O governo de Jair Bolsonaro deve ter problemas com a polícia por causa da CPI da Covid, a não ser que os senadores encomendem uma pizza bem podre ou que procuradores não despertem inquietos do seu sono profundo dos anos bolsonaristas. Pode ter mais coisa no mafuá, mas ainda há grande conivência das instituições, que estão disfuncionando.
A Polícia Federal bateu na porta de Ricardo Salles, vulgo Boiada, e turma Investiga corrupção na facilitação de contrabando de madeira ilegal. Um dos coronéis de Eduardo Pazuello engavetou a investigação de dispensas de licitação esquisitíssimas em obras do Ministério da Saúde, esclarecimento solicitado pela Advocacia-Geral da União, caso revelado pelo Jornal Nacional da Globo.
O TCU está com uma auditoria quase pronta sobre as omissões do Ministério da Saúde no combate à epidemia. O caso, porém, é meio ignorado pela “opinião pública” e ainda não apareceu no palco da CPI.
A gente quase toda esqueceu dos inquéritos das “fake news” e dos comícios golpistas _este trata do financiamento dos atos em favor de intervenção militar. Cozinham em banho-maria no Supremo. Quando vamos ter resultados? Quando a campanha bolsonarista disparar milhões de zaps na eleição de 2022 ou quando tentar um golpe contra o resultado das urnas?
Em parte por falta de dinheiro, em parte por incompetência, o governo Bolsonaro não oferece oportunidades para grandes negócios, embora esteja apenas no começo o empreendimento que é a Codevasf. Essa estatal que toca obras no interior pobre de Minas, Nordeste e agora Norte foi também entregue ao centrão e serve de lugar de desova de emendas parlamentares.
A grande obra de Bolsonaro é, claro, a montanha de cadáveres da epidemia, que mal começou a ser investigada.
A CPI ainda lida com o estrelato, o dela mesma e o das estrelas convocadas, não apenas as do general Pesadello, mas ministros e nomes graúdos. Falta precisão nas perguntas do inquérito, trabalho com documentos, cronologias de decisões, preparo mais fino.
Falta principalmente chamar quem participou das reuniões ditas “técnicas”, recebeu ordens e recomendações, assinou papeis, burocratas de carreira ou gente envolvida qualquer que tenha costas menos quentes e mais motivos para dizer a verdade.
Falta falar com gente de fora do governo. Onde estão os documentos e mensagens do caso da falta de oxigênio em Manaus? O que diz empresa fornecedora? O que dizem secretários de Saúde e hospitais sobre a falta de remédios para entubar pessoas quase à morte? Há papelada, mensagens e telefonemas que tratam disso tudo.
Ainda há uma moleza geral no tratamento dos escândalos dos tempos Bolsonaro, com a colaboração da Procuradoria-Geral da República. A rachadinha da familícia foi quase enterrada A muito custo, saiu a CPI da Covid. A CPI do desastre ambiental está atolada no Congresso, sem ao menos assinaturas suficientes.
O centrão é conivente com Bolsonaro. Arthur Lira, presidente da Câmara, é coadjuvante, e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, ora finge-se de morto na cripta, qual uma Julieta Bolsonaro.
Bolsonaro, enfim, cometeu dezenas de crimes de responsabilidade. É a encarnação cotidiana da falta de decoro e da ameaça autoritária. Tornou-se moda dizer que é apenas uma farsante, que não se deve levar a sério o que diz (o próprio general Pesadello sugeriu isso na CPI). A maior parte da elite brasileira tolera essa imundície; o impeachment é quase impossível. Mas há crimes suficientes para comer Bolsonaro pelas bordas.
Fonte:
Folha de S. Paulo