O eleito neste domingo deve entender que terá de se dobrar à Constituição, e não o contrário
Escrevi neste mesmo espaço na semana passada sobre os riscos que Jair Bolsonaro representa, e os que não representa, à democracia. Cotejei seu histórico de declarações autoritárias ou abertamente antidemocráticas com os limites impostos pela Constituição, pelas instituições e pela sociedade civil.
No mesmo dia, no entanto, Bolsonaro deu um show de desrespeito ao dissenso e fez ameaças concretas de retaliação a opositores no discurso que gravou para o ato em apoio à sua candidatura na avenida Paulista.
Hoje, a se confirmarem as pesquisas, o candidato do PSL será eleito presidente da República. Qualquer que seja o porcentual que atinja, os 60% pretendidos por sua campanha ou números menos eloquentes mostrados por algumas pesquisas, terá a missão de governar para todo o País, e não só para os que o reverenciam nas ruas e nas redes sociais. E é preciso que, imediatamente, desça desse palanque no qual tem vivido nas últimas décadas e pare com essa retórica inflamável que não condiz com a responsabilidade do cargo que vai ocupar.
Não partilho da opinião dos que acreditam que, eleito, Bolsonaro vai implantar uma ditadura aos poucos ou aos solavancos no País. Cubro política há 23 anos, morei dez deles em Brasília, converso diariamente com aliados do deputado, com opositores, com ministros do STF, com economistas, com parlamentares. Sei que o tecido institucional vigoroso do Brasil e sua saúde civil impedem aventuras desse tipo. Por isso, digo aos que estão entre temerosos e histéricos: calma.
Além disso, Bolsonaro vai se deparar, caso eleito, com uma quantidade de problemas reais para administrar que o forçará a baixar o tom. Porque precisará do Congresso, do Judiciário e de apoio para além do exército de minions ruidosos para aprovar medidas que não serão populares, caso queira recuperar uma economia deixada em frangalhos por Dilma Rousseff.
Provavelmente Bolsonaro tentará usar as redes sociais para continuar se comunicando diretamente com seus apoiadores, driblando a imprensa e a pintando como inimiga toda vez que problemas de seu governo forem apontados. É o que faz Donald Trump, o modelo que o brasileiro não faz questão de esconder.
Que seja. A imprensa terá de encontrar meios, e saberá fazê-lo, para investigar, revelar, trazer à luz, contrapor, desmistificar, problematizar, analisar, criticar ou elogiar as medidas de sua Presidência sem se deixar calar por essa estratégia. Certamente a experiência americana também serve de ponto de partida.
E a sociedade civil estará atenta. A quantidade de pessoas dispostas a votar em Fernando Haddad – a despeito do legado tenebroso do PT em termos econômicos, éticos e morais – ou é uma mostra de que uma grande parcela da população brasileira considera que o histórico de agressões a minorias, ameaças a opositores, flertes com a ditadura e defesa da tortura de Bolsonaro são limites rígidos, intransponíveis.
Esse público não será uma parcela acanhada da população, facilmente calável com ameaças de perseguição ou até de um impensável banimento, como já fizeram Bolsonaro ou seus circunstantes. Será uma massa de milhões de brasileiros dispostos a repetir todos os dias que não se aceitará um direito a menos, que não se admitirá o uso da violência como política de Estado nem o fantasma dos tanques como mordaça.
A Constituição é a bússola para que o futuro governo seja legitimado, porque qualquer discurso que tente questionar o resultado das urnas é igualmente autoritário e indefensável. E também será o guia para que os cidadãos lembrem diuturnamente ao eleito e aos seus apoiadores que há regras a seguir, um dissenso a respeitar e um limite a determinar até onde se pode ir.