Para salvar Bolsonaro, PEC do auxílio e dos gastos empurra problema com a barriga
Nestes dias, o país discute como vai sobreviver a Jair Bolsonaro, ao morticínio, a fomes e a intervenções econômicas que podem danar até o crescimento medíocre previsto para 2021. Além do mais, o Brasil passa por uma guerra civil federativa, de estados e cidades em conflito com o governo federal.
Esse tumulto fúnebre tira de vez a atenção de um assunto sempre difícil ou francamente chato, mas essencial: as possíveis mudanças no gasto e na dívida do governo previstas pela proposta de emenda à Constituição (PEC) 186, a que também vai regulamentar a nova rodada de auxílio emergencial.
A PEC 186 na prática vai servir para empurrar com a barriga a mesmíssima situação em que estão as contas do governo. Isto é, se emenda não for ainda mais amputada ou lipoaspirada quando for a votação. Impede alguma explosão e sururu radical na finança (alta de dólar e juros em caso de rachaduras no “teto”), mas basicamente não muda a situação. Logo, apenas adia a discussão fundamental do que o país vai fazer de teto, gasto, dívida, investimento em produção e civilização, debate impossível até que voltemos a ter um governo e política civil.
Aprovada como estava até terça-feira (2), a PEC deve permitir que o “teto” de gastos federal resista pelo menos até o início do mandato do próximo presidente. A despesa de investimento em obras (como estradas ou hospitais), ciência ou saúde ficará no mesmo nível arrochado de agora, no máximo, na mais otimista das hipóteses.
Sem entrar em tecnicalidades, a despesa obrigatória será contida em até 95% da despesa total (como prevê a PEC) por meio da contenção do gasto com servidores públicos, no grosso. Na prática, tal despesa não poderá crescer mais do que a inflação em 2022 e 2023 (além do crescimento vegetativo, como promoções automáticas etc.) e, depois desses anos, nem isso. É o que indicam contas feitas com base em dados da Instituição Fiscal Independente, de acompanhamento de contas públicas, ligada ao Senado, dirigida por Felipe Salto
A PEC prevê também aumento de impostos, na prática. Isto é, define que devem ser canceladas certas renúncias de receitas (reduções de impostos para certas empresas ou indivíduos). Mas há tantas exceções que será impossível reduzir essa renúncia em cerca de 0,25% do PIB a cada um dos próximos oito anos, como se deduz da PEC (não vai se chegar nem a 40% disso). Por exemplo, a PEC permite acabar com a dedução de saúde e educação privadas no IR, mas isso deve cair também. Logo, difícil que saia alguma receita daí.
Na previsão da IFI, a receita do governo até 2030 fica abaixo da média dos anos Dilma 1 em pelo menos 1% do PIB. A arrecadação (como proporção do PIB) aumentaria mais apenas em caso de crescimento acelerado da economia com ênfase em setores mais formais e que pagam mais impostos. Esse milagre de crescimento dependeria de um dilúvio de investimento privado, o que não está no horizonte até pelo menos 2022.
A PEC em tese prevê uma mudança no modo de lidar com as contas públicas. Diz lá que uma lei complementar vai estipular algum limite para a dívida pública e quais os meios de controlá-la (com metas de contenção de gastos ou outras). Pode dar em reviravolta, em revolução fiscal ou em nada, virando letra morta, o que no caso talvez não seja má ideia.
A PEC não tem “contrapartidas” para o gasto com o novo auxílio emergencial. Isso tudo era conversa mole e pano passado para Paulo Guedes e turma. A PEC não resolve nada. É um remendão para a coisa não explodir até 2022.