Pouco caso da área política do governo faz reforma da Previdência empacar na reta final
O projeto mais importante para a recuperação da economia do País corre o risco de desandar na reta final de sua tensa, delicada, mas em grande medida bem-sucedida tramitação graças ao pouco caso com a necessária articulação política que o governo Jair Bolsonaro faz questão de exibir com certo orgulho inexplicável desde o seu início.
A reforma da Previdência passou pela sua etapa mais pesada e difícil, a da Câmara, com algum vagar, uma boa dose de vaivém, mas, surpreendentemente, sem grandes protestos por parte da sociedade como um todo.
Excetuando-se a atuação dos lobbies de servidores e de algumas categorias mais organizadas, aconteceu o que nunca se poderia imaginar nas vezes em que outros governos mexeram, de forma menos profunda, nas aposentadorias e pensões: a maioria da população entendeu que era inevitável fazer a reforma.
Graças a isso, à completa falta de articulação da oposição e à colaboração que se criou entre o presidente da Casa, Rodrigo Maia, e a equipe econômica, com Paulo Guedes e Rogério Marinho, a reforma cumpriu sua etapa na Câmara com o Palácio do Planalto ausente das negociações e só entrando de vez em quando para atrapalhar, como Bolsonaro fez na reta final ao tentar arrancar alguns bilhões para favorecer policiais.
Em vez de aproveitar esse embalo que o projeto ganhou na Câmara e aprová-lo rapidamente no Senado, o governo caiu numa armadilha tão logo a proposta atravessou do Salão Verde para o Azul: endossou a ideia de Davi Alcolumbre e outros senadores de condicionar sua aprovação a um tal pacto federativo para salvar Estados da bancarrota, em que entraram projetos que iam da divisão de recursos dos leilões de petróleo ao adiamento da obrigação de se quitar precatórios vencidos.
O que foi festejado como uma maneira republicana de refazer as relações federativas virou, na hora do vamos ver, uma faca no pescoço do governo, tendo a reforma como refém. Numa ação típica de sequestradores que negociam com a família da vítima, os senadores até aprovaram a proposta em primeiro turno, dando uma “prova de vida”, mas com menos R$ 74,6 bilhões, como aquele tufo de cabelo enviado para que os negociadores saibam que não se está de brincadeira e que cumpram o que prometeram ou a coisa pode piorar.
De novo, a articulação política do governo é inexistente. O general Luiz Eduardo Ramos, brincam senadores e deputados, “não é do ramo”, e quem está à frente da conversa, de novo, são Guedes e companhia. A conversa virou uma cacofonia de alianças difíceis de mapear. Superficialmente, pode-se dizer que senadores defendem os interesses dos Estados na partilha de recursos do petróleo, e a Câmara, os dos municípios, mas não é só isso.
Estados produtores e não-produtores travam outra disputa particular, e governadores do Sudeste, Sul e Centro-Oeste comandam uma rebelião pelo fato de os vizinhos do Norte e Nordeste estarem sendo contemplados pelo pacto, sendo que os senadores desses Estados não cumpriram com a sua parte de votar a favor da Previdência. Guedes tenta selar um acordo tendo Maia e Alcolumbre como fiadores, para se contrapor às tentativas de sangrar ainda mais o Tesouro com benesses.
E onde está Bolsonaro enquanto o projeto mais importante dos seus quatro anos de mandato padece em cativeiro? Tirando selfies com turistas se lamentando da necessidade de realizar a reforma, acredite quem quiser. Diz o ditado que muito ajuda quem não atrapalha. Quando ele se aplica ao presidente da República e ao entorno do palácio, é mais fácil entender como se deixou que a reforma essencial caísse nessa cilada armada pela velha política. É porque a nova é uma piada de salão.