Epidemia é guerra, governos vivem a paz dos cemitérios
É preciso gastar para deter o inimigo novo coronavírus e cuidar dos feridos
A epidemia tem algo de uma guerra. Não há destruição física, mas partes da economia deixam de produzir por falta de gente para trabalhar, de transporte e matérias-primas.
Os danos estão evidentes, mas muitos governos vivem em um mundo de paz. A paz dos cemitérios.
Mas é preciso um esforço de guerra —mais sobre isso adiante.
Há quem grite nesse silêncio mortal no meio da algazarra dos mercados financeiros, os primeiros a pedir socorro. Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, soltou os cachorros em reunião fechada da cúpula europeia, na terça-feira (10), segundo relatos de jornais europeus: parem de tergiversar, governos precisam gastar.
Juros baixos não movem moinhos destruídos, não animam pessoas travadas pelo pânico ou pela impossibilidade física de trabalhar, não tratam doentes.
O Brasil também terá de pensar em medidas de emergência (que não impedem “reformas”). O número de casos da doença se expande aqui a 30% ao dia, quase o mesmo ritmo do mundo rico. Nessa toada, em 15 dias haverá 2.700 doentes. Haverá paralisia também, em um país mais pobre e desgovernado, em parte na mão de dementes.
Reino Unido e Itália começaram a agir. Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA, diz que é “melhor se exceder do que fazer pouco”. O governo americano está perdido entre os economistas de auditório de Donald Trump e picuinhas democratas. Apenas o BC deles agiu.
O governo da Alemanha, centro da Europa, está aparvalhado. Tem dívida pública pequena, menos de 60% do PIB, e governo com superávit (!). Muito do establishment alemão tem culto fanático pela austeridade, mas parte dessa elite já diz basta.
Para piorar, a “guerra” da epidemia da covid-19 ocorre em um mundo de várias economias deprimidas ou quase estagnadas desde 2008. O PIB per capita da eurozona cresceu cerca de 0,5% ao ano desde então.
É um mundo enfraquecido ainda por guerra econômica real: EUA versus China, disputa tecnológica, militar e comercial; conflito pelo controle do mercado de petróleo (sauditas contra russos contra petroleiras americanas); ataque ao sistema internacional de comércio, obra de demagogos como Trump.
É também um mundo de desumanidade louca, em que mais gente está largada à própria sorte, sem previdência social para pagar saúde, falta de trabalho e outros desastres da vida, como nos EUA.
Guerra demanda esforço de guerra. É preciso aumentar a produção de alguns bens e serviços, pagar os soldados e o remédio para feridos e desabrigados.
É preciso gastar em hospitais e seus funcionários. É preciso sustentar quem cuida dos doentes, profissionais e famílias que ficam sem trabalhar.
É preciso fazer a economia produzir armas contra o inimigo e rodar em setores que escapem à destruição: investimento em infraestrutura de saúde ou geral: energia, transporte.
Na Europa, Alemanha inclusive, há quem diga até que será preciso cuidar das empresas “refugiadas” da guerra, asfixiadas pela destruição causada pela epidemia. Cuidar como? Até o ponto de o governo colocar dinheiro nessas firmas, se tornando sócio delas. Quem o diz é parte do establishment do pensamento econômico de lá, quase todo linha-dura.
Mercados financeiros derretem? Sim, são um enorme sintoma que pode deixar terríveis sequelas. Mas o problema de base é uma economia paralisada por uma guerra, por uma peste, em mundo de lideranças entre dementes e medíocres.