Novo ministro quer reabertura gradual, mas faltam meios para bancar plano ainda vago
Em cerca de uma semana, vamos saber se a epidemia avança de fato em ritmo menos rápido, como pareceu nos últimos dias. Ainda que os dados tenham problemas, tratados com alguns ajustes sugerem que o Brasil poderia entrar no caminho do “achatamento da curva” que também parece acontecer nos países ocidentais maiores.
Talvez estivéssemos a evitar explosão ainda mais terrível da doença e da mortandade, mesmo que as políticas estaduais de contenção da epidemia venham sendo sabotadas por Jair Bolsonaro.
Ainda serão. Mais do que isso, Bolsonaro começou um confronto sem limite com o Congresso. Disse que Rodrigo Maia, presidente da Câmara, quer depô-lo e arruína o país.
Prometeu que vai continuar a campanha contra o “isolamento”. Ao demitir Luiz Henrique Mandetta, imagina ter vencido a guerra em uma frente, no Ministério da Saúde, e que poderá se dedicar ao combate contra governadores e o Congresso.
Nos discursos da nomeação do novo ministro, Nelson Teich, em entrevistas e no Planalto, Bolsonaro disse que estados e prefeitos foram radicais, causam colapso econômico e mandam a conta para o governo federal. Chamou as Forças Armadas de “minhas” e, no Palácio, disse que vai acabar a “palhaçada dos governadores”.
O novo ministro diz que existe um “alinhamento completo” entre ele e Bolsonaro, mas que não haverá mudanças abruptas na política para a epidemia. Qual prazo Bolsonaro dará a Teich?
Teich disse que implementaria uma política de reabertura social e econômica aos poucos, ao que parece baseada em testagem em massa da população.
Ainda não há testes nem para precisar o andamento da epidemia no Brasil, que em testagem fica atrás até dos vizinhos sul-americanos. Basear uma de fato correta política gradual de reabertura socioeconômica depende também de:
1) Existência de testes em massa, capacidade de análise (pessoal e materiais), organização de um programa (como uma grande vacinação continuada);
2) Um plano de procura de doentes e rastreamento de possíveis infectados, o que depende de tecnologia, lei e pessoal (como o do programa de saúde da família): de organização;
3) Planos de contenção de danos, como distribuição em massa de máscaras para a população e monitoramento de contágios em empresas, por exemplo;
Não haverá testes em massa tão cedo (meses?). Não há sinal de plano federal de rastreamento. Alguns estados fazem planos de implementar tais programas, ainda muito incipientes, até porque faltam recursos e, enfim, é necessária alguma coordenação nacional, dinamitada pelo Planalto.
Como vai ser então? Uma reabertura baseada em dados melhores da epidemia e planos adicionais de controle vai demorar.
O que Bolsonaro vai fazer? Sabotagem maior e imediata? Ou pode se satisfazer com a ideia de que conseguirá colocar na conta dos governadores a depressão econômica que virá, como disse explicitamente ontem?
Congresso, Supremo e governadores deram sinais de que ainda estão dispostos a conter as duas epidemias: o desgoverno federal e a Covid-19. Câmara e Senado reagiram à saída de Mandetta com uma rara, se não inédita, nota conjunta, e difundiram sinais de que vão podar iniciativas ruinosas do Executivo federal.
Se Bolsonaro tiver sucesso na sua contraofensiva, a curva de doentes e mortes vai explodir. A explosão pode ir além. Bolsonaro vai atacar o isolamento que o país mais racional procura impor à sua doença autoritária e necrófila.
“A luta continua” e é de várias mortes.
Vinicius Torres Freire é jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).