Esquerda se perde entre pulverização de candidaturas e tribunal de 2016 e 2018
O panorama das disputas municipais mostra uma constante de Norte a Sul do País: depois de 2018, a esquerda segue dividida, com o PT insistindo em transformar a sua estratégia eleitoral de agora e de daqui a dois anos num tribunal sobre as culpas pelo impeachment de Dilma Rousseff e a posterior eleição de Jair Bolsonaro – partindo da premissa, é claro, que nem uma coisa nem outra são sua própria responsabilidade.
Por conta dessa divisão, cidades como Fortaleza e Recife assistem a uma autofagia do chamado campo progressista, abrindo espaço para o crescimento, ao menos temporário, como mostram as pesquisas, de nomes de centro-direita e direita.
Outras, como São Paulo e Rio de Janeiro, assistem à possibilidade de a esquerda simplesmente ficar de fora da disputa final por conta dessa dificuldade de unir propósitos e agendas.
O candidato petista em São Paulo, Jilmar Tatto, começa a sair do pelotão dos últimos colocados justamente quando se iniciava um movimento interno para que desistisse da candidatura para apoiar Guilherme Boulos, do PSOL.
Era evidente que um candidato petista em São Paulo não amargaria índices tão baixos quando se tornasse conhecido. Mas a questão é outra: qual o teto para o partido na cidade depois de ter perdido no primeiro turno quando governava a capital e, dois anos depois, Fernando Haddad também ter sido derrotado em terras paulistanas?
Isso deveria ter levado o PT a uma reflexão profunda de seu próprio legado nacional e local, e a propor uma candidatura que pudesse ser uma resposta a essas derrotas, e não uma reafirmação de tudo que levou a elas, como a de Tatto.
Usar o pleito de 2020, em plena pandemia, com Jair Bolsonaro tendo cruzado todos os limites dos arreganhos autoritários, para repisar as teses de que Dilma sofreu um golpe e Lula foi tirado do pleito de forma ilegítima, como fazem nomes como a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann, todo santo dia, é mostrar que não se entendeu nada do cenário de 2013 para cá e se quer dar mais uma chance para Bolsonaro.
O presidente, marotamente, mandou Paulo Guedes submergir até depois da eleição. Não quer ouvir falar em nova CPMF até lá, porque pensa em “varrer o PT do mapa”, sobretudo no Nordeste.
A resposta da esquerda: brigar entre si em Estados e capitais que hoje governa e ignorar a pandemia e a responsabilidade de Bolsonaro sobre ela. O que importa é uma disputa particular para ver se será o lulismo ou o cirismo a largar na frente para 2022, ainda que à custa de redução do espaço nacional da esquerda como um todo.
Fica evidente que um campo político está desnorteado quando se vê, por exemplo, que o fim de semana é tomado por dois “atos”: de um lado, os movimentos negros “cancelando” Fernando Haddad por conta de uma piada sem graça com suposta conotação racista – a despeito do que o petista efetivamente tenha feito como ministro, prefeito ou acadêmico em relação ao combate ao racismo.
De outro, uma campanha virtual de militantes petistas para banir do Twitter o jornalista Samuel Pancher – que nos últimos meses tem feito um trabalho muito acurado de expor as mazelas bolsonaristas por meio de vídeos mostrando o presidente em todo o seu esplendor atentatório à democracia – só porque ele “ousou” opinar que há traços antidemocráticos também no PT.
Com tal grau de interdição do espaço de dissenso e tamanha incapacidade de discutir a sério o longo e tortuoso caminho que nos trouxe até aqui, o campo que vai do centro (que incorre nos mesmos erros e tem ainda menos relevância) à esquerda vai ficar correndo atrás do próprio rabo e esperando por anos até voltar a ter aderência no conjunto da sociedade, para além das bolhas.