Dúvida é saber se BC vai tomar alguma atitude com as taxas mais longas
O Banco Central disse na prática que a taxa real de juros básica vai a zero até junho, mês da próxima decisão sobre a Selic, afora a hipótese de novos choques dentro deste choque terrível da pandemia.
No atacadão do mercado de dinheiro, já está em 0,3% ao ano (taxa para negócios de um ano, descontada a inflação esperada nos próximos 12 meses). Ainda é muito.
Nesta quarta-feira (6), o BC reduziu a Selic de 3,75% para 3% ao ano. Afirmou em comunicado que, em junho, pode reduzi-la em outro tanto, no máximo, para até 2,25%, parando por aí, excetuada a hipótese de novos desastres.
E daí?
Nada disso vai mudar de modo notável a taxa de juros nos bancos. Não é disso que se trata, obviamente. A dúvida é saber se o BC vai enveredar pela grande novidade, no caso brasileiro, de comprar títulos do Tesouro a fim de achatar as taxas de juros de prazo mais longo, o que estará autorizado a fazer em breve, pelo Congresso.
Na teoria mais ou menos padrão, o BC poderia fazê-lo caso a Selic fosse a zero (em termos nominais, não a taxa real). Por ora, como visto, parece que não vai a zero. As taxas ditas longas, no entanto, deram um salto desde meados de março, com o pânico pandêmico.
Essas taxas balizam o custo de o governo financiar seus déficits e dívida. Definem também o piso do custo do dinheiro para negócios de prazo mais longo, o financiamento do investimento privado, por ainda vários meses um assunto congelado. Em suma, a dúvida é saber se o BC quis esses novos poderes apenas para ter uma arma na prateleira, em caso de ruína extra, ou se pretende tomar alguma atitude antes disso.
No mais, no curto prazo, a decisão do BC desta quarta-feira não era surpresa, ao menos para negociantes de dinheiro, embora seus colegas analistas ainda sugerissem queda de 0,5 ponto percentual, na maioria, em vez do 0,75. Francamente, é como discutir, dentro de um incêndio, se o fogo já torrou a carne ou se chegou no osso.
Muito analista argumentava que a redução adicional da diferença de juros entre o Brasil e os EUA provocaria ainda maior desvalorização do dólar. Mas a redução dessa diferença é quase nula. O dinheiro vai embora por puro medo, fuga de risco.
Essa discussão de décimos parece influenciada pelo fato de que a média dos ditos analistas parece otimista com a volta do crescimento em 2021 (e também da inflação).
Na mediana, esperam queda do PIB de 3,8% neste ano e alta de 3,2% em 2021 —tomara que estejam certos. Esperam inflação em 3,3% em 2021. Refizeram mesmo as contas ou simplesmente acreditam em IPCA perto da meta por inércia?
Economistas de bancões brasileiros acreditam que a taxa real de juros fica negativa até o fim de 2021, ao contrário da mediana dos seus colegas do mercado.
O comunicado do BC afirma também, como de costume, que a Selic baixa depende de reformas e de contenção da dívida pública: “A trajetória fiscal ao longo do próximo ano” e “a percepção sobre sua sustentabilidade”, “serão decisivas para determinar o prolongamento do estímulo”.
Hum. Não vamos saber quase nada das contas públicas antes do final do ano, excetuadas maluquices. Mal vamos saber do tamanho da recessão deste 2020 antes da primavera, sendo otimista de modo solar. Não temos ainda nem a menor ideia a respeito do controle do ritmo da epidemia.
O risco de esperar para ver, de modo convencional, é que a ação pode vir tarde demais. Não é o caso de agir à louca e às cegas, mas é preciso inventar maneiras novas para medir este desastre e seus efeitos.