Não deveria ser problema para quem quer caçar marajás, mas é difícil para quem se diz adepto de direito adquirido
Jair Bolsonaro prometeu acabar com a “farra de marajás”, funcionários públicos que juntam penduricalhos a seus salários altos. Prometeu também reforma da Previdência aguada: “Não podemos penalizar quem já tem direitos adquiridos. O servidor público já sofreu duas reformas”.
O candidato parece perdido entre dois mundos. Ainda vive na Terra do Nunca programático, que fica entre o país liberal de seu economista-chefe, Paulo Guedes, e a ilha das corporações estatais, entre elas a militar, da qual fez parte.
No entanto, a arrumação das contas públicas depende de um plano que tem de bulir com servidores públicos e aposentados em geral.
Gastos previdenciários levam 47,7% da despesa total do governo federal; outros 22% vão para gastos com servidores (salários, aposentadorias e benefícios). Somados, dão quase 70%.
O gasto com militares leva um quarto da despesa federal com o funcionalismo. De cada R$ 3 gastos com a folha de pessoal dos militares, R$ 2 vão para aposentadorias e pensões, que custam cerca de R$ 47,5 bilhões por ano.
Aposentados e pensionistas militares custam o equivalente a um ano e meio de Bolsa Família, por exemplo. Outra comparação: os investimentos federais (em obras, como estradas, ou outros) levam apenas 0,8% da despesa total, uma miséria. O gasto com a folha dos militares leva 5,5%.
Por falar em investimento, o orçamento do Ministério da Defesa nessa área perde apenas para o do Ministério dos Transportes. Nos últimos 12 meses, os investimentos da Defesa chegaram a R$ 10,4 bilhões, um quinto do total de investimentos federais. No Ministério da Saúde, investem-se R$ 5,2 bilhões.
Em si mesma, a lista dos investimentos da Defesa parece razoável. Pela ordem, gasta-se em aviões de combate (a compra e o desenvolvimento do caça sueco da FAB e do cargueiro novo da Embraer), em blindados, construção de submarinos, estaleiro naval, barcos, helicópteros, foguetes de artilharia.
Há também gastos quase “civis”, como no sistema de controle do espaço aéreo ou no de vigilância de fronteiras, em um projeto de reator nuclear ou na reconstrução da estação de pesquisa na Antártica, aquela que pegou fogo em 2012.
É muito? No caso dos salários, nem tanto.
O rendimento médio dos servidores civis da ativa é cerca de 70% superior ao dos militares. Mas o salário médio do setor público federal é cerca de 30% superior ao dos empregados do setor privado formal com as mesmas características pessoais (idade, instrução, sexo etc.).
Essa conta está em relatório de pesquisa de Izabela Karpowicz e Mauricio Soto, técnicos do FMI, publicado neste mês: “Rightsizing Brazil’s Public-Sector Wage Bill” (“O Ajuste da Folha Salarial do Setor Público do Brasil”).
De volta à folha dos servidores federais: seu custo equivale a 4,3% do PIB (dos quais 1,9% do PIB vão para aposentadorias e pensões). O pessoal do FMI acha que, para o ajuste das contas públicas dar certo até 2023, seria preciso reduzir tal despesa para 3,3% do PIB.
Um exemplo aritmético de como atingir esse objetivo: seria necessário conter reajustes salariais (mesmo pela inflação) e contratações por quatro anos, com o PIB crescendo a 3% ao ano. Não é uma receita, mas mostra o tamanho da encrenca.
Não deveria ser grande problema para quem quer caçar marajás, como Bolsonaro, mas é difícil para quem se diz adepto de direitos adquiridos —também como Bolsonaro.