Ninguém gosta de turbulência, mas não é uma grande causa de queda de avião
A maior lição de humildade para integrantes da minha profissão é o já clássico livro “Superprevisões – a arte e a ciência de antecipar o futuro”, publicado em 2016 por Philip Tetlock e Dan Gardner. Uma das célebres conclusões da obra, apoiada em mais de 20 anos de material empírico, é a de que jornalistas (especialmente os de televisão) acertam na média menos prognósticos do que um chimpanzé atirando dardos numa parede onde estão escritas respostas para perguntas como “qual será o preço do barril do petróleo no fim do ano?” (a taxa de acerto aleatória está em torno de 18%).
Claro que previsões só têm validade se respeitarem um limite de tempo – é fácil acertar a previsão “o mundo vai acabar”; a questão é acertar quando. Com toda humildade vamos, então, a alguns prognósticos para temas que devem ocupar espaço no noticiário.
Donald Trump deve perder o voto popular nas eleições de novembro (Hillary Clinton já o havia derrotado por 3 milhões de votos em 2016), mas conseguirá se reeleger. Os eleitores anti-Trump já vivem em colégios eleitorais democratas como Nova York ou Califórnia. Portanto, seu voto é “desperdiçado” e a verdadeira batalha é em colégios eleitorais menores, no Meio-Oeste, onde dificilmente Trump decepciona os mesmos eleitores que lhe garantiram a vitória quase quatro anos atrás.
Brexit deve chegar a um acordo comercial com a União Europeia, que terá dois grandes desafios. Um deles é razoavelmente previsível: Angela Merkel não conseguirá segurar sua frágil coligação, complicando a difícil questão de como dar um “reset” na relação com a Rússia, uma forma que o presidente francês vem propondo para redefinir o papel da Europa frente ao que foi (e promete continuar sendo) o fenômeno Trump + populistas (vão continuar fortes). Se parecer melhor, o prognóstico é mais do mesmo.
Vale também para a grande relação geopolítica do século, entre China e Estados Unidos, na qual a guerra comercial é apenas uma manifestação de uma pergunta para a qual ninguém até agora conseguiu produzir uma resposta convincente: o surgimento de uma super potência como a China, contestando o papel hegemônico dos Estados Unidos, será pacífico ou acompanhado (como historiadores clássicos sugerem) por confronto militar? Mas não é nada difícil prever que a China se tornará (se já não é) a principal potência das telecomunicações, com sérias consequências para o resto do mundo.
Protestos, descontentamentos e turbulência devem prosseguir na América Latina. A frustração e as manifestações mais ou menos violentas não escolheram ou pouparam perfis ideológicos dos diversos governos, no que parece ser uma expressão de ampla insatisfação de populações que “percebem” seu atraso relativo frente ao resto do mundo e consideram que seus mandatários não são capazes de dar respostas convincentes e em prazo rápido a demandas populares.
E o Brasil? Meu prognóstico é mais do mesmo. A economia vai andar melhor, o que é pouco para o grande desafio de um País aprisionado na armadilha da renda média. A onda disruptiva de 2018 partiu-se em suas diversas correntes, o que promete um cenário político “estável” no fracionamento das forças políticas e, portanto, na incapacidade de um só grupo se afirmar como dominante. O esforço de levar adiante reformas será grande e caminhará de forma lenta tanto pela notória resistência oferecida pelas corporações que tomaram o Estado brasileiro mas, em boa medida, também pela opção política do governo de não consolidar uma base tipo “tropa de choque” no Congresso.
Será turbulento. Apertem os cintos e um bom voo para todos nós em 2020. Turbulência não costuma derrubar avião.