Até para achar um dinheirinho para o ‘renda básica’ será necessário corte duro
Imaginem a seguinte manchete: “Bolsonaro quer congelar aposentadorias do INSS”. A seguir, viria outra, mais ou menos assim: “Governo propõe corte de salários de servidores do Brasil inteiro”.
Antes de discutir se tais ideias prestam ou o que significam, suponha-se o que Jair Bolsonaro vai achar disso, ainda mais se as notícias da baixa de sua popularidade em grandes capitais se confirmarem pelo resto do país.
Essas são algumas ideias em discussão para que se arrume algum dinheiro para o “Renda Brasil”, Bolsa Família encorpado, o nome que se dê, algo que substitua o auxílio emergencial. Além de todos os problemas fiscais, técnico-legais, de disputas no Congresso e de pressões dos donos do dinheiro, há o fator Bolsonaro. Olhando as pesquisas de popularidade de dezembro, vai tomar qual medida?
Vai haver dinheiro para atenuar a pobreza e a miséria que virão com o fim do auxílio emergencial e a persistência do desemprego? Lembrete: antes da epidemia, havia 92 milhões de pessoas ocupadas no país. Os dados recentes não são muito precisos (nem recentes), mas a população ocupada deve andar pela casa de 83 milhões ou 84 milhões. Vai haver emprego para 8 milhões de pessoas até janeiro? Não. Para as pessoas que chegaram ao mercado de trabalho neste ano? Não. A renda do trabalhador informal miudinho vai se recuperar com a epidemia ainda fervendo? Não.
O congelamento das aposentadorias valeria apenas para benefícios com valor maior do que um salário mínimo (Bolsonaro havia vetado o congelamento geral do valor de aposentadorias e outros benefícios do INSS). “Congelamento” significa que os benefícios não teriam reajuste nem pela inflação. Dos 35,8 milhões de benefícios pagos por mês, 11,7 milhões valem mais de um salário mínimo, cerca de um terço deles (que absorvem 53% da despesa, porém). Parece o suficiente para causar sururu político.
Reduzir jornada e cortar salário de servidor (não apenas os federais) é um plano do Ministério da Economia desde o final do ano passado e uma medida prevista pelas normas do “teto” de gastos, as quais precisam de regulamentação, no entanto. Bolsonaro tem vetado medidas que afetem os servidores atuais.
De novo, veio a conversa de cortar subsídios: isso não permite mais despesa (por causa do teto), a não ser que se trate de subsídios de crédito, em que Bolsonaro não deve mexer, pois daria problema com seus amigos e renderia pouco, de resto.
Ou Bolsonaro aceita os cortes de despesa para financiar algum (pequeno) “Renda Qualquer Coisa” ou Bolsa Família gordo, ou não terá nada. Nada a não ser que adote a gambiarra da extensão do auxílio emergencial, que dependeria da extensão do período de calamidade, o que Paulo Guedes disse não querer, exceto em repique maior da epidemia. Nem Guedes nem Rodrigo Maia, presidente da Câmara, gostam da ideia. Mas o centrão gosta.
Em resumo, a discussão está praticamente na mesma de agosto e setembro, quando Bolsonaro vetou cortes de despesas sociais e os credores do governo elevaram as taxas de juros por causa da ameaça dos “fura teto”. Desde então, apenas ficou mais claro que o dinheiro que houver para auxílio, dados os impasses, será bem pequeno.
Com auxílio ou “renda básica” pequenos, tende a haver problema político-social e alguma desaceleração no consumo. No trimestre junho-agosto, o pagamento médio mensal dos auxílios foi de R$ 45,3 bilhões por mês. Em setembro, de R$ 24,2 bilhões. Em janeiro, quase nada. É problema.