Eleições nos EUA e aqui permitem que governo ignore o furacão de problemas que virá
Faz semanas, Jair Bolsonaro está em férias do seu desgoverno. Quer dizer, não tem sido nem ao menos obrigado a deixar de tomar decisões sobre assuntos cruciais ou ignorá-los, que é o seu padrão habitual de conduta.
O mundo está distraído pela situação horrorosa dos Estados Unidos e os parlamentares brasileiros estão ocupados com eleições municipais e de conchavos para a escolha do comando do Congresso em 2021 e de novos ministros. Nas votações que ainda acontecem, deputados e senadores fazem mais ou menos o que querem.
A folga vai acabar. A distração maior pode passar, caso os Estados Unidos não entrem em convulsão. Daqui a dois domingos, no dia 15, acaba a eleição municipal na maior parte do país, embora restem algumas segundas rodadas.
Então, haverá problemas a resolver, como o Orçamento de 2021; como manter (ou não) o teto de gastos, o auxílio para os muitos pobres extras que a calamidade econômica e sanitária deixará, para nem falar de uma política racional de vacinação, se houver vacina (mais improvável ainda é que haja razão). Há mais, mas passemos, por ora.
Nesta semana, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), disse o seguinte: “Neste momento pós-pandemia, o que vai ficar: uma dívida muito alta, uma pressão muito grande, um desemprego batendo recorde, a inflação voltando com força, o Orçamento público uma incógnita para todos nós. A gente não sabe o que o governo quer, o que o governo vai propor”.
Certo ou não, é o que Maia pensa e ouve de economistas e empresários maiores e mais preocupados com a desordem do governo.
Enquanto isso, Bolsonaro viaja, como de costume. No interior de Alagoas, elogiou Fernando Collor, outra amizade presidencial que agrega ao seu círculo, depois de Michel Temer. Do que tratou nesse minicomício? De paranoias e mistificações. Diz que vai apoiar uma emenda constitucional para obrigar a impressão de votos nas eleições; insinua que há uma conspiração no mundo com o objetivo de roubar as terras do Brasil.
No mais tardar a partir de dezembro, e já será muito tarde, Bolsonaro teria de tomar decisões duras: auxílio emergencial ou renda básica; algum meio de manter o teto de gastos e ao mesmo tempo arrumar recursos para que o governo ainda funcione, o que vai exigir algum conflito com servidores, por exemplo.
Pode também deixar o teto de gastos cair, sem mais, e partir para a ignorância, com tumulto financeiro e ruína progressiva. Pode ainda simplesmente fazer o arrocho mais cru, apaziguar os ânimos nos mercados, não fazer mais nada e tentar manter a popularidade restante no gogó e no delírio, com votos de papel e outras sandices e conversas lunáticas. Como se vê, as alternativas não soam bem.
Supondo que saia das suas férias eternas e tome alguma decisão mínima de governo, teria ainda de lidar com “reformas”. Nos subterrâneos, a tributária está se tornando uma disputa cada vez mais amarga entre setores empresariais, por exemplo, e o governo não tem plano algum por ora a não ser o imposto morto-vivo, a CPMF, segundo seu próprio criador, Paulo Guedes.
A política internacional (eleição nos EUA) pode causar ainda mais problema, assim como a polícia nacional (acusação de roubança contra Flávio Bolsonaro). Por ruins que sejam, a curto prazo são questões menores perto daquelas que Bolsonaro precisará, em tese, enfrentar e que envolvem economia, gasto público, a fome de milhões e seu prestígio. Mesmo que fizer o melhor possível (hum), vai sair queimado.