Reservas podem compensar fim dos auxílios, mas não se sabe se todo mundo volta a gastar
Está sobrando dinheiro na caderneta de poupança e aumentou a poupança no país durante a epidemia, como bem se sabe. O que vai ser feito desse dinheiro nos próximos meses vai influenciar o ritmo da despiora da atividade econômica.
Supõe-se que o gasto dessa poupança extra possa compensar, em parte, uma baixa no consumo provocada pela redução do valor do auxílio emergencial e de seu fim, previsto para dezembro. Mas pode ser que as coisas não funcionem assim, como em uma balança de pratos; o que sai por uma porta talvez não seja compensado pelo que entra pela outra.
Antes de mais nada, note-se que o valor dos recursos depositados na caderneta de poupança aumentou R$ 163,7 bilhões de setembro de 2019 para setembro de 2020 (em termos reais, considerada a inflação). Desconte-se desse total o valor dos depósitos que teriam ocorrido “normalmente” (no ritmo em que vinham no anterior ao do início da pandemia). Ainda seriam R$ 143,6 bilhões a mais, em um ano. Equivale a 2% do PIB. É muito dinheiro.
Poupança, ocioso dizer, não significa “depósitos na caderneta de poupança”, mas o que deixou de ser consumido, dada a renda disponível. Além do mais, as pessoas podem ter deixado o dinheiro até no colchão. Mais provável, o guardaram em um fundo de renda fixa ou em alguns tipos de título do Tesouro Direto, para citar duas versões mais “pop” de uma espécie de conta remunerada. Os mais remediados ou ricos, em investimentos mais complexos.
O conjunto inteiro de fundos de investimento captou R$ 178 bilhões nos 12 meses até agosto de 2020, segundo dados da Anbima (excluídos os fundos ditos estruturados). Mas o patrimônio dos fundos fica perto de R$ 6 trilhões; o da poupança, de R$ 1 trilhão. Logo, o aumento dos depósitos na poupança foi brutal.
Faça-se um exercício muito simples do que “tem para gastar” no país, poupado em cadernetas, opção provável dos mais pobres, que não raro as utilizam como conta corrente. O valor dos auxílios emergenciais e do benefício de manutenção de emprego foi de R$ 49,8 bilhões por mês (média de julho e agosto). Mal e mal, o excesso da caderneta banca o equivalente à renda de três meses de vida sem esses auxílios. Considerado o pagamento dos auxílios de R$ 300, digamos que o “excesso” de depósitos nas cadernetas compensaria a perda de renda até fevereiro.
Questão: as pessoas vão gastar essas e outras reservas? As mais pobres vão. Mas, primeiro, não sabemos quem guardou dinheiro, para começar. Segundo, quem guardou por precaução pode continuar preocupado, pois a epidemia desacelera, mas vai longe. Terceiro, o brasileiro escaldado por sete anos de crise pode ficar na retranca até que veja algum sinal de terra econômica à vista.
Há meses, faz-se a conta de quanto o rendimento do trabalho precisa crescer a fim de compensar o buraco que o fim dos auxílios vários vai deixar no potencial de consumo (os emergenciais, o seguro-desemprego ampliado, os dinheiros para estados e municípios). A poupança extra (o que se deixou de consumir na pandemia) seria um contrapeso, mas essa é apenas uma hipótese aritmética.
Um Renda Cidadã aliviaria a situação de parte dos mais pobres, mas não do consumo em geral, caso seja financiado por cortes em outras áreas. A despiora econômica até agora foi melhor do que a esperada, mas os auxílios começaram a minguar apenas neste outubro, quando a recuperação da renda do trabalho ainda é pequena.
A hipótese do balanço pode dar certo. Se não der, o risco de entrarmos em estagnação precoce ou em parafuso.