O chefe da Secretaria de Governo defende a tese de que não há motivos para pensar em um impeachment de Bolsonaro e anuncia sua passagem para a reserva
Por Thiago Bronzatto, Revista Veja
Ninguém percebeu, mas havia um ministro da equipe de Jair Bolsonaro infiltrado na manifestação contra o governo no último domingo em Brasília. E não era qualquer ministro. Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo, é quem controla as indicações para os cargos mais importantes, o responsável pela articulação política, o fiador da aliança com o notório Centrão e, por ser general da ativa, também desperta algumas teorias conspiratórias que serviram de mote para os protestos do fim de semana. De gorro, máscara e óculos escuros, Ramos ouviu bem de perto os gritos contra o presidente, assistiu às performances de combate ao racismo e diz ter se assustado com as faixas que traziam acusações de fascismo contra o governo. No mês passado, o general acompanhou Bolsonaro em um ato em frente ao Palácio do Planalto, onde apoiadores atacaram o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. A participação dele foi alvo de críticas e causou um tremendo mal-estar entre militares de alta patente. O ministro, por causa disso, anunciou que vai se aposentar das Forças Armadas. Em entrevista a VEJA, Ramos classifica as manifestações como legítimas, critica os ataques que são feitos ao presidente e confessa que a coisa que mais o deixa irritado é quando lhe perguntam sobre a possibilidade de golpe militar no Brasil.
Qual a possibilidade de um golpe militar no Brasil?
Fui instrutor da academia por vários anos e vi várias turmas se formar lá, que me conhecem e eu os conheço até hoje. Esses ex-cadetes atualmente estão comandando unidades no Exército. Ou seja, eles têm tropas nas mãos. Para eles, é ultrajante e ofensivo dizer que as Forças Armadas, em particular o Exército, vão dar golpe, que as Forças Armadas vão quebrar o regime democrático. O próprio presidente nunca pregou o golpe. Agora o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda.
O senhor se refere a exatamente o quê?
O Hitler exterminou 6 milhões de judeus. Fora as outras desgraças. Comparar o presidente a Hitler é passar do ponto, e muito. Não contribui com nada para serenar os ânimos. Também não é plausível achar que um julgamento casuístico pode tirar um presidente que foi eleito com 57 milhões de votos.
O que seria um julgamento casuístico?
Um julgamento do Tribunal Superior Eleitoral que não seja justo. Dizem que havia muitas provas na chapa de Dilma e Temer. Mesmo assim, os ministros consideraram que a chapa era legítima. Não estou questionando a decisão do TSE. Mas, querendo ou não, ela tem viés político.
E se essa impugnação vier a acontecer?
Sinceramente, não vou considerar essa hipótese. Acho que não vai acontecer, porque não é pertinente para o momento que estamos vivendo. O Rodrigo Maia (presidente da Câmara) já disse que não tem nenhuma ideia de pôr para votar os pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Se o Congresso, que historicamente já fez dois impeachments, da Dilma e do Collor, não cogita essa possibilidade, é o TSE que vai julgar a chapa irregular? Não é uma hipótese plausível.
“É ultrajante e ofensivo dizer que as Forças Armadas, em particular o Exército, vão dar golpe, que as Forças Armadas vão quebrar o regime democrático. O próprio presidente nunca pregou o golpe”
As manifestações contra o governo Bolsonaro preocupam o Palácio do Planalto?
Não. A rua não tem dono. Também há manifestações em favor do Bolsonaro. Só há uma coisa que me incomoda e me desperta atenção. Um movimento democrático usando roupa preta. Isso me lembra muito autoritarismo e black blocs. Quando falo em democracia, a primeira coisa que me vem à mente é usar as cores da minha bandeira, verde e amarelo. No domingo, fiquei disfarçado no gramado em frente ao Congresso observando o pessoal. Eles não usavam vermelho para não pegar mal. Mas me pareceu que eram petistas.
O senhor também participou, ao lado do presidente, de uma manifestação que atacava as instituições.
Eu estava quietinho lá atrás, também apenas obser¬vando. Aí o presidente perguntou: “Cadê o Ramos?”. Fui muito criticado no dia seguinte, inclusive pelos meus companheiros de farda. Não me sinto bem. Não tenho direito de estar aqui como ministro e haver qualquer leitura equivocada de que estou aqui como Exército ou como general. Por isso, já conversei com o ministro da Defesa e com o comandante do Exército. Devo pedir para ir para a reserva. Estou tomando essa decisão porque acredito que o governo deu certo e vai dar certo. O meu coração e o sentimento querem que eu esteja aqui com o presidente.
Como o senhor avalia o conflito entre o governo e o Supremo Tribunal Federal?
Quando me perguntam o que achei da decisão do ministro Celso de Mello, que me mandou depor debaixo de vara, digo que a respeito, porque decisão judicial não se discute, se cumpre. Mas me incomodou, porque acho que foi desnecessário. Não precisava. Da mesma forma ocorreu com o pedido de apreensão do aparelho celular do presidente da República. Isso gerou um calor desnecessário entre as instituições. Além disso, vazou a mensagem de WhatsApp em que o ministro do Supremo comparou o presidente Bolsonaro ao Hitler e os seus seguidores a nazistas. Isso contribui para o clima de diálogo e para buscar uma harmonia entre os poderes? Acredito que não. Aí, o presidente sobe no cavalo e todo mundo critica. São sinais trocados. É preciso superar esse ambiente de histeria.
Há alguns meses, a relação entre o governo e o Congresso também estava estremecida. Esse conflito já foi superado?
Quando assumi a articulação política, há quase um ano, eu disse que queria construir uma ponte. Hoje posso dizer que estamos em um processo para inaugurar a ponte. Até abril, eu nunca tinha conseguido reunir todos os líderes de partidos no Palácio do Planalto. Eles se encontravam na casa do Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Agora mudou.
O senhor se refere às negociações de cargos para o Centrão antes tão criticadas pelo então candidato Bolsonaro?
A divisão dos espaços democráticos é justa, republicana e transparente. Todo cargo do governo federal serve para implantar políticas públicas. Por isso, precisamos preenchê-los com pessoas que estejam alinhadas com o governo, que tenham projetos convergentes. Havia muitas distorções que foram corrigidas. Descobrimos, por exemplo, que um cargo importante no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) estava nas mãos de um indicado do PT. Ele direcionava todos os recursos para os municípios petistas. Está errado? Não. Quando detectamos isso, fizemos a substituição. Há mais de 11 000 cargos que têm uma indicação política em sua origem.
Como o senhor mapeou esses cargos?
Tive de examinar o Diário Oficial da União e fiz alguns testes. Às vezes, mandava exonerar um funcionário que ocupava um cargo de comissão apenas para descobrir quem o havia indicado. No máximo em 48 horas o parlamentar me ligava: “Ministro, aqui é o senador ou deputado fulano. O que houve? Põe de volta…”. Aí, eu sabia que o cargo era do fulano.
Na prática, como funciona o processo de indicação política?
Temos um quadro de quem vota e de quem não vota com o governo. É o que eu digo: quer fazer parte do governo? Tem de fazer parte do governo de fato. Hoje eu tenho esse controle. Sei exatamente o nível de fidelidade dos parlamentares. Ou você é governo ou não é. Antes, um parlamentar vinha aqui sozinho e pleiteava um cargo. Eu via que ele votava com a gente e o atendia. Mas quantos votos ganhava? Apenas um. Agora, a negociação é com os partidos. A fidelidade é uma responsabilidade dos partidos. O senador Ciro Nogueira, presidente do PP, tem sessenta votos. Por isso, ele tem espaço no governo com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Ele assumiu o compromisso de ser governo. Exijo um nível de fidelidade de ao menos 80%.
No caso do FNDE, o ministro Abraham Weintraub discordou da indicação política do PP…
O ministro tem a palavra final. Pode aceitar ou não a indicação. Conversamos com o Weintraub, eu e o ministro Braga Netto (Casa Civil), e ele entendeu. Esse era um caso de elevado grau de importância política. É uma indicação de um presidente de um partido aliado. Em que pese o posicionamento do ministro, nesse caso, o item político pesou mais.
“Se o Congresso, que historicamente já fez dois impeachments, da Dilma e do Collor, não cogita essa possibilidade, é o TSE que vai julgar a chapa irregular? Não é uma hipótese plausível”
Mas isso não é o mesmo fisiologismo que serve de entrada para a corrupção que vocês sempre criticaram em governos passados?
Um detalhe importante: o parlamentar pode ter a presidência ou a diretoria de um determinado órgão, mas quem cuida dos recursos públicos é gente nossa. Na maioria desses órgãos, os cargos de diretor jurídico e diretor financeiro ficaram com o governo. Essa é a nova maneira de a gente trabalhar. O problema não é o político ocupar cargo público. O problema é o político ocupar cargo público para saquear como acontecia antes. Isso acabou.
Tem sido desafiador costurar ações conjuntas no combate à pandemia com governadores que não estão alinhados com o governo federal?
Esse trabalho também tem ido muito bem. Temos problemas basicamente em dois estados, São Paulo e Rio de Janeiro. O presidente nunca teve maiores embates com a Fátima Bezerra, do PT, ou com o Flávio Dino, do PCdoB. A leitura do presidente é que os governos de São Paulo e do Rio de Janeiro politizaram uma questão sanitária. O Doria disse que o Brasil enfrenta o “bolsonarovírus”. O presidente é ser humano. Ele contra-ataca.
Qual o cenário que o senhor traça para o país daqui a um mês?
Tenho esperança de que as coisas vão se acertar. A Covid-19 está passando. Isso é perceptível na Itália e na França. Isso vai acontecer com o Brasil. Essa OMS… É inegável que a OMS foi usada politicamente.
Há um risco de uma convulsão social?
Há uma preocupação com os efeitos do isolamento. O funcionário público está em casa e no dia 30 de cada mês o seu salário cai na conta. Mas e quem vendia pipoca na frente do colégio? Tenho um genro empresário que está desesperado porque investiu dinheiro em uma academia antes da crise. Com a pandemia, o governo mapeou 38 milhões de profissionais informais invisíveis. Foi um grande feito. Havia o risco de uma convulsão social com o desespero das pessoas de não ter o que comer. Mas o governo mitigou isso com a liberação do auxílio emergencial. Vamos passar por essa.
Publicado em VEJA de 17 de junho de 2020, edição nº 2691