Sobra retórica e faltam prioridades concretas às vésperas da posse
Desconvite a ditadores de Cuba e Venezuela para a posse, bravatas sobre a revisão das demarcações de terras indígenas, bate-boca com Nicolás Maduro, tititi nos bastidores do Itamaraty, gritaria em torno da tal Escola sem Partido, brigas de hooligans em cerimônias de diplomação em vários Estados.
Algumas das querelas que ocuparam futuros ministros, o próximo presidente da República, diplomatas e os novos (sic) congressistas nas últimas semanas parecem refletir a disputa entre alas de direita e de esquerda em algum grêmio estudantil, e não discussões de um grupo que se prepara para subir a rampa do Palácio do Planalto daqui a menos de dez dias.
Enquanto as alas mais ideologizadas do futuro governo promovem uma versão tosca de reality show com direito a lives nas redes sociais, os dois pilares até aqui sólidos da próxima administração montam times igualmente consistentes para as ambiciosas tarefas que terão pela frente. Mas fica a dúvida: terão Paulo Guedes e Sérgio Moro respaldo do restante do governo e, principalmente, de Jair Bolsonaro, para encaminhar sua pauta com foco, articulação política, prioridade e estratégia diante de tanta espuma que seus colegas e os aliados no Legislativo já deram mostra de que são capazes de produzir?
O segundo escalão do Ministério da Economia é primoroso. Eu, que já questionei a falta de experiência anterior de Paulo Guedes no setor público e sua falta de traquejo verbal para a negociação política, neste caso não tenho reparos: trata-se de uma das equipes mais bem compostas da área econômica nos últimos tempos, aproveitando nomes experimentados e montando uma estrutura que parece altamente capaz de enfrentar, ao mesmo tempo, o ajuste fiscal necessário e o desejado e tão adiado destravamento do crescimento.
Mas os temas econômicos estão tendo menos atenção de Bolsonaro e seu entorno da articulação política, nas manifestações públicas que fazem, que o besteirol ideológico.
Tome-se a tal cúpula conservadora realizada em Foz do Iguaçu há algumas semanas. Ali se gastou mais saliva discutindo ideologia de gênero, o fantasma da volta do comunismo e outras quimeras do que a necessidade de um ajuste liberal de fato na economia. Mesmo no painel dedicado ao tema, um economista da equipe de transição lacrou ao ensinar como berrar na cara de um esquerdista, e não ao aproveitar o evento para deixar claro à plateia conservadora que ou se faz a reforma da Previdência ou já era.
No Itamaraty, o clima de caça às bruxas às antigas gerações e a pregação de um trumpismo cristão se sobrepõem à montagem de uma estratégia moderna, inteligente e sem maniqueísmo que permita ao Brasil se posicionar num mundo que não deixará de ser multipolar e cuja complexidade geopolítica vai muito, mas muito além do que as tuitadas recheadas de mistificação do futuro chanceler sugerem.
Bolsonaro foi eleito prometendo banir o viés ideológico de esquerda da máquina federal, depois de 13 anos de domínio petista. Eis um bom propósito: o aparelhamento, visível desde os primórdios de Lula, com a ascensão novo-rica de uma casta sindical às delícias do poder, foi a gênese da roubalheira que se viu ao longo dos anos.
Mas substituir a ideologização de esquerda por outra igualmente atrasada, jeca e talvez até interessada em aparelhar tudo que houver pela frente não é, decididamente, o caminho para um País que o mesmo PT quase levou à falência.
Que os lacradores deixem Guedes e Moro trabalhar e que Bolsonaro perceba que é no sucesso desses dois, e não nos likes da turba direitista hidrófoba, que mora suas chances de sucesso a partir de 1.º de janeiro.
A campanha já acabou faz tempo.