Somando a gravidade da pedalada com as vidas e o fato de que as ruas começam a encher, Bolsonaro viu a cara do impeachment
Jair Bolsonaro conduziu uma reunião do conselho de ministros nesta terça-feira no Palácio da Alvorada em que quase parecia um estadista. Comedido, falou sobre as declarações da véspera da especialista da Organização Mundial da Saúde (OMS) que minimizou os riscos de contágio da covid-19 por pessoas assintomáticas. Não tripudiou, não comemorou, não desancou a OMS. Não falou palavrões.
No domingo anterior, não fez sua tradicional aparição cercado de apoiadores na rampa do Palácio do Planalto.
Depois de esticar a corda ao máximo, ao determinar que o Ministério da Saúde revisasse e escamoteasse os dados de contágio e óbitos da pandemia, recuou diante de mais uma invertida do Supremo Tribunal Federal (STF), numa semana plena de potenciais encrencas para o governo no Judiciário.
Todos esses recuos são do conhecido comportamento ciclotímico de Bolsonaro, mas agora foram ditados por avisos muito claros que auxiliares fizeram ao presidente: o apagão de dados da covid-19 era o que de mais cristalino em termos de crime de responsabilidade o “capitão” cometeu até aqui, e não passaria incólume só com notas de repúdio.
Tanto que a reação da sociedade, da imprensa, dos Poderes, do Ministério Público, do Tribunal de Contas, da CNBB, do papa, da OMS, da universidade John Hopkins não deixou margem para dúvida.
Somando a gravidade da pedalada com as vidas e o fato de que as ruas começam a encher, Bolsonaro viu a cara do impeachment, e, pela primeira vez, ela estava viva.
ARMAS
Ideia de zerar alíquota é novo
Se o discurso de Bolsonaro está no modo de contenção desde segunda-feira, as ações do presidente continuam mostrando a propensão de ampliar a influência política do bolsonarismo sobre as Forças Armadas e as polícias. Diante de tanta coisa que o presidente fala, passou quase batida sua declaração de que vai zerar a alíquota de importação de armas para “ajudar o pessoal do artigo 142 e 144 da Constituição”. Mais uma vez Bolsonaro investe na leitura golpista dos dois artigos para associá-los à possibilidade de usar os militares e as polícias como forças de “defesa” de um governo ameaçado por riscos reais ou imaginários.
PT EM TRANSE
Novos líderes já não escondem incômodo com ‘lulocentrismo’
As recentes bolas foras de Lula na tentativa de mostrar que é uma liderança de peso na pior crise política, econômica, de saúde e social que o Brasil enfrenta em anos já levam boa parte da nova geração não só de líderes petistas, mas de toda a esquerda, a demonstrar em público o incômodo com a forma autocentrada com que o condenado na Lava Jato conduz a sigla. No Roda Viva na segunda-feira, o governador do Ceará, Camilo Santana, fez algo que seria sacrilégio no partido até outro dia: disse com todas as letras que Lula está “equivocado” ao negar fazer parte de uma frente ampla pela democracia, e disse que o PT tem de fazer aliança em Fortaleza sem estar na cabeça da chapa, outra heresia. Não demorou a que Gleisi Hoffmann lançasse a candidatura de Lula em 2022, para mostrar que o establishment petista segue alheio à irrelevância da sigla também na oposição a Bolsonaro, depois de ser apeada do poder com Dilma Rousseff.