Fracassos do reformismo se devem à desordem política e administrativa do Planalto
O episódio da “debandada” provocou um chororô dos liberais, além de escancarar intrigas no Ministério da Economia.
Paulo Guedes forçou um recuo dos “fura-teto”, mas tem dificuldade de avançar porque ele mesmo não tem plano organizado, porque o governo não tem iniciativa, programa, competência e está dividido quanto ao que fazer da economia. Se não fosse por um general “fura-teto” e pelo Congresso, Jair Bolsonaro e seus “liberais” estariam com uma corda no pescoço.
Guedes depende de conveniências menores de Bolsonaro e do programa passivo do comando da Câmara. Do pouco que sai do Planalto, Rodrigo Maia e seu grupo vetam ou autorizam o que pode tramitar —não há plano organizado em acordo com uma coalizão no Congresso.
Tais decisões talvez mudem um pouco de figura, pois todos os líderes do governo e da maioria são agora deputados e senadores do MDB e do PP; todos menos um foram ministros de Dilma Rousseff e de Michel Temer, aliás.
Os liberais reclamam que são minoritários, preteridos e tratados como corpos estranhos no malévolo paquiderme estatal. Queixam-se do “deep state”, burocratas que andariam por porões brasilienses a sabotar privatizações etc. Talvez devessem mandar um telegrama de protesto para Guedes, pois em tese o ministro nomeou sua equipe e toma decisões.
Talvez se lembrem também de que os governos “social-democratas” privatizaram mais do que eles, os liberais. Os “comunistas” do primeiro governo FHC, como diz Bolsonaro, quebraram o monopólio estatal do petróleo, venderam a Vale, as teles, ferrovias e uma estatal elétrica, pelo menos. Os de Itamar Franco abriram a economia e venderam a CSN, a Açominas, a Cosipa e a Embraer.
Não quer dizer que reformas liberalizantes não vão passar. Esse é o programa de parte do establishment e do movimento que depôs Dilma Rousseff. Lembram-se de 2015, da “Ponte para o Futuro” do MDB, de Temer e companhia? Pois é.
Essas coisas ganham impulso e perduram por mistura de interesses e da feia necessidade, de pressões sociais e econômicas, de ideias da alta burocracia e dos acadêmicos. Mesmo um teto de gastos, diferente desse que está aí, foi plano de Nelson Barbosa, ministro da Fazenda na fase terminal de Dilma 2, que até queria fazer umas reformas, mas foi sabotada pelo PSDB e largada pelo PT.
O pessoal “Ponte para o Futuro”, também uma coalizão contra a Lava Jato, e o puro creme do milho da “velha política” passaram a liderar o governo no Congresso e seguram a cabeça de Bolsonaro. O próprio Temer agora é “brother”.
Se Bolsonaro tivesse um programa de administração, teria feito um governo Temer 2, mas não entende nem queria saber de nada disso, não reuniu quadros (nem conhecia algum), não organizou bancada e não tem articulação social (mafuá em rede social é outra coisa). Dedica-se a fazer guerra ideológica autoritária e a resolver os problemas da família com a polícia.
Em suma, um problema de Guedes e dos “liberais” é que não há propriamente governo. Reclamam dos generais, mas foi deles, de Braga Netto em particular, o plano de criar uma coalizão parlamentar mínima, em abril, e alguma articulação administrativa.
Reclamam do Congresso, que aprovou a reforma da Previdência e o auxílio emergencial, contra o plano pífio dos “liberais” para a epidemia, sem o que o país estaria em convulsão social e econômica, com saques, mais fome e quebradeira ainda maior.
Se algo andar, será por causa dessa geringonça que tenta dar forma a algo que pareça um governo.