Relatório do Seminário “Desenvolvimento sustentável e inclusão social” – Brasília (10/03/2018)

Não se pode debater “desenvolvimento sustentável” e tampouco “inclusão social”, com a profundidade que o tema requer, dissociados da discussão do modelo econômico do país, tendo em conta que é na reprodução da vida material que os impactos socioambientais são gerados, mas é também na esfera econômica que os impostos que financiam as políticas públicas, inclusivas ou não, são arrecadados.
Foto: Germano Martiniano
Foto: Germano Martiniano

Seminário  “Desenvolvimento sustentável e inclusão social” – Brasília (10/03/20018)

Relatório: professora Maria Amélia Enríquez 

Não se pode debater “desenvolvimento sustentável” e tampouco “inclusão social”, com a profundidade que o tema requer, dissociados da discussão do modelo econômico do país, tendo em conta que é na reprodução da vida material que os impactos socioambientais são gerados, mas é também na esfera econômica que os impostos que financiam as políticas públicas, inclusivas ou não, são arrecadados.

Dessa forma, não é exagero afirmar que o modelo econômico adotado pelo Brasil, que é resultante das escolhas políticas feitas ao longo do tempo, é um dos principais obstáculos para a busca por um futuro com mais prosperidade, mais justiça social e sustentabilidade para todos. Tal modelo está assentado no tripé: 1) sistema financeiro distorcido; 2) sistema produtivo focado em commodities; e 3) sistema de inovação nacional frágil. Esse tripé tem feito do país um dos campeões de concentração de renda, de exclusão social e de desigualdades regionais.

Para o ano de 2017, o lucro do setor financeiro registrará um crescimento de 20%, em relação a 2016, o equivalente a R$ 70 bilhões. Nesse período, o crescimento do PIB será, no máximo, de 1%. O próprio setor financeiro reconhece que “não adianta ser uma empresa rica, num país pobre”[1]. Os altos juros historicamente praticados pelo sistema financeiro nacional desestimulam investimentos produtivos, afetam negativamente as expectativas dos investidores produtivos e, por conseguinte, inibem a criação de novos empregos e de renda; mas um dos principais facilitadores desses altos juros é o próprio governo, por causa do déficit público, cuja escalada é crescente.

Dessa forma, a nova política deve ter em conta que é necessário:

» Assumir o compromisso com uma gestão cuidadosa do dinheiro público. Deve-se recordar que juro é o preço do dinheiro, e cada vez que o governo demanda esse bem no sistema financeiro ele joga este preço lá para cima – não há mágica que possa mudar isso, a não ser a responsabilidade fiscal. Então é urgente uma clara definição de quais as prioridades sociais devem ser atendidas, já que o cobertor é curto e as necessidades são imensas. A história mostra que a sociedade aceita sofrer algum tipo de privação no presente, para assegurar uma vida mais justa e sustentável no futuro, mas é indispensável um diálogo muito claro sobre as perdas e ganhos.

» Resgatar o papel dos bancos de agente de financiamento da produção, a fim de que o dinheiro que entra no circuito não sirva apenas para alimentar o próprio sistema, mas sim retorne a sociedade por meio de crédito e a taxas decentes.

A alta dependência das exportações de commodities, de baixo valor agregado, alto custo socioambiental e baixo retorno tributário, conduziu o país à armadilha dos saldos comerciais superavitários, bem difícil e complexa de se destravar. Embora as exportações representem 13% do PIB nacional (dados de 2016)[2], as divisas que geram são indispensáveis para manutenção da estabilidade cambial e consequente equilíbrio macroeconômico, mas também o atual modelo exportador de commodities, é um forte limitante da capacidade de inovação do país, que é o esteio da verdadeira sustentabilidade do desenvolvimento.


Em 2017, o país exportou 218 bilhões de dólares, dos quais 61% compostos por produtos básicos e semielaborados, com predomínio das commodities agrícolas e minerais (MDIC[3]), foram aproximadamente 100 milhões de toneladas de grãos, 400 milhões de toneladas de minérios[4], além de 400 mil cabeças de boi vivo[5], entre outros, gerando renda e emprego de qualidade em outros países e, o mais grave, sem a contrapartida da geração de impostos, uma vez que estão isentos do ICMS, de PIS/COFINS e, ainda podem ter redução de até 75% de imposto de renda, caso a produção ocorrer nas áreas da SUDAM, SUDENE e SUDECO[6]. Há uma estimativa do Tribunal de Contas da União (TCU) de que apenas as perdas decorrentes da Lei Kandir, que desonerou do recolhimento de ICMS os produtos básicos e semi-elaborados, entre 1996 e 2016[7], estão estimadas em R$ 707 bilhões, reforçando o rombo das contas públicas, principalmente dos estados exportadores. Assim, se por um lado é imperativo gerar divisas ao país, por outro, deve-se questionar qual o retorno socioambiental das atividades que estão gerando tais divisas?

O avanço das monoculturas, pela rápida expansão da fronteira agrícola, tem deixado um rastro de dano ecológico, pelo uso desenfreado de pesticidas, fungicidas e agrotóxicos em geral, afetando qualidade da água e a biodiversidade, além de gerar danos sociais, não apenas na fase da produção, mas em toda cadeia logística para o escoamento da produção. Práticas inadequadas do manejo do solo são responsáveis pelo avanço de grandes áreas desertificadas[8], principalmente na região Nordeste do Brasil, além do comprometimento dos aquíferos pelo excesso de NPK[9]. A extração mineral gera poucas conexões produtivas, mas compete fortemente com outras formas de uso e ocupação do território e potencializa riscos socioambientais – água, solo, ar e deslocamentos compulsórios – como cruelmente revelou o desastre de Mariana[10], em 2015. No caso das exportações de boi vivo, o Pará vivenciou, também 2015, um desastre ambiental de enormes proporções resultante do naufrágio do navio Haidar com cinco mil bois[11] e 700 toneladas de óleo a bordo, cujas carcaças ainda submergem no porto de Barcarena, grupos de ativistas e o Ministério Público (MP) impediram as exportações de 27 mil bois vivos no Sul do país[12], entre outros motivos, pelos impactos do transporte no centro da cidade.


Em síntese, a permanência da resignação histórica do Brasil ao seu papel global de exportador de commodities, de baixo valor agregado, pouca intensidade em P&D, ainda continua a responder por boa parte das mazelas socioambientais em que o pais se encontra. A questão é saber quais as alternativas para sair dessa armadilha? É importante frisar que não há soluções milagrosas e imediatas, mas é preciso começar a promover urgentemente a transição para uma economia assentada no conhecimento, que é a real fonte riqueza de qualquer sociedade, e isso requer:

» Direcionar parte dos ganhos da exportação de commodities para fortalecer a nova economia sustentável baseada em conhecimento que está latente, mas que não consegue tomar fôlego por falta do oxigênio de políticas modernas consistentes e estáveis. Uma economia que possa gerar emprego e renda para muitos, afinal somos 208 milhões de brasileiros, que mobilize o potencial criativo, artístico e inovador de cada região, a partir de seus atributos e potencialidades. É preciso levar em conta que as intensas mudanças tecnológicas estão reconfigurando totalmente o mundo do trabalho[13]. Há que preparar, principalmente, a juventude para essas mudanças, que já estão ocorrendo em ritmo acelerado. Isso significa investir mais em ciência, em tecnologia e, fundamentalmente, em fomento à inovação, que é o conhecimento aplicado ao mundo da produção, e preferencialmente nos territórios em que esta produção ocorre, não raras vezes sem nenhum suporte científico e tecnológico que permita elevar a produção e a produtividade. Convém lembrar que um dos componentes fundamentais do crescimento do PIB é o aumento da capacidade de inovação da indústria. Portanto, é mandatório que os superávits do setor exportador de commodities possam financiam com a estabilidade e a regularidade necessária as políticas[14] em prol da inovação.

» Redirecionar os incentivos do modelo de commodities para outro modelo com maior valor agregado, inclusão social e renda. Isso requer uma mudança na política tributária que reveja criticamente o mantra de que “imposto não se exporta”. Ao exportar commodities se estão exportando água, nutrientes do solo, base de biodiversidade, serviços ecossistêmicos (captura de carbono, por exemplo), patrimônio natural que levou bilhões de anos para ser formado e empregos de qualidade, mas nada disso está precificado; muito pelo contrário esses bens e serviços estão saindo como bônus nas mochilas ecológicas dos bens primários exportados [15], por causa da agonia do curto prazo. Há muitos exemplos de países que taxaram fortemente as exportações de commodities e concederam vários incentivos a atividades de maior valor agregado[16], essa sim merecesse ser isenta já que mobiliza os fatores produtivos internamente. Ao invés de produtos básicos, deve-se ter um olhar atento para os serviços que são a base da economia desta 4ª Revolução Tecnológica que já estamos vivenciando, e que tem o potencial de gerar no curto prazo muito empregos. Isso requer mudança substantiva na lógica atual que premia quem exporta commodities, com isenções tributárias, e pune quem agrega valor, emprego, produz e vende internamente, com a alta carga tributária[17].

» Reduzir os custos e a burocracia para quem produz, gera empregos e recolhe impostos no país. Isso requer uma administração pública saneada da corrupção, mais eficiente, mais produtiva e mais engajada em transformar para melhor o país. Há muitos servidores imbuídos com esse espírito público, mas que precisam de protagonismo e voz. O que deve ser feito por meio de mecanismos de controle social bem mais transparentes, com premiação ao mérito e punição exemplar aos maus feitos.

O estímulo excessivo ao consumo interno, como meio de alavancar a economia, que ficou conhecido como “keynesiansmo vulgar”[18], teve vida curta e não produziu os efeitos duradouros desejados. Em grande parte, por limitação do sistema produtivo, pois sem a retaguarda da ciência, da tecnologia e da inovação, para produzir mais com menos desperdício, menos impactos socioambientais, mais eficiência e mais resultados, não há como ser competitivo. Aliás, esse é outro aspecto pouco explorado do modelo econômico que conduziu o país ao quadro recessivo e de insustentabilidade socioambiental. Aumento de consumo não significa necessariamente aumento de produção e de emprego, pois se a demanda for atendida pela importação de bens e serviços, haverá “vazamentos” de renda, e também de empregos, para outras economias. Além do que o aumento do consumo supérfluo é anti-ecológico, reproduz e agrava as injustiças sociais.

Mais uma vez, o desafio é:

» Mobilizar a capacidade criativa, empreendedora e inovadora da sociedade. Embora tenha gerado benefícios socioeconômicos no curto prazo, o estímulo ao consumo interno não se sustenta sem uma base produtiva sólida e, para isso, é indispensável o correto estímulo com foco para atividades sustentáveis. Isso implica em escolhas, às vezes duras, mas absolutamente indispensáveis.

» Priorizar o investimento em capital humano. Educação de qualidade é a melhor forma de inclusão. O modelo apenas assentado em consumo, desconectado de uma educação transformadora, tem gerado milhares de lixões e prefeituras que estão incorrendo em ilícitos ambientais e passivos ambientais impagáveis.

» Mobilizar forças sociais em prol de uma conduta centrada em valores – para além da base produtiva é preciso alimentar a capacidade transformadora da sociedade em cada cidadão se reconheça como partícipe da construção de um país melhor e mais justo para todos. Nenhuma colaboração, por menor que seja, é dispensável. Uma cultura do ego e do ter sem limites, em detrimento à de solidariedade humana e planetária, nos empurra para o caos e para violência desenfreada que vivenciamos a cada dia.

Desde os anos 1990 Amartya Sen[19] alerta que a educação é tanto fim como meio e contribui expressivamente para geração de emprego e de renda não só para o futuro, mas no presente mesmo- pequenas cidades que abrigam centros tecnológicos ou universidade têm experimentado importantes índices de crescimento. Por fim, é preciso permitir o florescimento de uma economia calcada em valores e inovação, recursos que o Brasil dispõe em abundância, que a visão curto-prazista dá pouca importância, mas que será extinta pela nova realidade que está emergindo.

 

Participaram do seminário: André Amado, Alberto Aggio,Caetano Araújo, Alba Zaluar, Benjamin Sicsu, Dina Lida Kinoshita, Elimar Pinheiro Nascimento, Felipe Salto, Francisco Inácio De Almeida ,George Gurgel De Oliveira, Ivanir Dos Santos, Luiz Carlos Azedo, Maria Amélia R Da Silva Enriquez , Pedro Strozemberg, Sônia Francine Gaspar Marmo, Rubi Martins Dos Santos, Tereza Vitalle , Vitor Missiato, Vladimir Carvalho Da Silva, Elaiane Marinho Faria.

 

Leia mais:

» Relatório do Seminário “Novo pacto entre o Estado e a sociedade brasileira” – Rio de Janeiro (24/02/2018)

» Relatório do Seminário “O Brasil em um mundo em transformação” – São Paulo (03/03/2018)

» Relatório da Conferência Nacional “A Nova Agenda do Brasil”

 


Links:

[1] http://www.valor.com.br/financas/5318767/bancos-terao-que-conviver-com-juros-menores-diz-lazari-jornal

[2] http://unctadstat.unctad.org/CountryProfile/GeneralProfile/en-GB/076/index.html

[3] http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior

[4] http://www.mme.gov.br/web/guest/pagina-inicial/outras-noticas

[5] http://www.canalrural.com.br/noticias/boi-gordo/exportacao-gado-vivo-sobe-2017-71231

[6] Lei 7.827 de 1989, que criou os Fundos Constitucionais.

[7] https://www.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-460314-lei-kandir-criada-pelo-psdb-sangrou-os-cofres-do-para-em-r$-325-bilhoes.html

[8] http://www.mma.gov.br/gestao-territorial/combate-a-desertificacao

[9] http://cetesb.sp.gov.br/aguas-subterraneas/informacoes-basicas/poluicao-das-aguas-subterraneas/

[10] http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41873660

[11] https://g1.globo.com/pa/para/noticia/naufragio-de-navio-com-cinco-mil-bois-vivos-em-barcarena-completa-dois-anos.ghtml

[12] https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/porto-mar/noticia/navio-com-27-mil-bois-e-retido-no-porto-de-santos-por-ordem-da-justica.ghtml

[13] Entre janeiro de 2012 a abril de 2017, os bancos fecharam 44.830 postos de trabalho, o que equivale a uma redução de quase 10% da categoria. (http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2017/08/tecnologia-no-setor-bancario-aumenta-lucro-causa-demissoes-e-nao-reduz-tarifa )

[14] Em 2005, quando o Chile impôs a política de royalties minerais, também criou o “Fundo de Inovação para a Competividade” atrelado ao recolhimento desses royalties; o principal argumento é de que “uma atividade de exploração de recursos não renováveis deve alimentar a acumulação de recursos renováveis sob a forma de conhecimento, ciência e inovação” (https://www.razonpublica.com/index.php/internacional-temas-32/7513-chile-modelo-exitoso-de-ciencia,-tecnolog%C3%ADa-e-innovaci%C3%B3n.html )

[15] http://www.resourcepanel.org/reports/international-trade-resources

[16] A China proibiu exportação de bens primários desde XX, modelo que foi seguido pela Indonésia. http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2016/534997/EXPO_STU(2016)534997_EN.pdf

[17] Para uma comparação da carga tributária no setor da mineração acessar “Perspectiva Mineral n,2”( MME-DF) http://www.mme.gov.br/documents/1138775/1732823/SGM+apresenta+estudo+de+tributa%C3%A7%C3%A3o+das+cadeias+produtivas+do+ferro+e+do+alum%C3%ADnio+01/68e6dc11-c1a1-406c-b9dd-6e759c6e7902

[18] https://jlcoreiro.wordpress.com/2014/11/08/o-retorno-do-keynesianismo-vulgar/

[19] “Desenvolvimento como Liberdade” https://www.saraiva.com.br/desenvolvimento-como-liberdade-livro-de-bolso-2880948.html

 

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