Presidente aproveitou bobagem do Senado para fazer gol político, mas gosta de um gasto
Os senadores deram uma oportunidade para Jair Bolsonaro fazer um show de responsabilidade fiscal. O presidente fez pose no noticiário e no delírio das mídias sociais. Faturou politicamente uma bobagem demagógica do Senado. Só que não se trata disso, de responsabilidade.
O Senado havia derrubado veto de Bolsonaro a um parágrafo da lei de socorro a estados e municípios. A lei proíbe reajustes de salários e outros aumentos de despesas com servidores de todo o país até o fim de 2021. O parágrafo vetado abria exceção para profissionais de saúde, de assistência social, de limpeza, de policiais etc. envolvidos no combate à pandemia.
Nesta quinta-feira (20), a Câmara validou o veto, em um dia agitado como se estivessem reconstruindo os muros da Bastilha fiscal. Sim, o reajuste não faz mesmo sentido. Sim, há cheiro de queimado na praça financeira. Desde a segunda semana de agosto, as taxas de juros de prazo mais longo voltaram a dar saltos (em julho, haviam voltado a níveis pré-pandemia). Mas quem fez a chacrinha “fura-teto” foi o próprio governo, que de resto não tem projeto organizado para nada, das contas às “reformas”.
Bolsonaro não liga muito para o tamanho da despesa a não ser que: 1) veja uma possibilidade de fazer show midiático; 2) apareça um rolo com consequências notáveis para a sua reeleição.
O presidente quer o monopólio da concessão de benefícios e favores. Diminuiu o alcance da reforma da Previdência, deu reajustes para policiais, para as Forças Armadas e bilhões para uma estatal da Marinha fazer navios. Sabota o quanto pode a reforma administrativa e avacalha emendas constitucionais de redução de despesa com servidores que seu próprio ministro da Economia manda para o Congresso.
O próprio Bolsonaro apoiava a exceção que acabou enfim por vetar, por insistência de Paulo Guedes. Ele mesmo cruza a bola que cabeceia para fazer o gol da confusão permanente que é seu desgoverno.
O governo, de resto, fez um show com o tamanho dessa crise do veto. O Senado de fato colocou mais água no moinho das tentativas de elevar gastos, manobras avacalhadas para dar um jeito no teto de despesas sob o pretexto de estimular a economia e atenuar problemas sociais. Nada disso vai prestar, posto dessa maneira. Mas o governo superfaturou essa crise.
Segundo o governo e seus economistas, a derrubada do veto reduziria em dois terços a economia prevista com a proibição de reajustes, coisa de quase R$ 90 bilhões. Esse número não parece fazer sentido algum.
A derrubada do veto não implicaria reajustes, para começar. Para continuar, a despesa com “remuneração de empregados” nos estados e municípios foi de uns R$ 662 bilhões em 2019 (o governo federal está fora da conta porque se supõe que não concederia reajustes, certo?). Seria preciso dar baitas reajustes a todos os funcionários do país inteiro para essa conta parecer razoável.
E daí? Daí que a discussão é uma mixórdia de baixo nível, condizente, portanto, com esse governo. Nas mídias sociais, era possível ler o povo bolsonariano dizendo que os senadores haviam se dado reajustes, por exemplo.
O arranca-rabo desnecessário e de fancaria ajuda a complicar a vida de Guedes no Congresso, em particular no Senado, a quem acusou de cometer “um crime”, o que deixou a turma possessa por lá. A gente podia ouvir senador dizendo “quero ver o seu Guedes vir aqui com cara de pau falando de concórdia e pedindo suas reformas”.
Bolsonaro deve ter ficado feliz como pinto no lixo, na confusão, no caos que o revigora.