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Zeina Latif: Economia em vertigem
Dilma terminar o mandato teria ajudado a unir o País, mas a um custo social elevado
O documentário Democracia em Vertigem tem entranhas. Com voz melancólica, a narração de Petra Costa aflora uma esperança ingênua da diretora em um País melhor, com o PT, seguida de grande decepção e visão de um “futuro sombrio”.
Há muito de pessoal no documentário, pois carrega a dor de seus pais perseguidos no regime militar, filhos da elite empresarial, cuja empresa cresceu naquele período e foi condenada nos escândalos de corrupção. O projeto da direita precisou sacrificar membros da elite por meio da Lava Jato para extirpar o PT, segundo relato de sua mãe.
O documentário expõe a dor de muitos, e precisa ser reconhecida, assim como a dor dos seus opositores, por razões diferentes. Ser indicado ao Oscar premia sua qualidade técnica. Há muitos méritos, portanto.
O documentário, porém, é parcial em demasia, incorporando a tal narrativa da esquerda. É o lamento de um segmento da sociedade; não um documentário, de fato, comprometido em traçar um retrato mais fiel da nossa história recente.
Atribui a Lula o dom de “salvador da pátria”. Depois, vem a decepção com as alianças políticas, algumas inevitáveis diante da dificuldade de governar um país tão complexo. Já Dilma, foco de admiração, agiu na “contramão da conciliação lulista”.
Os problemas econômicos no governo Dilma são tratados de forma ligeira e, nem de longe, se dá uma noção dos muitos equívocos na política econômica. O documentário se esquiva dos excessos cometidos e dos manuais rasgados na gestão das contas públicas, especialmente em 2014 visando à reeleição. Foi implementada uma agenda, dita de esquerda, mas que prejudicou os mais pobres. A piora dos indicadores sociais dos últimos anos foi plantada em seu governo.
O desprezo pela disciplina fiscal prejudicou também a chamada nova classe média, pela inflação teimosa e pela necessidade de aumentar os juros, afetando o emprego. Bem intencionada ou não, Dilma protegeu e beneficiou grupos de interesse, como o funcionalismo e segmentos do setor produtivo; justamente a elite. A fatura ficou para a sociedade.
As políticas públicas de transferir recursos a parcela do setor privado e o protecionismo, alimentaram, de quebra, a corrupção.
Para Petra, os protestos de 2013 decorreram de uma insatisfação que vinha de longe, na linha do “gigante acordou”, sendo apenas necessário um gatilho. Na “onda da primavera árabe”, os culpados seriam a repressão policial nas primeiras manifestações e a ação da mídia e das redes sociais. Ela não reconhece a responsabilidade do governo. Naquele momento, a inflação incomodava e a indústria estava estagnada, ambos contrariando as promessas feitas.
De fato, os protestos recrudesceram o quadro político, mas foram consequência, e não causa, da crise de governabilidade. Como muitos políticos, Petra não compreendeu aquele momento do País.
Ao abordar o impeachment, fala-se mais de oportunistas e redes sociais do que de economia, que era o cerne da questão. A decisão foi política, mas refletiu a pressão das ruas. Vale destacar que desrespeitar regras fiscais e camuflar os excessos com truques contábeis não só gera crise, como também ameaça a democracia.
O impeachment alimentou a polarização política, mas ele parecia inevitável diante de tamanha crise econômica, bem como da incapacidade do governo de consertar o estrago produzido. Difícil acreditar que Lula na Casa Civil, com credibilidade abalada, conseguiria reverter o quadro. Culpar o ciclo de preços de commodities, protestos e Lava Jato, e minimizar os erros do governo na economia é diversionismo ou desconhecimento.
Em 2014 já havia razões para Dilma não ser diplomada presidente da República. Instituições de controle e lideranças políticas, inclusive do PT, identificavam as “pedaladas” e outras impropriedades administrativas.
Dilma terminar o mandato teria ajudado a unir o País, mas a um custo social elevado. Unidos, mas por um desastre econômico ainda maior.
Faltou o documentário discutir o principal: a economia em vertigem.
* Consultora e doutora em economia pela USP
Zeina Latif: Palavras vazias ou compromisso?
O STF se mostra sensível a pleitos de Estados e municípios contra a União
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, em seu discurso de abertura do ano do Judiciário defendeu a responsabilidade da Corte com o ambiente econômico, afirmando: “Gerar confiança, previsibilidade e segurança jurídica: esse é o objetivo primordial do Poder Judiciário na atual quadra da história do país, em que se anseia pela retomada do crescimento econômico e do desenvolvimento social sustentável”.
O Judiciário com frequência mostra-se insensível à racionalidade econômica em suas decisões, beneficiando alguns em detrimento da sociedade.
Um exemplo recente é que depois de quase 20 anos da promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o STF retomou no ano passado a análise de dispositivo (suspenso desde 2002) que permite que Estados e municípios reduzam temporariamente a jornada de trabalho e salário de servidores quando os gastos com pessoal ultrapassarem o teto previsto em lei, de 60% da Receita Corrente Líquida. A votação não foi concluída e será retomada em abril. O placar, porém, está em 6 a 4 (falta apenas 1 voto) para proibir um dispositivo essencial para o ajuste fiscal desses entes, diante do rápido envelhecimento populacional que pressiona a Previdência, em que pese a necessidade de evitar o sacrifício excessivo do funcionalismo.
A Corte também se mostra particularmente sensível a pleitos de estados e municípios contra a União. Informações levantadas pelo Jota, com fontes do Executivo, mostram que o governo federal perde aproximadamente 95% dos casos no STF que envolvem disputas com esses entes. Porcentual tão elevado sugere viés nas decisões.
Vale destacar as liminares concedias ao longo de 2015/16 para reduzir o pagamento dos juros da dívida com a União, utilizando o cálculo por juros simples, e não composto (o que representaria um calote; se o Tesouro fizesse o mesmo, ninguém iria se interessar pelo Tesouro Direto). Posteriormente, o STF estabeleceu prazo para solução do impasse, o que culminou em mais um beneficio aos Estados que não fizeram seu dever de casa.
Pode-se argumentar que a crise econômica do País exigia algum acerto nas dívidas dos Estados, por conta da queda da arrecadação e do menor poder para emitir dívida pública. Isso não justifica, porém, as liminares. Premia-se os entes perdulários e desincentiva a disciplina fiscal de todos.
Olhando para frente, o potencial de perdas do erário é elevado. Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020, há 21 processos tributários no STF, com potencial impacto de R$ 1,1 trilhão.
Destaca-se a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, com custo estimado de R$ 229 bilhões. O tema é antigo e a demora no julgamento implica insegurança jurídica e maior número de disputas com contribuintes. Há quase 3 anos o STF decidiu que a inclusão é inconstitucional. O tema será retomado este ano para decidir sua retroatividade. A União pleiteia que aplicação seja a partir de janeiro de 2018.
Faz sentido não cobrar imposto sobre imposto, mas a questão é complexa. O efeito retroativo representaria um ganho indevido às empresas, uma vez que o custo tributário foi repassado aos consumidores, como ensina Bernard Appy. O pleito das empresas é, portanto, injusto, apesar de a elevada carga tributária pesar sobre os preços finais e, assim, poder prejudicar as vendas de seus produtos.
Mesmo que não haja impacto retroativo, será necessário compensar a perda de arrecadação envolvida. Melhor seria deixar esse tema para a futura reforma tributária.
O Judiciário precisa levar em consideração os impactos econômicos de suas sentenças de forma a preservar contratos, a responsabilidade fiscal e eficiência no uso dos recursos públicos. O compromisso com as várias regras que regem o orçamento público – regra do teto, regra de ouro, LRF – não deveria ser apenas do Executivo.
Agora é torcer para que o compromisso do ministro Toffoli não se revele palavras vazias, sendo, sim, um sinal de novos tempos.
* Consultora e doutora em economia pela USP
Zeina Latif: Dicotomia
O aumento do consumo não é para todos. São 17 milhões de desocupados e desalentados
O mercado financeiro é só alegria. A bolsa bate recordes, impulsionada por juros baixos e a boa perspectiva de crescimento para 2020. O mercado de capitais registra expressivo aumento na emissão de dívida das empresas por conta do (necessário) encolhimento do BNDES – iniciado por Joaquim Levy quando ministro da Fazenda de Dilma – e das condições favoráveis para a captação de recursos internamente. Foi um ano muito positivo para indústria de fundos, que se beneficiou do corte dos juros pelo Banco Central. Os investidores celebram os ganhos obtidos no ano.
A euforia, no entanto, não é integralmente compartilhada pelo setor produtivo, até porque o mercado de capitais reflete as perspectivas do “grupo de elite”, e não da totalidade das empresas. Apesar da melhora nos indicadores, a confiança dos empresários continua abaixo da linha d’água de 100 pontos, indicando pessimismo de uns tantos. Muitas empresas enfrentam dificuldades financeiras e de acesso ao crédito.
No varejo, as vendas estão próximas dos patamares pré-crise, enquanto a produção da indústria está 15% abaixo. O primeiro se beneficia da volta do crédito ao consumidor, enquanto o segundo sofre com a baixa competitividade em relação aos importados.
O sensível aumento do consumo não é para todos. Os desocupados e desalentados, que totalizam mais de 17 milhões de pessoas, não foram chamados à festa e alimentam a desigualdade, que sobe desde 2015.
A inflação seguiu baixa, a exemplo dos últimos anos, mas o custo da cesta básica (entre R$ 325 e R$ 474 em outubro) é elevado, empurrando muitos para baixo da linha de pobreza. Em 2018, eram 13,5 milhões vivendo na miséria (renda mensal per capita abaixo de R$ 145 ou US$ 1,90 por dia no critério de paridade do poder de compra), o que significa 6,5% da população; um salto em relação aos 4,5% de 2014.
Esse quadro explica a divisão do País quando o assunto é a aprovação do governo. Bolsonaro tem apoio das classes mais privilegiadas, enquanto as mais populares desaprovam sua gestão.
O crescimento econômico mais robusto contratado para 2020 talvez ajude a reduzir essas dicotomias presentes entre setores e entre indivíduos. A conferir. E o ritmo poderá ser muito lento tendo em vista o retrocesso nos indicadores sociais nos últimos anos.
Segmentos da economia pouco produtivos não irão se beneficiar satisfatoriamente do melhor momento econômico, reforçando o quadro de lenta recuperação do mercado de trabalho. Além disso, a crise prolongada causou deterioração da qualidade da mão de obra, reduzindo a empregabilidade de muitos.
É preciso trabalho para que 2020 não seja uma brisa, mas sim o início de um futuro mais próspero e justo.
O ano de 2019 foi de importantes avanços, mas também de oportunidades perdidas. Em que pese a aprovação de uma potente reforma da Previdência e a gestão responsável das contas públicas, confirmou-se o temido cenário de uma fraca agenda de reformas no segundo semestre.
O governo encaminhou tardiamente ao Congresso novas medidas de ajuste fiscal. Há várias matérias tramitando, mas falta estratégia política, definindo prioridades e fazendo a lição de casa na articulação. Governar não é só enviar matérias ao Legislativo.
Assistimos à venda de ativos pelas estatais, mas não à privatização das empresas. A capitalização da Eletrobras, que deveria ser prioridade do governo, patina.
O marco legal de telecomunicações foi aprovado, mas ainda se aguarda o do saneamento, que ficou para 2020. Faltou empenho do governo.
Na infraestrutura, foram realizados 27 leilões de concessão, mas a lei das concessões e parcerias público-privadas sofreu ataques de segmentos do próprio governo e ficou para 2020.
Enquanto isso, nada se avançou na reforma tributária, apesar da grande disposição de lideranças na Câmara. Foi também um ano praticamente perdido na abertura da economia e na educação.
Que em 2020 sejamos mais ambiciosos e consigamos diminuir a dicotomia. Estamos todos no mesmo barco.
*Economista-Chefe da XP Investimentos
Zeina Latif: Será que desta vez será diferente?
A julgar pelo nosso passado, o risco a ser combatido é a complacência
Os anos 2010 se vão sem deixar saudades. O PIB per capita cresceu tímidos 0,5% ao ano – muito pouco para um País onde 60% dos trabalhadores ganham até 1 salário mínimo –, em meio ao aumento da pobreza e à piora da distribuição de renda.
As medidas demasiadas e equivocadas de estímulo já davam sinais de exaustão em 2010, pela inflação teimosa acima da meta e pela rápida deterioração das contas externas. Ajustes eram necessários para que a fartura não virasse indigestão. Além disso, a expectativa era de o País avançar nas reformas estruturais pró-crescimento. O que se assistiu, no entanto, foram retrocessos. Prometeu-se muito e entregou-se uma grave crise.
Dilma preferiu ignorar os “sinais vitais” da economia e dobrou irresponsavelmente a aposta, em meio a muito intervencionismo estatal e ingerência em órgãos e empresas públicas. Para citar alguns dos equívocos, os bancos públicos, menos eficientes e sujeitos a pressão política, tornaram-se mais importantes na concessão de crédito do que os bancos privados e políticas setoriais equivocadas foram feitas aos montes. Os resultados foram investimentos economicamente inviáveis e a rápida deterioração das contas públicas, mascarada por truques contábeis.
Ciclos econômicos são praticamente inevitáveis. O que distinguiu os anos 2010 foi a profundidade da crise, em uma obra escrita a várias mãos: omissões de instituições democráticas; falhas de instituições de controle que permitiram o desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal; e complacência e oportunismo de boa parcela do setor privado, com muitos segmentos se beneficiando das benesses e aproveitando o espaço para pedir mais. Não à toa a bronca da sociedade é generalizada.
Entristece o Brasil ter ido tão longe na trajetória rumo ao abismo.
O basta da sociedade levou ao impeachment de Dilma. Um governo que quebrou o País, e não sabia e não tinha apoio político para consertar. Quando tentou, no início do segundo mandato, o fez de afogadilho, sem avançar em reformas estruturais. Com as dúvidas em relação à solvência do País, refletidas na perda do grau de investimento, a crise ganhou contornos mais dramáticos, com o aperto do crédito.
A pressão nas ruas começou em 2013. Surpreendeu pelo ativismo inesperado da sociedade, pois motivos havia de sobra. Vale compartilhar uma experiência pessoal. Em um seminário internacional, em janeiro de 2013, alertei a plateia sobre os riscos de retrocessos sociais no Brasil, pois os econômicos já eram claros, apesar da negação de muitos. A reação do moderador francês foi afirmar que haveria protestos no Brasil. Eu desconfiei do alerta. Estava, felizmente, errada. A inquietação da sociedade foi gatilho para mudanças.
A sociedade rechaçou o modelo econômico de Dilma e, mesmo com baixíssima popularidade, Temer silenciou as ruas. O governo Temer foi a grande surpresa positiva desses anos 2010. Houve equívocos, como o de reajustar o salário de servidores públicos, mas o saldo final foi muito positivo. Com plano estruturado, entregou um País muito melhor do que recebeu e plantou sementes para a volta do crescimento. Mudou o debate econômico no Brasil, a ponto de Jair Bolsonaro rever seus preconceitos e apoiar a reforma da Previdência que até então sempre criticara.
A classe política passou a compreender melhor a necessidade de reformas e o País se surpreendeu com um Congresso disposto a fazer reformas estruturais. Não é só isso. A sociedade cansada tem conseguido tirar os políticos da zona de conforto.
Não sabemos, porém, quão ambiciosos seremos; quando conquistaremos maior crescimento sustentado. Será que vivemos uma correção de rumos efêmera, fruto da falta de recursos, ou estamos mudando nossas crenças?
A julgar pelo nosso passado, o risco a ser combatido é a complacência. Nos momentos de recuperação da economia desistimos das reformas. Esperemos que seja diferente nos anos 2020.
*Economista-chefe da XP Investimentos
Zeina Latif: Primeiros sinais
Preocupa o fato de o aumento da inadimplência partir de um patamar que não é baixo
Crédito é bom, pois permite às famílias anteciparem seu consumo e elevarem seu bem-estar. Desde que sem excessos, porém. Há sinais recentes no mercado de crédito que precisam, pois, ser monitorados.
O crédito ao consumidor cresce de forma robusta. As novas concessões subiram 14% nos últimos 12 meses encerrados em outubro. O endividamento dos indivíduos atingiu 45% da sua renda anual, um patamar comparável aos do pré-crise, que eram elevados.
O crescimento do estoque do crédito para pessoa física, que atingiu o recorde de 27,5% do PIB, demanda atenção, pois a cifra atingida está acima da tendência histórica da série. Esse diferencial, denominado “hiato do crédito”, é uma variável importante a ser monitorada, pois é apontada na literatura internacional como um alerta robusto de futuros problemas na saúde do sistema bancário.
A preocupação aqui não é com os bancos, que estão sólidos, inclusive pelo rigor regulatório do Banco Central. A questão levantada são as implicações do crédito aquecido na condução da política monetária e na vida das famílias. O endividamento excessivo (ou hiato positivo) guarda elevada correlação com o aumento da inadimplência adiante, depois de 2 a 3 trimestres.
Outro indicador que serve de alerta é o comprometimento da renda mensal dos indivíduos com o pagamento da dívida (principal e juros). Ele voltou a subir, atingindo 20,6% em setembro ante 19,8% há um ano. Sua elevação significa restrições crescentes de liquidez dos consumidores, o que eleva o risco de inadimplência. O ciclo de queda da inadimplência concluiu-se e agora dá sinais de reversão.
A inadimplência bancária da PF exibe elevação, ainda que modesta (de 3,25% em dezembro de 2018 para 3,53% em outubro último), segundo o BC. O movimento é puxado pela inadimplência no cartão de crédito parcelado e no cheque especial. Convém monitorar se vão contaminar as demais categorias de crédito.
As dívidas negativadas aumentaram 7,8% em agosto na variação anual, de acordo com a Serasa Experian, puxadas não só pelas dívidas com bancos/cartão, mas também pelas contas de consumo (água, luz, gás). Nada bom.
O porcentual dos chamados ativos problemáticos no sistema financeiro – soma de inadimplência, reestruturações e risco elevado – cresceu ligeiramente ao longo do primeiro semestre para 6,7%, segundo o BC. O patamar mantém-se baixo. No entanto, uma medida alternativa de ativos problemáticos, que mede o risco de cada “safra” de devedores (e não do estoque total de crédito), retomou uma trajetória firme de alta, colocando o indicador nas máximas históricas da série iniciada em dezembro de 2014.
A deterioração do mercado de crédito parece precoce à luz de uma recuperação da economia que mal começou. A explicação está na lenta melhora do mercado de trabalho, gerando baixo crescimento da massa salarial (1,4% nos últimos 12 meses). A dúvida é se esses sinais, por ora incipientes, tendem a piorar. Já discutimos neste espaço que a geração de vagas seguirá tímida. Se a avaliação estiver correta, isso implicará continuidade da piora dos indicadores de crédito.
Preocupa o fato de o aumento da inadimplência partir de um patamar que não é baixo, pelo menos não para os consumidores. A inadimplência é baixa para os bancos, pois representa parcela ainda modesta da carteira total de crédito. Porém, ela pesa no orçamento dos indivíduos. A razão entre dívidas em atraso por mais de 15 dias e a renda dos indivíduos manteve-se elevada desde o fim da recessão e já ensaia tendência de elevação. A crise econômica deixou marcas de difícil superação.
No contexto descrito acima, é compreensível o tom mais cauteloso do BC em relação às perspectivas da política monetária. A autoridade monetária reconhece que há incertezas quanto à resposta da economia aos juros básicos em patamares inéditos.
Excessos precisam ser evitados. Crescimento sustentado depende da saúde financeira das famílias.
*Economista-chefe da XP Investimentos
Zeina Latif: Presidente, a balança encolheu
As importações têm crescido mais do que o sugerido pela recuperação da economia
Não é novidade o encolhimento da balança comercial. Ocorre que o tema entrou no radar dos mercados.
As exportações não estão crescendo, com poucas exceções, como as beneficiadas pela guerra comercial entre EUA e China. A razão principal é o comércio mundial estagnado. A demanda externa pelos produtos brasileiros é variável-chave para determinar a performance das exportações.
A cotação do dólar tem influência modesta, afetando mais a rentabilidade do exportador, e menos o volume exportado. Para começar, quando o real entra em ciclo de depreciação é porque o dólar está se fortalecendo nos mercados globais, o que significa que as moedas dos nossos concorrentes também estão se enfraquecendo.
Outra consideração é que nossos produtos são caros, refletindo a carga tributária elevada e cumulativa e a infraestrutura deficiente, entre outros. Não haveria cotação do dólar alta o suficiente para compensar tantas distorções internas sem causar riscos à dinâmica inflacionária. E, nesse caso, a depreciação cambial seria, ao final, ineficaz, pela corrosão inflacionária da taxa de câmbio.
As importações estão em alta. Sem surpresas aqui, afinal, a economia ganha tração. Mas há algo extra, já discutido neste espaço.
Desde o ano passado, as importações têm crescido mais do que o sugerido pela recuperação da economia. A participação do produto importado na cesta de consumo está aumentando, possivelmente, como reflexo do parque produtivo defasado tecnologicamente. A grave crise, que gerou paralisia prolongada de investimentos, cobra seu preço.
Enquanto isso, as importações têm sido menos afetadas pelo dólar forte. É verdade que os salários em dólar mantêm-se em patamares elevados, preservando a relevante presença dos importados. O ponto é que a queda dos salários em dólar desde 2018, decorrente do ajuste do câmbio, não está impedindo o aumento da participação das importações, como ocorria no passado.
O quadro acima deixa claro que o nosso problema não é a taxa de câmbio fora de lugar. Já perdemos tempo demais discutindo esse tema. Vamos virar a página e avançar tempestivamente em reformas estruturantes que gerem ganhos de produtividade e maior competitividade dos nossos produtos e serviços.
O encolhimento da balança comercial deve prosseguir, gerando elevação do déficit em transações correntes (inclui também a balança de serviços). Este último atingiu 3% do PIB em outubro. Não é um valor elevado na comparação com países pares. Porém, chama a atenção a velocidade de deterioração, a despeito do crescimento modesto da economia e da alta do dólar.
O câmbio será afetado pelo aumento do déficit em transações correntes? Menos do que se imagina. Na verdade, é o dólar que influencia o desempenho do saldo externo ao longo do tempo (agora menos do que no passado), e nem tanto o contrário. Certamente o humor dos mercados pode sofrer impacto, gerando volatilidade de curto prazo no mercado cambial. O ciclo da taxa de câmbio, no entanto, é de outra natureza. Decorre do comportamento do dólar no mundo e da capacidade do País de crescer, atraindo o interesse de estrangeiros e locais para investirem no Brasil, e não no exterior, financiando, assim, o déficit em transações correntes.
O déficit externo não é um problema, mas sim suas razões e a capacidade do País de financiá-lo. Se o País ingressar em um ciclo de investimento robusto e com a abertura comercial paulatina, ambos ampliando a importação de bens (maquinário e insumos) e serviços tecnologicamente mais sofisticados, o déficit externo mais elevado será algo saudável; e também necessário, diante da baixa taxa de poupança interna do Brasil. Ele ajudará a impulsionar o crescimento de longo prazo ao elevar a produtividade da economia, atraindo assim capitais para financiá-lo e afastando pressões cambiais. Não é o que ocorre no momento, porém.
Há patologias na economia brasileira. São elas que precisam ser atacadas. O resto é conversa.
*ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS
Zeina Latif: Não há atalhos
A taxa de desemprego está em 26% para indivíduos entre 18 e 24 anos
A economia ganha tração, aumentando as chances de o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano acelerar (estimamos 2,1%). No entanto, a redução da taxa de desemprego será provavelmente lenta, pois há fatores preocupantes que limitam o aumento do emprego.
Primeiro, aparentemente, as empresas ainda têm um contingente relevante de empregados que são subutilizados. A razão entre a produção de bens e serviços e o pessoal ocupado está em patamares muito abaixo daqueles do pré-crise, sugerindo haver espaço para aumento do PIB sem abrir muitas vagas de trabalho.
Segundo, o baixo crescimento do PIB favorece particularmente as grandes empresas, que são mais produtivas e utilizam crescentemente tecnologias poupadoras de mão de obra para se manterem competitivas.
Terceiro, a taxa de desemprego estrutural (reflete fatores como a qualidade da mão de obra e a rigidez e as fricções no mercado de trabalho) provavelmente elevou-se nos últimos anos, por conta da crise prolongada. Indivíduos que estão desocupados há muito tempo (40% há mais de um ano) e jovens que não conseguem emprego na idade esperada têm sua empregabilidade reduzida pela falta de treinamento. Como se não bastasse, muitos talentos emigram do País. Não são incomuns relatos de empresários sobre as dificuldades para contratar mão de obra qualificada, mesmo com o elevado desemprego.
O economista-sênior da XP Investimentos, Marcos Ross, estima que a taxa de desemprego estrutural está em torno de 10,5%, ante 7% registrada em 2012, não tão abaixo da taxa de desemprego corrente de 12%. Vale registrar que, se assim for, a ociosidade do fator trabalho não estaria tão elevada quanto se imagina, o que significa que o Banco Central teria de reavaliar os níveis inéditos de taxa de juros mais cedo do que se imagina.
O quadro é particularmente difícil para indivíduos entre 18 e 24 anos, cuja taxa de desemprego está em 26%. Na experiência mundial, o desemprego nesse grupo é mais elevado, não só porque a entrada no mercado de trabalho esbarra na falta de referências anteriores, mas também porque os jovens são naturalmente mais inquietos. O que mais preocupa, na verdade, é a elevada e crescente parcela dos que nem trabalham, nem estudam. São os jovens “nem-nem”. Em 2018, eles representavam 24% dos indivíduos entre 15 e 29 anos, ante 13,9% em 2014.
É bem-vinda a preocupação do governo com os jovens de baixa renda. Propõe-se reduzir, por dois anos, a carga tributária sobre o primeiro emprego com carteira com remuneração de até 1,5 salário mínimo.
Não convém, porém, esperar grandes resultados na geração de empregos formais, pelas limitações da medida e pelas consequências do baixo crescimento discutidas acima.
Os jovens menos qualificados estão tão mal preparados para o mercado de trabalho, que o custo da mão de obra seria ainda elevado à luz da baixa produtividade ou capacidade de entrega desse trabalhador.
Além disso, o salário necessário para atrair o jovem de baixa qualificação para o mercado de trabalho (salário de reserva) é provavelmente superior ao oferecido pelo empregador, como sugerido na experiência internacional. Esse comportamento difere daquele do trabalhador mais qualificado, que valoriza muito estar empregado, por reconhecer o risco de ficar defasado, e aceita receber salário inferior ao almejado. Para piorar, no Brasil, a elevada informalidade e as atividades ilícitas provavelmente aumentam o salário de reserva dos jovens de baixa renda.
Para compatibilizar os pontos acima, que afetam a demanda e a oferta de trabalho dos jovens com baixa qualificação – o salário que a empresa está disposta a pagar é inferior ao que faria o jovem de baixa renda querer trabalhar –, seria necessário flexibilizar ainda mais as regras do mercado de trabalho e (urgentemente) melhorar a educação pública, para reduzir o desemprego estrutural no País.
Zeina Latif: Navegar é preciso
Nada como a falta de dinheiro para forçar o Brasil a rever as políticas públicas
Nada como a falta de dinheiro para forçar o Brasil a rever as políticas públicas. Atribuindo ou não o rótulo de agenda liberal, o fato é que o debate econômico avança. Velhos temas que preocupam há anos ou décadas, inclusive com tentativas fracassadas de avanço, emergem no debate público, com a liderança de Paulo Guedes.
Foram enviadas ao Congresso propostas de emenda à Constituição (PEC) que visam a melhorar a gestão das contas públicas no longo prazo e produzir alguma economia de recursos no curto prazo. São muitos temas polêmicos divididos em três PECs. Essa estratégia parece arriscada, pois poderá produzir um congestionamento de pautas no Congresso e ataques prematuros, sendo que cada PEC terá de seguir seu rito. Não se sabe a ordem de prioridades do governo, mas provavelmente as medidas emergenciais de curto prazo serão priorizadas.
São várias frentes de discussão, e algumas se destacam.
Pretende-se dividir com Estados e municípios a receita de exploração do pré-sal (na casa de R$ 400 bilhões em 15 anos), mas com mudanças na relação do Tesouro com esses entes, com medidas como: proibir empréstimos do Tesouro e limitar as garantias a empréstimos de terceiros a partir de 2026; encerrar a (longa) disputa judicial sobre a Lei Kandir, que representa expressivo risco fiscal ao Tesouro; eliminar a linha de crédito para pagamento de precatórios; e proibir o uso de fundos de pensão e depósitos judiciais entre partes privadas (expedientes utilizados para Estados fecharem as contas).
Não são muitas as contrapartidas tendo em vista o grande volume de recursos transferido. De qualquer forma, será essencial garantir sua aprovação, e não apenas a transferência de recursos, como o ocorrido na renegociação da dívida dos Estados em 2016. Conceder recursos sem a garantia de seu bom uso vai agravar o quadro fiscal. Toda atenção é pouca.
O governo quer tornar obrigatória a avaliação de renúncias tributárias (equivalem a 4% do PIB). Essas políticas, muitas delas equivocadas, cresceram muito até 2015 e têm sido preservadas ou renovadas, sem o devido estudo de efetividade e de justiça social. Muitas têm caráter permanente, como o Simples Nacional (R$ 75 bilhões), isenções no Imposto de Renda (R$ 51 bilhões) e isenções para entidades sem fins lucrativos (R$ 27 bilhões). E a Zona Franca de Manaus (R$ 25 bilhões), prevista na Constituição, foi renovada. Não há como fazer “canetada”. Será necessária a análise caso a caso. Trata-se de uma agenda de longo prazo.
Há o chamado 3D – Desobrigação, Desindexação e Desvinculação –, visando, corretamente, à maior flexibilidade dos orçamentos públicos. São medidas que vão desde a consolidação dos pisos de gastos com saúde e educação dos entes subnacionais (não gera economia de recursos, mas dá maior liberdade para ajustar os gastos às demandas de uma sociedade que envelhece) à diminuição da jornada de trabalho do funcionalismo, com redução proporcional da remuneração. Tema antigo que necessita de ajuste na Constituição, tendo em vista o impasse no STF. É o caso também da autorização de contingenciamento do orçamento do Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, em caso de risco de não cumprimento de regras fiscais, na mesma proporção feita ao Executivo. Esse dispositivo já vale para a esfera federal, conforme previsto na regra do teto, mas não nos demais entes, o que penaliza a oferta de serviços públicos do Executivo.
Há medidas temporárias de caráter emergencial. Ainda assim, são muito importantes para o cumprimento da regra do teto, que é alicerce da taxa de juros do BC em patamares inéditos. Prevê-se o acionamento de medidas corretivas, visando, principalmente, a conter o crescimento dos gastos com pessoal. Essas medidas, que prometem economia de R$ 24,8 bilhões no próximo ano, têm maior chance de prosperar.
O Brasil precisa avançar no ajuste fiscal e melhorar a alocação de recursos públicos. Haverá resistência dos grupos impactados. Vamos ao debate democrático.
*Economista-Chefe da XP Investimentos
Zeina Latif: Quem diria, Chacrinha estava certo
Governador do RS é exemplo da nova política que busca estreitar laços com o cidadão
A forma de fazer política ganha novos contornos diante de mudanças no comportamento social mundo afora. A sociedade atual, conectada, mostra-se mais exigente e, em muitas democracias jovens (ou na falta dela), anseia por maior participação política. Além disso, a capacidade de mobilização aumentou com as redes sociais. Temas aparentemente pequenos podem provocar grandes manifestações, mesmo em um país como o Chile, com indicadores econômicos invejáveis para muitos emergentes.
O aumento da tarifa do metrô foi o estopim para protestos. O governo reagiu com repressão em vez de diálogo. Deu no que deu. O governo errou também ao voltar atrás na decisão e pode ter alimentado a desconfiança dos indivíduos. Afinal, a correção de tarifas não era necessária?
Os novos tempos demandam capacidade de comunicação e diálogo dos governantes. Talvez esse seja o verdadeiro divisor entre a “nova” e a “velha” política.
No Brasil, há elementos adicionais que tornam esse desafio ainda maior: o déficit de credibilidade da classe política por conta da grave crise econômica e dos escândalos de corrupção; a fragmentação partidária no Congresso que dificulta a construção de consensos; e a necessidade de avançar com reformas estruturais que geram perdas de curto/médio prazos localizadas e benefícios difusos de longo prazo. Na ausência de explicações devidas, baseadas em diagnósticos bem fundamentados, a sociedade fica apática e, legitimamente ou não, os grupos afetados tentam bloquear as reformas, pelo medo de perdas. O resultado é a letargia ou reformas aquém do necessário.
Apesar de trabalhosa e até arriscada (quem não tem medo de “panelaços”?), a comunicação pode ser grande aliada dos políticos para obterem apoio da sociedade para enfrentar grupos organizados. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é um bom exemplo da nova política que busca estreitar laços com o cidadão.
Com clareza, o documento Reforma Estrutural do Estado visa a apresentar medidas para reduzir o crescimento dos gastos com a folha, o principal problema no orçamento dos Estados. No RS, o quadro é o mais alarmante, pois há mais aposentados e pensionistas (60%) do que servidores na ativa (40%), e a tendência nos próximos anos é de piora, pois a idade média dos ativos é de 51 anos.
O custo para sociedade é duplo, por financiar o rombo da previdência (cada habitante contribui com R$ 1.038 em impostos por ano para isso, sendo o valor mais elevado entre os entes estaduais), e por não contar com serviços públicos de qualidade.
O primeiro passo do documento é a prestação de contas, apresentando à sociedade o que chama de “verdade fiscal”. Apresenta os principais números: os passivos, o crescimento da folha e seus pagamentos em atraso, a dívida pública e o déficit da Previdência.
O segundo passo é explicar que expedientes passados para cobrir o rombo das contas públicas agravaram o quadro e não estão mais disponíveis. É o caso dos saques do Caixa Único, que inclui depósitos judiciais de partes privadas. O documento também explicita as duas liminares ligadas aos pagamentos de precatórios e à dívida com a União, que reduzem o pagamento mensal dessas obrigações.
Diagnóstico feito, o terceiro passo é apresentar as propostas para corrigir o problema fiscal e, assim, aumentar a capacidade de investimentos: a reforma da Previdência, mudança de regras do magistério estadual e servidores militares e mudança do estatuto dos servidores civis.
O governador não se queixa e tampouco aponta o dedo contra governos passados. Ele encara a realidade e olha para frente, apontando o caminho. Em depoimento recente, ele valoriza os servidores públicos e pede ajuda para fazer o ajuste fiscal. Para isso, ele afirma: “É hora de encararmos nossa situação de frente, sem pirotecnias, sem conversa fiada, sem desviar o olho e sem mentiras”.
O governador, ainda tão jovem, começou bem e já tem muito a ensinar.
*Economista-chefe da XP Investimentos
Zeina Latif: O bom debate
Os gestores devem perseguir as boas práticas e basear-se na melhor evidência disponível
Com frequência se assiste a divergências entre economistas nas recomendações de política pública. Ainda que cause confusão ao cidadão atento, que fica sem saber qual lado está “correto”, o debate saudável contribui para o aprimoramento da ação estatal, sendo elemento importante para o funcionamento da democracia.
A ausência do bom debate contribuiu para o desastre da gestão Dilma. Um governo refratário a críticas. Adotou seu próprio manual de política econômica - a nova matriz macroeconômica (NMM), termo cunhado pelo então secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland –, desqualificando os críticos e ignorando os alertas, alguns dentro do próprio PT. A NMM consistia em expansão fiscal, via gastos públicos e renúncias tributárias, crédito público abundante e taxas de juros do Banco Central baixas, enquanto a experiência acumulada e a literatura econômica consolidada recomendavam cautela naquelas prescrições.
Em 2012, muitos acadêmicos e pesquisadores defenderam que havia espaço para redução dos superávits fiscais, pois os juros baixos e a suposta retomada do crescimento impediriam o crescimento da dívida pública como porcentagem do PIB. Eram tempos em que os nacionais-desenvolvimentistas dominavam o pensamento econômico do País. Os críticos que defendiam a disciplina fiscal eram apontados como defensores de interesses escusos de rentistas ou dos bancos.
A história não acabou bem. O estímulo artificial da economia pressionou a inflação, exigindo grande aperto monetário, o que, somado ao rápido aumento do endividamento público, levou à perda do grau de investimento, agravando o quadro. O resultado foi a crise, possivelmente, mais grave de nossa história.
É curiosa a volta precoce da defesa de aumento dos gastos públicos para estimular a economia. Afinal, o Brasil continua sofrendo com a dívida em alta. Sua estabilização ainda é uma promessa. O País mal começou o ajuste estrutural das contas públicas. Há ainda uma agenda extensa de ajuste para conter o rápido crescimento dos gastos obrigatórios.
Os gestores devem perseguir as boas práticas e basear-se na melhor evidência disponível. Precisam avaliar o custo-benefício das políticas públicas, e isso requer qualidade técnica.
A teoria econômica prevê que o resultado depende das circunstâncias, como a qualidade do gasto público, as condições de solvência do governo e a taxa de poupança do país. A resposta está, pois, na evidência empírica.
Na experiência brasileira, os investimentos públicos têm sido eficazes e gerado crescimento? Qual o tamanho do estimulo à demanda no curto prazo? E qual o impacto no potencial de crescimento de longo prazo, via melhora da infraestrutura ou formação da mão de obra? As evidências estão mais para a baixa eficácia dos investimentos públicos. O Estado gigante gasta mal.
Estimar de forma acurada esse efeito multiplicador não é tarefa tão fácil. Há resultados para todos os lados e, em alguns casos, com problemas e limitações nas técnicas utilizadas. Na dúvida, convém cautela redobrada.
Há também uma boa dose de economia política envolvida. Elevar despesas implica a necessidade de flexibilizar a regra do teto dos gastos. Seria um péssimo sinal para investidores. Mal a emenda constitucional foi promulgada e já se discute seu relaxamento. Equivale a quebrar a dieta quando ela mal começou.
Se isso for feito, a reconquista do grau de investimento estará mais distante e a estratégia de política monetária do BC, que sinaliza Selic de 4,5% a.a. e por um bom tempo, estará ameaçada. O custo é, portanto, elevado. O benefício, nem tanto, pela baixa qualidade dos investimentos públicos.
Não existe política econômica ideal. Há perdas e ganhos no curto prazo, mesmo quando a medida é vantajosa para todos no longo prazo.
O momento pede reformas constitucionais, não para mudar a regra do teto, mas para reduzir gastos obrigatórios, que comprometem quase a totalidade do orçamento federal. O debate precisa mudar de foco.
*Economista-chefe da XP Investimentos
Zeina Latif: Sem conclusões precipitadas
Convém, neste momento, relativizar a importância da queda do CDS do Brasil
O Credit Default Swap (CDS) é um produto financeiro que funciona como um seguro para investidores que adquirem títulos da dívida de países. Quando o risco de calote é elevado, o preço do seguro sobe, e vice-versa. O patamar atual do CDS do Brasil, na casa de 130 pontos-base, significa que o investidor irá pagar, por ano, um prêmio de 1,3% sobre o valor investido.
O CDS do Brasil engatou uma tendência de queda este ano, atingindo patamares equivalentes aos de abril de 2008, quando a S&P elevou o País ao grupo de bom pagador. Para alguns analistas o recuo do CDS representa um selo de qualidade da política econômica e sedimenta o caminho para a recuperação do grau de investimento perdido em 2015. Não convém, porém, ir tão longe nas conclusões, em função de peculiaridades do momento atual.
Os CDS dos países emergentes têm elevada correlação entre si. Seus ciclos são parecidos. Esse fenômeno dá uma noção do peso de fatores externos influenciando a percepção de risco de investidores. Fosse o CDS apenas reflexo de fatores internos, essa correlação seria provavelmente mais fraca, apenas dando conta da natural influência do ciclo econômico mundial sobre os países.
Pelos nossos estudos, duas variáveis externas contribuem para explicar o comportamento do CDS do Brasil: preços de commodities e os juros internacionais.
Preços de commodities mais elevados implicam menor CDS, o que é facilmente explicado, tendo em vista sua importância no desempenho da balança comercial e nos fluxos de recursos estrangeiros para o País. Neste ano, os preços de commodities estão, em média, praticamente estáveis, em linha com os sinais de estagnação do comércio mundial. Assim, podem não estar ajudando na redução do CDS, mas não atrapalham.
As taxas de juros internacionais mais baixas implicam a redução do CDS, possivelmente por reduzirem o custo de captação externa. Em nossos modelos, utilizamos como referência a taxa de juros do tesouro americano com vencimento em 10 anos, que exibe firme trajetória de queda este ano, explicando, pois, a redução do CDS.
Uma forma de ilustrar a importância do ambiente externo é o recuo em curso do CDS de demais países emergentes. Tomamos a média de Chile, Colômbia, México e Peru; países com regime de política econômica parecida com o do Brasil, mas com risco fiscal muito menor por conta do menor endividamento público (em média de 39% do PIB em 2018 contra 87,9% no Brasil, na metodologia do FMI). Na média, o CDS desses países recuou de 110,8 pontos em dez18 para 77,5 em ago18. A queda é mais lenta do que o do Brasil (de 207,5 para 137,1 pontos), o que em parte é explicado pela sua menor volatilidade.
Variáveis internas também têm, naturalmente, peso importante. Nos nossos modelos utilizamos a razão dívida pública/PIB e a medida mensal de PIB calculada pelo Banco Central, o IBC-BR. Ambas têm peso relevante. Crescimento econômico faz reduzir o CDS e elevação da dívida pública, o contrário. Tudo dentro do esperado.
A dívida pública só faz crescer. Não é ela que explica a queda do CDS, portanto. O comportamento da atividade econômica pouco ajuda, pelo baixo crescimento do PIB.
Há algo que não é capturado nos modelos e que reduz sua capacidade de explicar a queda do CDS: as expectativas dos investidores em relação à economia brasileira. Como qualquer preço de ativo, o comportamento do CDS depende de expectativas. Sua queda reflete, pois, uma certa dose de otimismo em relação ao Brasil. Assim, a perspectiva de aprovação da reforma da Previdência, ainda que com suas limitações, foi provavelmente muito importante para explicar a redução do CDS.
Convém, portanto, relativizar a importância da queda do CDS do Brasil, em que pesem as limitações dos modelos econométricos utilizados. Seria precipitado interpretá-la como um selo de qualidade da política econômica, pois há a influência do ambiente externo e, provavelmente, uma boa dose de expectativas, que poderão ou não se manter adiante.
Vamos aguardar os próximos passos da agenda de reformas.
*Economista-chefe da XP Investimentos
Zeina Latif: A composição do crescimento importa
Uma das consequências do baixo crescimento é que a recuperação da economia não é disseminada entre os setores. Uns poucos conseguem ter bom desempenho em meio ao marasmo e até contração de outros tantos.
Alguns setores são menos sensíveis ao ciclo econômico doméstico e contribuem para a resiliência da economia. É o caso das exportações. Se, por um lado, o comércio mundial estagnado afeta o volume exportado e os preços das exportações em dólar, por outro, o aumento da cotação do dólar preserva e até infla sua rentabilidade. Os preços de exportação em reais subiram 20,4% em 2018 e 6,3% no acumulado até julho. Vale citar que o dólar forte, em boa medida, resulta da própria fraqueza do comércio mundial, que penaliza comparativamente menos o EUA.
Nesse grupo, a agropecuária tem também se beneficiado da combinação da guerra comercial entre EUA e China e da peste suína na China. No ano passado, o volume exportado aumentou 16% e até julho deste ano, 3,5%. Os preços dos produtos exportados em reais tiveram modesto recuo até julho, de 2%, mas depois de subirem 17% no ano passado.
Além disso, a agropecuária, bem como os demais exportadores de commodities, sofre menos com o custo Brasil, em que pese a infraestrutura precária e a questão ambiental ainda mal resolvida. Destacam-se a carga tributária mais baixa e a menor utilização de mão de obra.
Esses setores, no entanto, têm baixo peso no PIB e reduzido impacto nas cadeias produtivas. Seu dinamismo é boa notícia para as regiões exportadoras (e para a balança comercial), mas pouco estimula o crescimento.
O economista sênior da XP, Marcos Ross, calculou índices de centralidade para os setores da economia com base nos dados do IBGE (consumo Intermediário dos setores com base nas tabelas de Insumo-Produto de 2010). Essas são métricas que visam a quantificar a importância total (direta e indireta) de um setor na economia. A conclusão é que a agropecuária e a indústria extrativa têm reduzido peso nas cadeias produtivas (8,3% somadas), pouco acima do reduzido peso no PIB (7,5%).
Há setores mais sensíveis ao quadro doméstico, que se beneficiam mais rapidamente e intensamente do corte de juros e a consequente recuperação do crédito. O destaque é a venda de automóveis. A boa notícia é que tem-se observado uma maior disseminação no aumento das vendas do varejo, o que é promissor.
Mais recentemente, a construção civil deu sinal de recuperação. O desempenho não é uniforme. Aparentemente, as moradias para alta renda ganham ímpeto, enquanto o segmento comercial ao menos completou seu ciclo de retração. O aumento do crédito imobiliário e a flexibilização de regras do setor são os principais condicionantes. Já a construção pesada tem um longo caminho pela frente, principalmente com mudança de marcos regulatórios e redução de insegurança jurídica. As concessões de infraestrutura avançam, mas há apetite bem menor para projetos novos.
Aqui mais uma limitação. O setor de construção também não é “puxador” de PIB. Nos cálculos de Ross, o impacto na economia (3,1%) é inferior ao próprio peso no PIB (5,3%).
Os puxadores de PIB são a indústria de transformação e alguns serviços. A influência da indústria na economia (26,8%) é muito maior que seu peso no PIB (10,3%). No setor de serviços, os puxadores são transportes e serviços de informação, somando 15,7%, acima dos 7% dos pesos somados no PIB.
A indústria, bem como os serviços, pouco cresce, sendo que não se nota aumento da disseminação na recuperação de ambos. O problema é estrutural, de falta de competitividade, impactando segmentos de serviços atrelados a ela. O aumento da demanda de consumidores tem pouco beneficiado o setor. É o caso da construção civil. Pelos nossos cálculos, sua recuperação tem gerado mais aumento da importação do que da produção doméstica de insumos.
Aqui mora o perigo. Os setores que mais influenciam a dinâmica econômica estão tendo pior performance. A economia poderá ganhar tração, mas muito lentamente.
* Economista -chefe da XP Investimento