famílias assentadas se filiavam aos movimentos organizados. Fora as taxas espúrias e os “pedágios” sobre financiamentos, os pobres agricultores formavam uma subserviente massa de manobra.
Em nome de evitar a “morte” da reforma agrária –que, segundo eles, ocorreria com a titulação definitiva da terra– o MST e a Contag mantinham sua dominação sobre os coitados do campo. Falso esquerdismo.
Com a nova legislação, o Incra estima, até o final de 2018, emitir 460 mil títulos de terra para famílias assentadas (até 2012, haviam sido tituladas apenas 12 mil famílias). Tal emancipação significa a alforria na terra, o sonho de todos os beneficiários, sua transformação de “assentados” em “proprietários”.
Daí para a frente, eles passam a ser enquadrados nas políticas agrícolas do governo, ao lado dos históricos milhões de pequenos agricultores, chamados familiares, do país. Não terão vida fácil, mas serão donos de seu negócio. E não rezarão mais na cartilha pseudo-revolucionária de MST/Contag.
Poder 360
Xico Graziano, 64, é engenheiro agrônomo e doutor em Administração. Foi deputado federal pelo PSDB e integrou o governo de São Paulo. É professor de MBA da FGV e sócio-diretor da e-PoliticsGraziano. Autor de 10 livros.