Ministro chega ao cúmulo de fazer pouco do galope dos preços e do impacto que isso terá na vida dos brasileiros
Vera Magalhães / O Globo
Para o ministro Paulo Guedes, a conta de luz vai aumentar mais, e não adianta nada ficar sentado chorando. Em tempos de inflação descontrolada, mortes aos borbotões e ataques sistemáticos à democracia e ao bom senso, chorar é uma das poucas coisas de graça à disposição do brasileiro.
O resto todo ofertado pelo governo que Guedes insiste em servir tem cobrado um alto preço moral, mental, político e econômico.
É altamente oneroso ter de aguentar uma frase fora de esquadro do ministro da Economia cada vez que a vida real evidencia o descompasso entre o que foi prometido por ele desde 2018 e o que vemos todos os dias no Brasil.
A crise hídrica de agora, que ameaça descambar para crise grave de fornecimento de energia e, consequentemente, para mais um entrave numa já não cumprida retomada econômica, não é uma inevitabilidade contra a qual não adianta chorar, como quer fazer crer o ministro.
Pode ser que, para alguém como ele, o aumento na conta de luz devido ao reajuste da bandeira tarifária não tenha nada demais. “Qual o problema?”, questiona — e o mais grave é que ele parece de fato não entender qual é!
Assim como não vê a escalada autoritária do presidente a que responde nem admite que está sendo empurrado pelo Centrão para a beirinha do precipício fiscal, o ministro agora chega ao cúmulo de fazer pouco do galope dos preços, administrados ou não, e do impacto que isso tem para levar muitos brasileiros (eleitores, ministros) de fato às lágrimas.
O aumento da conta de luz pode significar a diferença entre a pessoa ter dinheiro para pagar o boleto ou não. Assim como a escalada dos combustíveis está deixando em casa o desempregado que já tinha migrado para os serviços de aplicativo de transporte para ter uma renda. Muitas vezes o que esse “engenheiro, advogado que está dirigindo Uber”, categoria que já mereceu o desprezo de Milton Ribeiro, outro colega de Guedes desconectado da realidade da pasta que dirige, tira com uma corrida não compensa o que despende para encher o tanque. Mas qual o problema, não é mesmo? Vai ficar chorando em casa?
Enquanto Guedes e também Bolsonaro dão de ombros para a economia real — o primeiro porque vem sendo acossado pelo segundo para dar um jeito de parir a fórceps um programa de renda que salve seu couro nas urnas, e o segundo porque está todo dia tramando um golpe contra a democracia — , a crise hídrica galopou sem que houvesse um plano consistente de enfrentamento. O governo deixou de fazer seu trabalho, e o brasileiro que chore. E lute.
Na crise energética de 2001, igualmente um ano pré-eleitoral, Fernando Henrique Cardoso enfrentou um desgaste político enorme com o risco de apagão, mas entregou um racionamento para consumidores privados e públicos, empresariais e domésticos. Quem não economizasse pagava mais.
Foi criado um superministério para comandar o racionamento, comandado por Pedro Parente. O resultado foi que o apagão não veio.
Ganha um voto impresso emoldurado quem se lembrar de uma reunião que o fanfarrão Bolsonaro tenha organizado entre as várias pastas ligadas ao problema para equacionar a crise hídrico-energética e oferecer um plano que evite o colapso. Ele está muito ocupado redigindo pedidos de impeachment de ministros do Supremo em primeira pessoa e conclamando a população para um ato no Sete de Setembro, cujo objetivo sub-reptício é provocar a depredação ou invasão das sedes dos demais Poderes e fornecer uma desculpa esfarrapada para um autogolpe com base na deturpação do artigo 142 da Constituição. Prioridades, pessoal. Qual o problema de a energia ficar um pouco mais cara enquanto quem foi eleito para governar se ocupa com balbúrdia? Chorões, vocês, hein?
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/choro-ainda-e-gratis-guedes.html