Vera Magalhães: Bolsonaro e Ciro

Retórica e ênfase na autoridade aproximam candidatos mais do que eles gostariam de admitir
Foto: Reprodução/Google
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Retórica e ênfase na autoridade aproximam candidatos mais do que eles gostariam de admitir

Ciro Gomes adora apontar autoritarismo e vazio de ideias em Jair Bolsonaro – que, por sua vez, execra o pedetista por ser de esquerda e próximo ao PT. Mas a noção que ambos têm de autoridade e os caminhos de governabilidade que apontam caso sejam eleitos não são diferentes. Isso sem falar no pavio curto.

Ambos acreditam, e dizem, que são os únicos capazes de tirar o País da gravíssima crise em que se encontra. Ainda que identifiquem culpados e remédios diferentes, o instrumento que apontam para resolver o nó é o mesmo: restauração da autoridade. Negociação com o Congresso? Vai se dar nos termos que Ciro e Bolsonaro quiserem. Afinal, serão eleitos para colocar ordem na casa. Quem ousaria se opor? Partidos? Nenhum dos dois vai negociar nos termos do presidencialismo de coalizão de hoje.

Então como se dará isso? A resposta em entrevistas e sabatinas é sempre vaga, amparada em bravatas e lastreada por essa ideia torta de “quem manda” que Dilma Rousseff também tinha, até ser debulhada por Eduardo Cunha e seu Centrão. Ciro fala em fazer reformas constitucionais por meio de plebiscito ou referendo. Questionado sobre a proposta de revogar a reforma trabalhista, e vaiado por uma parcela da plateia na sabatina da CNI por conta disso, tasca: “É assim que vai ser. Ponto final”.

Bolsonaro diz ter o apoio de 100 deputados catados no varejo e cujas faces ainda são um mistério. Isso não é suficiente para se mudar nem nome de rua, mas o pré-candidato segue pregando sua cantilena moralista e belicosa, escondendo o jogo na economia e deixando para lá a questão do respaldo no Congresso. Que é fulcral. Mais: enquanto em praça pública ambos bravateiam o “eu faço e aconteço”, nos bastidores negociam segundo os velhos preceitos com partidos como PR, no caso de Bolsonaro, e PP e DEM, no de Ciro.

Como Bolsonaro, que deve parte de seu sucesso ao discurso contra a corrupção, vai explicar a presença do partido de Valdemar Costa Neto em seu palanque? Só tirá-lo da foto não vai colar.

E Ciro, que vocifera contra o impeachment e o “golpe”, como explicará, caso sele a aliança que costura, a presença de dois partidos que estiveram na gênese da deposição de Dilma e ascensão de Temer?

A lógica que permite conciliar um discurso duro para fora e negociações ao pé de ouvido nos bastidores é a mesma para ambos. E é da velha política. E a relação com o Supremo, como será? Na mesma semana, Ciro e Bolsonaro usaram a mesma frase para se referir a isso. “Cada um no seu quadrado”, disse o pré-candidato do PDT na quarta. Foi a mesmíssima frase que o postulante do PSL repetiu na sexta-feira, ao tentar explicar sua polêmica proposta de dobrar o tamanho da Corte no curso de um só mandato. Como se não houvesse separação entre os Poderes e coubesse ao Executivo delimitar quadrados que a própria Constituição faz com que sejam comunicantes.

Por fim, se chega à economia. Aqui, as diferenças programáticas e de tom são patentes, é verdade. Diante da evidência de que de fato não manja patavinas do assunto, Bolsonaro afeta uma inédita humildade para dizer que delegará tudo a Paulo Guedes. Como se sua história parlamentar e sua viseira ideológica (que o faz desdenhar da China como parceiro, por exemplo) não mostrassem com clareza que essa carta branca será revogada tão logo ele se sente na cadeira.

Ciro, ao contrário, propaga que tudo sabe sobre economia. E acena com expropriação de áreas de petróleo, controle de câmbio e de juros e indução do crescimento por meio de crédito público. De novo, nos dois casos, a receita não é boa. Seja porque o postulante não sabe o que diz, no caso de Bolsonaro, seja porque o que diz já deu errado num passado bem recente, no de Ciro.

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