Na sexta edição da revista Política Democrática online, José Carlos Monteiro publica um ensaio exclusivo sobre Trotsky da Netflix. Confira trechos, a seguir:
Cleomar Almeida
A quem interessava a grotesca “desconstrução” de Leon Trotsky (1879-1940) e da revolução soviética promovida na minissérie Trotsky (em russo: Троцкий) pelo Pevry Kanal russo e encampada pela plataforma norte-americana de streaming Netflix? A julgar pela repercussão dos oito episódios da minissérie, tanto no âmbito interno como no exterior, a produção parece ter atingido seus objetivos: admiradores do líder revolucionário a detestaram, ao passo que anticomunistas brasileiros e americanos (e moderadamente europeus) vibraram.
Ainda (ou cada vez mais), percebe-se a existência de um sentimento antissocialista. Basta ler as manifestações nas redes sociais e em certa mídia ocidental. O seriado surge, assim, num contexto de populismos direitistas e ferozmente antagônicos à Rússia ou ao que ela representa em termos de continuidade ou evocação do passado. Mas a Rússia se esquiva de qualquer associação com a ideologia do passado.
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A operação Trotsky teve como pretexto o centenário da Revolução de 1917, cuja comemoração o governo de Vladimir Putin ignorou. Afinal, astuciosamente, o putinismo quer distância de comunismo e de imagens e valores de seus “pais fundadores”, empenhado como está em forjar sua “ideologia do futuro”. Onde se inscreve precisamente esta megaprodução televisiva, elaborada nos moldes das mais facciosas biopics hollywoodianas?
Uma oportuna reflexão de Vladimir Surkov, conselheiro de Putin, nos sugere que a perspectiva dos realizadores consistia em que a linguagem da minissérie deveria ser “aceitável para público suficientemente amplo, porque o sistema político que opera na Rússia é feito não só para atender futuras necessidades domésticas, mas também para garantir significativo potencial como artigo de exportação”.
Daí a empolgação da Netflix ao ver Trotsky em lançamento mundial no Mipcom, mercado internacional de conteúdos audiovisuais, que acontece em Cannes. “É a primeira série dedicada a Trotsky na história da Rússia”, alardeou Konstantin Ernst, diretor do Pevry Kanal, do qual a rede americana comprou a minissérie na suposição de que ela tinha os ingredientes postulados por Ernst: “Trotsky se parecia com um herói do rock and roll: fuga da prisão, revolução, amor, exílio e morte.” Uma equação, sem dúvida, de inspiração hollywoodiana.
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