Vice: Como o conteúdo patrocinado mudará as eleições de 2018

Há grandes chances de, mais uma vez, os partidos mais ricos serem beneficiados
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Há grandes chances de, mais uma vez, os partidos mais ricos serem beneficiados

Por João Paulo Vicente

Um artigo, cinco parágrafos, dois incisos e duas alíneas. São oito os dispositivos da Lei 13.488 de 2017 que tratam das novas regras de impulsionamento pago de campanhas políticas na internet do Brasil. Hoje, porém, há menos de um ano das eleições, a discussão pública sobre o tema tem sido igual a zero.

Novidade no Brasil, a prática é controversa desde que, no ano passado, Donald Trump se tornou presidente dos Estados Unidos. Para muitos analistas, a milionária campanha online de Trump, trabalhada em gatilhos psicológicos e big data, foi fundamental para sua eleição. O raciocínio seria de matemática simples: quem pagasse mais pela campanha online, triunfaria.

Na terra de Bolsonaro e Lula, enquanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) corre para regulamentar a prática, a dúvida maior é o quanto esse expediente poderá ter influência definitiva nas eleições de 2018.

Impulsionamento de conteúdo, vale lembrar, não se refere só a Facebook. Em teoria, qualquer plataforma de redes sociais que permita o pagamento para um post ter alcance maior entra no caldo. Falamos de Twitter, Instagram (cujo dono é o Facebook), Pinterest, LinkedIn e talvez – se forçar a barra um pouco – até o YouTube. Como a reforma política considerou que impulsionamento inclui “priorização paga de conteúdos resultantes de aplicações de busca na internet”, também estão no balaio o Google, o Yahoo e o Bing.

Entre os profissionais da área, o sentimento é de que a liberação do conteúdo pago nas redes sociais pode mudar a balança da eleição. Mais: há um consenso de que isso pesará a favor de campanhas com maior poder financeiro. Daniel Braga, publicitário por trás da comunicação online de João Doria, é taxativo: “Isso é antidemocrático, sou contra. Quem tiver mais dinheiro vai ter um alcance muito maior”, disse, por telefone, em conversa com o Motherboard.

Braga foi o um dos responsáveis pela escalada de Doria na disputa pela prefeitura de São Paulo no ano passado. A principal ferramenta nesse processo foi o Facebook, onde o hoje prefeito mantinha uma comunicação direta e constante com seu público. Por meio de um aparato de monitoramento dos humores do seu eleitorado, Doria adequava suas mensagens para que ressonassem da melhor maneira possível. Com isso, seus vídeos simples tinham muita interação (curtidas, comentários, compartilhamentos), ganhavam tração e acabavam exibidos para um público ainda maior. Tudo isso de maneira orgânica, ou seja, sem nenhum investimento.

Crédito: Flickr/ joel the goat farmer

Hoje um post pode ser impulsionado por apenas uns trocados. Quanto mais grana para investir na veiculação, claro, mais pessoas serão impactadas. Empresas como Facebook e Twitter incentivam que as companhias de mídias e agências gastem muita grana nisso. É o negócio deles. A estratégia de Doria e Braga foi de antecipação. Gastaram dinheiro antes, no mapeamento, e não no meio de divulgação.

O ponto é que o aparato necessário para ter a eficiência de um Doria ou Trump é bastante caro. A diferença da campanha dos dois é que, no Brasil, ao criar a isca irresistível, Braga tinha que torcer para que a maré do Facebook a levasse até o cardume interessado – os algoritmos responsáveis por esse processo, você deve saber, são caixas-pretas.

Nos Estados Unidos, por outro lado, o impulsionamento do conteúdo fazia com que o Facebook enfiasse na boca dos eleitores do Trump uma isca talhada com o mesmo cuidado. Mas não só: permitia também que a equipe do presidente americano refinasse essa isca a máxima perfeição. Uma reportagem da Wiredmostra como era normal a campanha dele rodar entre 40 mil e 50 mil variações do mesmo anúncio. Em determinado dia, foram 175 mil. Com isso, tanto o número de pessoas impactadas era maior quanto as melhores versões explodiam em visibilidade.


Encontrar o público certo demanda dinheiro

Além da mensagem certa, é preciso encontrar o público certo. Esse modelo de propaganda na internet permite segmentar os posts segundo critérios minuciosos a partir dos dados disponíveis sobre cada pessoa. Um exemplo fictício: imagine uma rua comprida, que atravesse um bairro muito pobre e outro muito rico. O mesmo candidato pode endereçar posts sobre saneamento básico para o primeiro local e sobre diminuição de impostos para o segundo. Sem a possibilidade do impulsionamento, essa distinção é impossível de ser posta em prática.

“Até uns dias atrás eu tava fudido”, diz, em tom de brincadeira, André Torretta, marqueteiro que trouxe a Cambridge Analytica para o Brasil há cerca de um ano. Perto do exemplo simplório aí de cima, o trabalho da Cambridge parece místico: com base nos mesmos dados, eles traçam perfis psicológicos para chegar a melhor maneira de falar com as pessoas. Afinal, vai que o maluco que mora no bairro pobre está mais preocupado com a redução de impostos do que com o saneamento básico, né?

Há polêmica em torno da eficiência do método e o próprio marqueteiro se apressa em dizer que abordagens semelhantes e aplicadas de forma diferentes são usadas há décadas. Mas o fato é que a empresa inglesa (que por aqui se juntou a Ponte, consultoria especializada na classe C de Torretta, e virou CA-Ponte) ganhou fama depois das campanhas exitosas de Trump e do Brexit – em que os ingleses votaram pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Com a proibição de propaganda política paga na internet, a ideia era vender o trabalho da CA-Ponte para a iniciativa privada. “Mas aí a roleta girou e eu ganhei. Agora eu posso fazer, com as condições locais, é claro”, afirma Torreta.

A campanha de Trump gastou US$ 90 milhões no Facebook, contra US$ 30 milhões da sua adversária, Hillary Clinton. Nós não chegaremos a tanto, já que a reforma também estabeleceu um limite de gastos total de R$ 70 milhões no primeiro turno da corrida presidencial (pouco mais de US$ 20 milhões). Para Torretta, esse é um dos desafios: definir de onde vai sair o dinheiro para o investimento na comunicação digital.

Isso, porém, é só um exemplo de como o jogo vai estar em aberto no próximo ano. “Se existir uma pessoa que falar para você que tem experiência no digital com política no Brasil, está mentindo. Não tem”, diz Torretta. “Tinha estratégia passiva, prefeito postava vídeo e rezava para dar certo. Agora nós vamos precisar tirar alguém que trabalha com mídia em agências de publicidade e capacitar esse profissional para trabalhar em política. Isso é caro.”

“Eu tive a sorte de estar junto com o pessoal que já fez isso fora, mas você acha que dá para aplicar tudo da Cambridge Analytica aqui? Com quem? O Brasil é diferente, tem alto nível de analfabetismo funcional, o app que funciona em São Paulo não funciona em Petrolina”, afirma ele. “No Brasil, é preciso ter outro entendimento. Esse ainda é o mundo do discurso, não dos dados”, diz o marqueteiro.

Distante do marketing político há dez anos, Torreta diz que tem sido sondado por algumas campanhas interessadas no trampo da CA-Ponte – inclusive de pré-candidatos de olho na presidência. Daniel Braga, que apesar de ser contra ao impulsionamento, concede que este será uma ferramenta indispensável na eleição de 2018. “Uma coisa eu te digo: a estrutura necessária para fazer isso bem precisa ser construída com antecedência, desde já. Ninguém vai montar isso faltando setenta dias para eleição. Não vai.”

Crédito: Flickr/ joel the goat farmer

Mentir, em teoria, não pode

E como fica a questão dos partidos e movimentos com mais dinheiro usarem as campanhas para espalhar boatos? Para os acadêmicos, é um problema que, pelo andar da carruagem, não terá solução em 2018.

“As redes sociais já tinham um papel importante nas últimas eleições, mas a possibilidade de investir recursos de campanha na internet vai colocá-la num papel de maior protagonismo”, diz Amaro Grassi, pesquisador da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV (FGV-DAPP). “Isso gera insegurança muito grande tanto por não estar claro o que isso significa quanto por como pode se relacionar com a disseminação de conteúdo manipulatório pro ou contra determinado candidato ou agenda.”

A manipulação citada por Grassi se dá por meio de notificações falsas, perfis falsos e bots utilizados para denegrir a imagem de um candidato ou inflar a influência de outro. Desde a eleição americana no ano passado, as maiores redes sociais tem sido alvo de críticas ferozes por conta da maneira complacente que lidaram com esse cenário. Há algumas semanas, inclusive, executivos do Facebook, Twitter e Google foram sabatinados no congresso americano sobre o controle que tinham das suas próprias plataformas de propaganda.

Destes, o Facebook parece ter sido o que sentiu o golpe com mais força: nos últimos meses, a empresa anunciou uma série de medidas para melhorar a transparência dos seus anúncios, como a contratação de mil novos revisores de conteúdo e uma nova aba que exibe todos os posts patrocinados de determinada página (isso acaba com os dark posts, quando uma postagem só era exibida como anúncio e nunca na home do anunciante).

No caso de conteúdos com teor político, os anúncios também serão destacados como tal. “Estamos comprometidos em aumentar a transparência dos anúncios políticos em todo o mundo, e recentemente anunciamos medidas concretas para dar mais informação às pessoas sobre os anúncios que elas veem. Também estamos cooperando com autoridades eleitorais sobre temas relacionados à segurança online. Esperamos tomar medidas também no Brasil antes das eleições de 2018” , afirmou a empresa, em comunicado oficial ao Motherboard.

Uma fonte próxima da empresa que preferiu não se identificar foi um pouco mais enfática: “O nosso esforço para combater contas e conteúdo falso é permanente, mas é natural e razoável imaginar que esse esforço seja intensificado durante períodos eleitorais em todos os países”, diz.

Por sua parte, o governo brasileiro também tenta enfrentar o problema. O TSE juntou gente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), PF e representantes de diversas das empresas de tecnologia envolvidas no tema para criar um método de identificação e combate de conteúdos inautênticos. Mesmo assim, Grassi é pessimista. “O uso de robôs somado a fake news tem um potencial de impacto muito grande, você produz conteúdo falso e usa recursos ilegítimos para levar ao alcance de muito mais gente do que seria possível naturalmente”, explica ele, um dos responsáveis pela pesquisa “Robôs, Redes Sociais e Política no Brasil”.

O estudo identificou que, desde a eleição de 2014, nos principais momentos de debate político no Brasil, os bots respondiam por até 20% das interações sobre o tema no Twitter – e esse número é resultado de uma metodologia conservadora, ou seja, a realidade pode ser pior. “Claro, só o fato desse problema ter se tornado público e a Justiça Eleitoral ter manifestado intenção de enfrentá-lo é muito positivo, mas tudo leva a crer que ele vai continuar presente”, afirma Grassi.

Por sua vez, Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas da USP e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, chama atenção para o fato de que o conteúdo compartilhado de maneira orgânica pelos usuários de redes sociais pode ter um peso tão grande quanto posts pagos de campanhas. “Todo dia jogam umas seis mil matérias políticas no Facebook, [o que resulta em] mais ou menos 20 milhões de compartilhamentos por mês. No último mês foram 30 milhões. O que vai ser regulado de publicidade de campanha é muito pequeno perto disso”, diz Ortellado.

O perigo do zap

Para bagunçar ainda mais esse cenário, uma particularidade da campanha no Brasil cria uma questão que a rapaziada do hemisfério Norte nem teve tempo de problematizar. Aqui a gente vai de zap. Oficialmente, ambas plataformas tem o mesmo número de usuários no país: 120 milhões – mas André Torretta estima que já sejam 160 milhões no WhatsApp. Desde 2014 o aplicativo também virou palco de disputa política com conteúdo criado com o objetivo específico de ser distribuído por ali.

Uma das estratégias – criticada tanto por Torretta quanto por Daniel Braga e proibida pela lei eleitoral – é disparar esse conteúdo para um grande número de telefones sem que estes tenham se disposto a recebê-lo, também com a preocupação de segmentar a mensagem conforme o público. O marqueteiro por trás da CA-Ponte, no entanto, tem uma arma mais eficiente. Ele desenvolveu um aplicativo próprio, alimentado por meio de uma base de contatos de determinado candidato.

“O WhatsApp é irregulável”

Nessa plataforma, o candidato envia o conteúdo para esses contatos e pede que compartilhem com em suas redes sociais – entre elas, o WhatsApp. Daí é torcer para cair no grupo da família, bairro, igreja, futebol, escola e por aí vai. Se o material divulgado não contém inverdades, zero problemas. Mas o que há fazer quando a circulação das fake news migra do Facebook para o zap?

“O WhatsApp é irregulável”, diz Ortellado. “E esses dias eu vi pela primeira vez um site que não tinha botão para compartilhar no Facebook, só WhatsApp”. Ao checar esse e outros sites relacionados, vi uma seção de notícias absurdas e fantasiosas que podem dar o tom de parte das discussões políticas no ano que vem. Quer um exemplo? Pablo Vittar ganha programa infantil na Globo para 2018 com apoio da Lei Rounet. Pois é: se você achou que já tinha visto má fé pelas redes, a coisa deve ficar ainda mais feia a partir do ano que vem.

 

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