Serão pelo menos mais três sessões do plenário do Supremo Tribunal Federal nesta semana para que os 11 ministros tentem chegar, enfim, a um veredicto: afinal, em que momento deve se dar a execução de pena de prisão no Brasil? A novela se arrasta há anos, e virou assunto nacional em 2016, quando o STF mudou a sua jurisprudência a respeito do assunto, passando a entender que a pena de prisão poderia ser cumprida a partir da condenação em segunda instância, por um colegiado, e não precisaria aguardar o trânsito final em julgado – entendimento que vigorava desde 2009.
Desde então, a questão já voltou à pauta inúmeras vezes. Em outubro do mesmo 2016, os ministros reafirmaram o entendimento, por 6 votos a 5, ao julgarem liminares nas mesmas Ações Declaratórias de Constitucionalidade cujo mérito analisam agora. Em novembro daquele ano, reconheceram repercussão geral para a tese da prisão após condenação em segunda instância, num julgamento no plenário virtual.
E em junho do ano passado, ao analisar um habeas corpus do ex-presidente Lula, que havia sido preso em abril, o plenário manteve a validade da nova jurisprudência. Votaram pela execução da pena a partir da condenação em segunda instância Edson Fachin, Luiz Fux, Luís Barroso, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. Pelo trânsito final em julgado Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello (relator das ADCs que estão em julgamento agora), Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Celso de Mello.
Na ocasião, como agora, o voto decisivo foi da ministra Rosa Weber: apesar de, em 2016, ela ter entendido que o cumprimento da pena só deveria se dar depois do trânsito final em julgado, ao analisar o HC de Lula ela opinou que a jurisprudência era muito recente, e que alterá-la provocaria insegurança jurídica.
Como agora se trata de um julgamento de constitucionalidade, ministros que defendem a revogação da permissão geral para a execução da pena a partir da segunda instância acreditam que ela vai retomar seu voto de mérito de três anos atrás. Mas não há como ter garantia disso: Rosa é, entre os 11 ministros do Supremo, aquela que menos costuma antecipar os votos a colegas ou à imprensa.
A forma como ela votou em 2018, no entanto, mostra que a ministra não é impermeável às consequências políticas do assunto. O Supremo está sob pressão. Protestos têm sido realizados na frente do tribunal e uma campanha que veicula bordões como #STFVergonhaNacional se alastra pelas redes sociais, sob os auspícios, inclusive, de grupos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
O ex-comandante do Exército Eduardo Villas Boas fez uma postagem no Twitter novamente aventando o risco de convulsão social a depender da decisão que o STF tomar. Três ministros – o presidente da Corte, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes – estiveram com Jair Bolsonaro na véspera do início do julgamento, e o filho do presidente, Carlos, teve de pedir desculpas por ter feito uma postagem em nome do pai defendendo a prisão após condenação em segunda instância.
Um dos pivôs por trás da volta do assunto à baila, Lula, diz que não está interessado no julgamento e dá a entender que só aceita a anulação de sua condenação, aumentando a já elevada politização de um julgamento que deveria ser técnico.
A discussão de uma saída “alternativa”, que que se aguardasse a análise do recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, que chegou a ser defendida por Toffoli, perdeu força. O que os ministros pró-presunção de inocência dizem agora é que alguma modulação só seria possível para se prever a execução provisória da pena em casos de crimes como homicídio ou estupro.
Serão pelo menos mais três sessões até que todos os ministros votem: quarta-feira de manhã e à tarde e quinta-feira à tarde. Mas alguns ministros acham que a novela pode se estender ainda pela semana seguinte, dada a extensão caudalosa dos votos. O BRPolítico ouviu 4 ministros da Corte e 2 integrantes do governo de quinta-feira a domingo, e todos convergem para a expectativa de que o STF reveja a tese da prisão em segunda instância. Mesmo aqueles que são favoráveis a sua aplicação.
A tentativa dos ministros de mitigar a reação da sociedade estipulando que crimes violentos poderão ser cumpridos antecipadamente apenas deixa mais evidente que a motivação para rever a prisão em segunda instância são os casos de condenados por crimes do colarinho branco.
Só na Lava Jato, 38 condenados podem ser afetados caso o entendimento mude. Nem todos sairiam da prisão de imediato: há alguns que cumprem pena com medidas cautelares, como prisão preventiva. Este é o caso de Eduardo Cunha, por exemplo.
A decisão não seria a primeira a abalar operação deflagrada em 2014. Pelo menos três decisões recentes do STF enfraqueceram os alicerces da Lava Jato: a de que crimes conexos ao de caixa 2 devem ser julgados pela Justiça Eleitoral, e não pela Federal, a anulação de sentenças nas quais réus delatados não tenham se manifestado depois de delatores, apesar de não haver previsão legal expressa para isso, e a liminar concedida por Dias Toffoli anulando compartilhamento de relatórios do Coaf e da Receita Federal sem autorização judicial.