Agentes públicos esticam a corda de sua atuação, num vale-tudo institucional
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, vê em curso uma marcha para assassinar reputações e enfraquecer as instituições, tendo as redes sociais como veículo e fruto de uma orquestração que acredita ter bases inclusive internacionais. Propõe um pacto entre Poderes para se contrapor a isso e diz que combaterá essa rede a qualquer preço. O diagnóstico do fenômeno, salvo um evidente exagero, pode estar correto. O problema começa quando se analisa até onde ele e outros estão dispostos a esticar a corda para fazer prevalecer seus interesses e suas opiniões “a qualquer custo” no Brasil, neste momento. O custo, no caso, muitas vezes são a lei e as próprias instituições.
Vejamos o caso do próprio STF. Para se contrapor a uma campanha contra a Corte, Toffoli lançou mão de um instrumento mais do que controverso. Anunciou a abertura de um inquérito criminal, sem provocação nem objeto definido, para, de forma genérica e perigosamente abrangente, investigar ameaças, calúnias, difamações e sabe-se lá mais o que contra ministros e familiares.
Trata-se de um balaio no qual cabem desde os ataques virtuais até procuradores da República que tecem críticas aos ministros e auditores da Receita Federal. Senadores que propõem a CPI da Lava Toga estarão enquadrados? Jornalistas que criticarem ministros entrarão no rol dos investigados? Quem xingar ministro no avião entra na roda? Não se sabe. Justamente porque, sob o manto do sigilo, não se tem acesso ao escopo do tal inquérito.
Trata-se de uma arma desigual nas mãos de pessoas especialíssimas, que passam a ter a prerrogativa – única no País, da qual não podem se valer nem presidentes da República, vide os inquéritos que Michel Temer enfrentou no exercício da Presidência – de frear qualquer um que ouse questioná-las. Não há amparo constitucional para isso.
Os procuradores protestam, mas também estão no time dos que tentam dar aquela esticadinha nas suas prerrogativas, no vale-tudo institucional tão em voga. A história da super fundação urdida pela força-tarefa de Curitiba para administrar os R$ 2,5 bilhões fruto de um acordo com a Justiça americana, para que parte da multa devida pela Petrobrás fique no Brasil, é um claro exemplo de que o sucesso da Lava Jato envolveu os seus protagonistas numa aura mística de invencibilidade que os faz se sentirem acima da lei e até dos Poderes. Exorbita aqui, vira algo de arbítrio ali.
Quem perde, na ida e na volta, é a sociedade, refém de uma disputa por poder que inclui lances grotescos como o ataque apoplético proferido pelo ministro Gilmar Mendes aos procuradores do plenário do Supremo, sem ser admoestado pelo presidente da Corte, tão cioso das instituições quando é para blindar o tribunal, mas pouco vocal para segurar os arreganhos autoritários de seus pares.
E qual a saída? Para o Legislativo, parece ser uma CPI para chantagear os juízes e ministros do STF. Sendo que boa parte dos investigados e processados nas várias instâncias judiciais estão justamente no Parlamento. Mais uma vez o sentido da proposta nada tem a ver com preocupação de modulação entre os Poderes e contenção de cada um aos preceitos que a Constituição estabelece para sua atuação. Trata-se de vingança e revanchismo dos mais baratos, combinados com uma vontade insana de aparecer.
Pobre País, que assiste atônito a ataques diários às instituições, que começam num presidente que usa o Twitter para propagar fake news e atacar a imprensa e terminam nesse show de horrores pelo resto da Praça dos Três Poderes. A ideia de resolver as coisas “a todo custo”, como bravateou Toffoli, nada tem a ver com pacto pelo País. Trata-se, isso sim, de um investimento no caos.