Empresas terceirizam responsabilidades para fugir da culpa, na Vale ou no Carrefour
Quando a lama da Samarco matou 19 pessoas em Mariana, em 2015, a Vale disse: “A Vale é apenas uma mera acionista da Samarco, sem nenhuma interferência operacional na administração dessa companhia, de modo direto ou indireto, próximo ou distante”.
Era verdade. A Vale tinha “responsabilidade limitada” por lambanças da Samarco, embora essa limitação se torne mais e mais controversa. Já a “responsabilidade social e ambiental” foi logo para o vinagre tinto de sangue. O negócio era pegar a grana de acionista e terceirizar a imundície. Tanto era esse o caso que, em 2019, a Vale largou centenas de pessoas no caminho da lama da morte em Brumadinho.
Terceirizar a imundície é um negócio, na contratação de empresas selvagens de segurança ou de feitores que escravizam imigrantes costureiros de roupa de ricos, mas não só. O Carrefour terceirizou sua segurança para uma empresa de policiais, propriedade ilegal. Um funcionário dessa Vector matou João Alberto Freitas, aos 40 anos.
“Ah, essas empresas são quase todas assim”, talvez de milícias. Sim. Então, bota a boca no trombone, chama a Lava Jato, se vira. Para apoiar governo que sabota a democracia, faz propaganda do vírus, queima floresta e insulta “viado” vocês têm tempo e disposição, certo?
Quando dá besteira, polícia ou morte, executivos de empresas aparecem compungidos, “sofrendo”, tentando sair de fininho, seguindo o roteiro do “gerenciamento de crises”. As mais toscas dizem “não sabíamos”, “a empresa [que fez a porcaria direta] é terceirizada” ou “é caso isolado”, essas burrices sórdidas e insolentes.
Na hora de enfiar a faca no pescoço de quem atrapalha os ganhos, certas empresas vão bem. Quando se trata de evitar que enfiem o joelho no pescoço do “crioulo”, dane-se.
Quer conter risco? Até por frio pragmatismo, contrate empresas limpas. O Carrefour tem dinheiro. Faturou R$ 60 bilhões em 2019. Em 2020, está faturando 17% mais. O lucro neste ano já cresceu 49,5%. Os acionistas controladores são o Carrefour France (71,6%) e a holding Península (da família de Abílio Diniz, com 7,7%). Por falar nisso, no dia em que mataram o homem, o Ibovespa caiu e a ação do Carrefour subiu.
Além do mais, faça um contrato draconiano: pisou no pescoço, está fora. Ou, como ouvi no início deste século de um presidente de bancão: “Se o sujeito me perde tantos milhão [sic], a gente chupa o sangue dele”.
“…Queremos gerar uma experiência agradável de compra”, lê-se na introdução do “Relatório Anual de Sustentabilidade” do Carrefour, esses blablás de coach, de relações institucionais e de mendacidades socioambientais. Mas o segurança matou o homem preto.
“…Contribuímos para a inserção deles [“colaboradores”] no mercado de trabalho, priorizando segmentos historicamente discriminados”. O homem preto morreu.
“Nosso objetivo é fazer a diferença nos locais em que atuamos …através de ações de proteção ambiental, da promoção da diversidade e solidariedade”. O homem preto morreu.
Não é a primeira do Carrefour nem de supermercados e shoppings, onde volta e meia há um capanga da segurança da “sustentabilidade” dando um mata-leão em outro alguém do povaréu, tanto faz se tenha furtado um biscoito ou não. Estão preocupados com vidas à beira de uma represa da morte? Com o imigrante ou o terceirizado escravizado? Com o homem negro que morre na loja ou na “sala de massagem” (de tortura)? “Chupa o sangue” de quem barbariza, talvez o seu próprio, ou para de conversinha. Enfim, é preciso rever também a terceirização irresponsável.