Governo pode ficar mais livre para fazer demagogia, da gasolina à religião
A “ala militar” deu um chega para lá na “ala ideológica” do governo, a gente lê por aí. Hum.
É verdade que a seita de aloprados reacionários perdeu cadeiras no Planalto, mas a turma ainda mora de pijaminha no coração do presidente, de resto líder de torcida das milícias virtuais. Se por mais não fosse, a seita é liderada politicamente pela filhocracia bolsonariana.
No mais, a “ala ideológica” continua fora da casinha e vivíssima, o que é evidente por exemplo na demagogia com a gasolina ou no ataque à razão, à cultura ou a jornalistas, como na campanha imunda contra Patrícia Campos Mello, jornalista desta Folha, aliás difamada com apoio do Twitter.
O ministro-general Augusto Heleno é “ideológico” ou “militar”? Acaba de acusar até o papa de “confraternizar com um criminoso” (Lula), “exemplo de solidariedade a malfeitores, tão a gosto dos esquerdistas”.
Dá-se pouca bola para demagogias como a da gasolina, que pegou. Quem conversa com o povo na rua e nas redes ouve que “o Bolsonaro quer baixar a gasolina, mas os governadores e os deputados não deixam” e variantes.
Preços de comida, gasolina, ônibus e dólar são indicadores econômicos “pop” importantes, qualquer demagogo grosso sabe. O índice de irritação com a gasolina, o “Irrigás”, digamos, está no nível mais alto desde pelo menos 2012, com exceção de maio de 2019 (época de mau humor na economia) e da greve dos caminhoneiros, baderna apoiada por Bolsonaro e empresários bolsonaristas e espertalhões em geral.
Pode se medir o “Irrigás” comparando o custo de encher o tanque de um carro popular com o salário médio. Tende a ficar nesse nível alto ou subir. O salário quase não sobe, o dólar vai ficar nas alturas, o preço do petróleo não deve cair mais, afora em caso de derrocada na economia mundial.
Pode haver mais rolo: o Supremo está para julgar a inconstitucionalidade do tabelamento do frete. Se o tabelamento cair, há risco de rolo, o que assusta Jair Bolsonaro, que não teria como apoiar caminhonaços, como o fez em 2018.
Essa digressão da gasolina ilustra como a “ala ideológica” vai além dos disparates atrozes e desumanos do governo. Bolsonaro cria atrito político ou desordem nas expectativas de gestão racional da economia por fazer essas e outras demagogias, que abalam mesmo as sagradas reformas.
Decerto chamou o Exército com o objetivo de evitar trabalho administrativo, que o exaure, e porque foi aconselhado a conter a desordem. Também porque não conhece outros quadros. Passou a vida a circular por quartéis, por sua paróquia mental de ressentimento odiento, pelo porão da ditadura e pelo baixíssimo clero parlamentar.
Se conseguir terceirizar o governo para generais, para o premiê Rodrigo Maia e para Paulo Guedes, pode se dedicar mais à reeleição e ao comando da seita, que quer transformar em partido.
Além da desordem ruinosa, prepara-se na Educação um plano de doutrinação ignara, com livros didáticos e com tudo. Mesmo tutelado pelo vice-general Mourão, o Ministério do Mau Ambiente continuará a ofensiva mineradora e ruralista contra indígenas e matas.
A ministra dos Costumes, Moral e Cívica, Damares Alves, continuará a campanha contra o Estado laico e de arregimentação de simpatias neopentecostais.
Militares não gostam de bagunça, da cama desarrumada à agitação social, passando pelo governo. Se tiverem sucesso, os Bolsonaro estarão mais livres e fortes para comandar a “ala ideológica”.