xenofobia

Advogada que fez declaração xenófobica contra nordestinos é exonerada pela OAB | Imagem: reprodução

Advogada que fez declaração de xenofobia contra nordestinos é exonerada pela OAB

Por Carolina Portilho e Luís Fellipe Borges*, g1 

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https://www.youtube.com/watch?v=sb1PgEpQonc

Advogada de Uberlândia associa Região Nordeste à pessoas que vivem de migalhas

Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Uberlândia se posicionou na noite desta quinta-feira (6) sobre as declarações de xenofobia da advogada Flávia Aparecida Rodrigues Moraes. Em vídeo publicado das redes sociais, ela afirmou que "não vai mais alimentar quem vive de migalhas", se referindo à população nordestina (veja o vídeo acima).

No posicionamento, o presidente da OAB Uberlândia, José Eduardo Batista, informou que o órgão decidiu por exonerar Flávia do cargo de vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada. Ela já havia pedido licença do posto após o vídeo circular nas redes sociais.

"Reiteramos que não compactuamos com os lamentáveis fatos veiculados nas redes sociais, nem com as expressões usadas pela advogada", declarou o presidente.

Também nesta quinta, a Defensoria Pública de Minas Gerais propôs uma ação civil pública contra Flávia. O órgão pede que a advogada pague R$ 100 mil em danos morais.

Ao g1, por meio de uma assessora de imprensa, Flávia declarou que se arrepende do que disse, mas que a conduta, embora reprovável, "não se encontra tipificada como crime em qualquer dispositivo legal vigente". Confira o posicionamento na íntegra mais abaixo.

Posicionamento da OAB

Além de exonerar a advogada da comissão, a OAB Uberlândia afirmou, em nota, que também determinou a abertura de processos éticos-disciplinares pelo Conselho de Ética e Disciplina da Subseção e pelo Tribunal de Ética Regional, em atenção aos pedidos de representação disciplinar protocoladas por advogados e autoridades de Uberlândia e região.

"Apresentamos nossas sinceras desculpas ao povo nordestino e em especial à advocacia nordestina e advocacia brasileira pelas manifestações ofensivas da referida advogada, postadas nas redes sociais", completa a nota.

Ação civil pública

Em nota enviada à imprensa, o defensor público Evaldo Gonçalves da Cunha afirmou que a indenização será destinada a entidades de combate ao preconceito, racismo e xenofobia. A advogada também deverá se retratar das declarações pelas vias adequadas.

"A ré propaga falas preconceituosas e discriminatórias, causando um constrangimento ao povo nordestino de magnitude imensurável", escreveu.

No texto da ação, a Defensoria Pública declara que o objetivo do processo é "o reconhecimento dos direitos de milhões de brasileiros nordestinos, sejam os lá residentes ou os que de lá se originam, de terem respeitada a sua identidade, como corolário da dignidade da pessoa humana".

O órgão indica que a advogada teria explicitamente incitado a discriminação do povo nordestino, o que configura o crime de "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".

Quando cometido em um meio de comunicação social, como a internet, a pena prevista para o crime é reclusão de dois a cinco anos e multa.

"Em que pese o direito de liberdade de expressão ser constitucionalmente garantido, tal direito não é absoluto e deve ser exercido em observância à proteção à dignidade da pessoa humana", aponta a ação.

Entenda o caso

Flávia Aparecida Moraes publicou um vídeo em uma rede social dizendo que "não vai mais alimentar quem vive de migalhas", se referindo aos moradores da região Nordeste do Brasil.

Vestidas com as cores verde e amarela, ela e mais duas mulheres não identificadas fazem um brinde enquanto deixam claro que não irão mais àquela região turística do Brasil e que preferem gastar o dinheiro no Sul e Sudeste ou até fora do país.

Vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB Uberlândia, Flávia Aparecida Moraes — Foto: Redes Sociais/Reprodução

Vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB Uberlândia, Flávia Aparecida Moraes — Foto: Redes Sociais/Reprodução

Na descrição do vídeo, Flávia ainda escreveu: "Lamentavelmente mais necessário, precisamos ser racionais. Democracia é democracia (sic)".

Na publicação, o áudio da advogada é quase encoberto pela música ao fundo, mas é possível identificar o que ela diz:

"A todos aqueles brasileiros que a partir de hoje têm que ser muito inteligente. Nós geramos empregos, nós pagamos impostos e sabe o que que a gente faz? A gente gasta o nosso dinheiro lá no Nordeste. Não vamos fazer isso mais. Vamos gastar dinheiro com quem realmente precisa, com quem realmente merece. A gente não vai mais alimentar quem vive de migalhas. Vamos gastar o nosso dinheiro aqui no Sudeste, ou no Sul ou fora do país, inclusive porque fica muito mais barato. Um brinde a gente que deixa de ser palhaço a partir de hoje", disse Flávia Moraes.

Segundo a 13ª Subseção da OAB, a advogada pediu licença do cargo que ocupava na entidade para se dedicar pessoalmente sobre o assunto. Já a OAB-MG informou, na quarta-feira (5), que vai tomar as providências cabíveis no âmbito ético disciplinar.

"A OAB repudia de forma veemente as expressões utilizadas que materializam preconceito e discriminação contra o povo nordestino. Caracteriza um tipo de xenofobia regional intolerável, inadmissível. A OAB MG recomenda à OAB de Uberlândia que independente da licença requerida pela colega a destitua do cargo porque ela não tem condições de participar desta gestão", disse o presidente da ordem mineiro, Sérgio Leonardo em vídeo publicado em rede social.

O que disse Flávia

"Em razão de manifestação pessoal publicada em minhas redes sociais, venho a público me desculpar por compreender a infelicidade do que foi falado, uma vez que é totalmente incompatível com meus valores. Minha conduta, embora reprovável, não se encontra tipificada como crime em qualquer dispositivo legal vigente.

A exposição da minha fala foi feita por terceiros, sem o meu consentimento, e fez com que eu siga atacada com as mais diversas formas de violência contra a mulher, tendo que blindar a mim e minha família. A infelicidade da minha fala não pode autorizar ou justificar a prática de crimes graves contra a minha pessoa, que vão desde injúria e difamação, até mesmo a apologia ao estupro. Em um Estado Democrático de Direito os fins não justificam os meios.

Lamento pela repercussão desta infeliz colocação e me arrependo profundamente pelo ocorrido, desculpando-me com todas as pessoas de origem nordestina que tenham se sentido ofendidas, retratando-me completamente."

*Texto publicado originalmente no site G1


Diversidade cultural | Imagem: Lightspring/Shutterstock

Nas entrelinhas: Os Brasis que vão às urnas com Lula e Bolsonaro no segundo turno

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputarão o segundo turno das eleições no dia 30 de outubro, alcançaram 48,43% e 43,20% dos votos no primeiro turno, respectivamente. Lula venceu em 14 estados; e Bolsonaro, em 12, além do Distrito Federal. Esse resultado revela uma profunda divisão do país, que também ocorreu em eleições anteriores.

O petista ficou com a maioria dos votos em todos os estados do Nordeste, enquanto Bolsonaro teve maior adesão em todos os estados do Sul e Centro-Oeste. As regiões Sudeste e Norte ficaram divididas. No Sudeste, Lula venceu em Minas Gerais, mas perdeu nos outros três estados. No Norte, quatro estados ficaram com o ex-presidente; e três, com o atual, entre os quais o Pará.

Há muitas leituras para essa divisão entre os Brasis meridional e o setentrional, principalmente o Nordeste. Uma delas é a de que o Brasil moderno apoia Bolsonaro, enquanto o atraso está firme com Lula e não abre. Esse tipo de interpretação já se traduziu numa guerra suja de memes nas redes sociais, na qual o preconceito contra os nordestinos revela uma xenofobia estranha e perigosa para a coesão social e a unidade nacional.

Xenofobia é a hostilidade e o ódio contra pessoas por elas serem estrangeiras ou por serem enxergadas como estrangeiras, como às vezes acontece com os nordestinos no Sul do país. Esse sentimento já foi muito comum no Rio de Janeiro, contra os “paraíbas”, e em São Paulo, em relação aos “baianos”, como eram chamados de forma generalizada, durante o processo de urbanização e industrialização do país, que atraiu para essas metrópoles grande número de migrantes, que fugiam da miséria, da fome e da seca do Nordeste. Em Brasília, a expressão “candango”, que era pejorativa em relação aos que trabalharam na construção da nova capital, porém, virou sinônimo de brasiliense.

Autor de Casa Grande & Senzala, o sociólogo Gilberto Freyre foi muito contestado por estabelecer como padrão para a formação do patriarcado brasileiro a composição étnica do Nordeste brasileiro, principalmente de Pernambuco. Em resposta, na conferência “Continente e ilha”, apresentou sua tese de que nos desenvolveríamos social e culturalmente em ilhas, e essas ilhas, em arquipélagos, ou numa enorme ilha-continente. Segundo Freyre, na América Portuguesa haveria uma base cultural lusitana e cristã que nos daria unidade, e, por consequência, seria a chave da brasilidade.

“Desculturização”

Freyre destacou que o “processo sociológico de povoamento” do Sul do país, a partir de Porto Alegre, se desdobrou em dois sentidos: no de ilha e no de continente. Ressaltou, ainda, as contribuições italianas e alemãs à cultura nacional, que chamou de “valores neobrasileiros”, mas que só ganham espaço na medida em que são assimilados pela cultura nacional. Quanto a isso, chamou atenção para o “pangermanismo”, que representaria uma ameaça real, que viria a ser duramente combatida por Getúlio Vargas após o Brasil entrar na guerra contra o Eixo.

Os sentimentos de continente e de ilha seriam antagonismos constitutivos do Brasil e estariam em equilíbrio, uma vez que o contrário disso nos sujeitaria “(…) a uma verdadeira guerra civil, na sua psicologia social e dentro de sua cultura”. É mais ou menos o que está ocorrendo neste momento de radicalização política.

Por outro lado, essa xenofobia reflete um processo regressivo de “desculturização”, que outro genial intérprete do Brasil, Darcy Ribeiro, atribuiu à crueldade, à rigidez e ao autoritarismo com que se deu a associação entre negros, índios e brancos no processo de colonização e que se reproduz em razão do nosso deficit educacional e atraso cultural, inclusive das elites econômicas.

Segundo Darcy Ribeiro, foi dentro dos cenários regionais que a busca de si mesmo se fez necessária para se iniciar o nosso processo civilizatório. A “humanidade” renasceria da extinção de povos, com suas línguas e culturas próprias e singulares, a partir do surgimento de macroetnias maiores e mais abrangentes. Darcy registra a existência dos Brasis “crioulo”, “caboclo”, “sertanejo”, “caipira” e “sulino”, facilmente identificados, por exemplo, na nossa cultura popular, mas que também têm expressão na forma como se faz política nas diferentes regiões do país.

De certa forma, Lula e Bolsonaro se identificam com maior ou menor facilidade com cada um desses Brasis. Ou seja, a divisão política e ideológica do país tem uma dimensão antropológica que precisa ser levada em conta para que possa ser superada, condição para a construção de qualquer projeto de futuro em bases democráticas e que busca a superação de nossas desigualdades e iniquidades sociais.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-os-brasis-que-vao-as-urnas-com-lula-e-bolsonaro-no-seguindo-turnoo/

Demétrio Magnoli: Vírus verde e amarelo

Entrou na moda proclamar que o Brasil converteu-se em risco biológico global

Sob a hashtag #VariantBresilien, a xenofobia contra brasileiros espalha-se pelas redes sociais e as ruas da França. Na nossa língua comum, difunde-se também em Portugal (Folha, 17/4). O vírus tem pátria?

No auge da nossa segunda onda pandêmica, entrou na moda proclamar que o Brasil converteu-se em risco biológico global. “O Brasil é uma ameaça à humanidade e um laboratório a céu aberto”, disse Jesem Orellana, epidemiologista da Fiocruz, obtendo eco entre divulgadores científicos pop e comentaristas de jornais e TV. É asneira —mas uma daquelas asneiras que se quer inteligente.

A fogueira da pandemia chegou ao Ocidente pelo túnel da Lombardia. Na época, ninguém teve a ideia de rotular a Itália como “ameaça à humanidade”. Depois, o incêndio tomou a Europa, antes de atingir níveis assombrosos nos EUA —e, felizmente, o rótulo repulsivo permaneceu sem uso. Por que o Brasil, não os outros?

Vírus sofrem mutações. As mutações surgem por acaso, fixando-se segundo as regras da seleção natural. Variantes mais contagiosas, possivelmente mais letais, do coronavírus emergiram no Reino Unido, na África do Sul, nos EUA. O Brasil é o berço da P.1, que circula também no Chile, na Argentina e no Uruguai. Nas ilhas britânicas, identificou-se a B.1.1.7, hoje predominante na Europa e, talvez, nos EUA. A sul-africana B.1.351 parece resistir à vacina da AstraZeneca. O que há de singular com o Brasil?

As variantes se difundem sem precisar viajar em aviões, navios ou automóveis, pelo fenômeno da convergência evolutiva que propicia o aparecimento independente de mutações similares em regiões geográficas diferentes. A Índia ultrapassou o Brasil e lidera as estatísticas globais de contágio. Lá, identificou-se a B.1.617, que carrega 13 mutações. #IndianVariant, vamos brincar de xenofobia?

No rastro dos atentados jihadistas do 11 de setembro de 2001, o Ocidente aprendeu a lição abominável de associar o terror à figura do estrangeiro muçulmano. Duas décadas depois, sob a pandemia, estreia uma versão adaptada do filme antigo que associa um letal inimigo invisível aos estrangeiros. Trump escreveu o roteiro básico; discípulos distraídos o imitam, introduzindo mudanças ajustadas às suas próprias agendas políticas.

O ex-presidente americano inventou o “vírus chinês”, correlacionando uma nação a um agente infeccioso submicroscópico com a finalidade de cobrir o fracasso sanitário de seu governo. No Brasil, o cordão de puxa-sacos liderado por Bolsonaro e Ernesto Araújo reproduziu, à exaustão, o álibi xenófobo trumpiano. Um ano depois, antibolsonaristas operam com o mesmo bisturi, apelando à deturpação do discurso científico para identificar uma nação a variantes daquele agente infeccioso.

Trump disseminou a tese conspiratória de que o vírus foi fabricado num laboratório chinês, do qual teria escapado para contagiar o mundo. O tema do Brasil como ameaça biológica planetária bebe na mesma fonte e repete um refrão similar. “O Brasil é um laboratório a céu aberto para o vírus se proliferar e eventualmente criar mutações mais letais. Isso é sobre o mundo.” (Miguel Nicolelis). “O país está se tornando uma ameaça global à saúde pública.” (Pedro Hallal).

Se o fim é virtuoso, por que se preocupar com os meios? Que tal proceder como Trump, quando se trata de alertar sobre a onda epidêmica avassaladora no Brasil, denunciar o negacionismo sem fim do governo federal, salvar vidas? A resposta é que, depois da pandemia, ainda haverá um mundo —e seus contornos políticos serão largamente definidos pelos conceitos cristalizados nesses meses sombrios.

Uma coisa é marcar a testa de Bolsonaro com o sinete da vergonha; outra, bem diferente, é traçar um círculo sanitário ao redor dos brasileiros. O vírus não tem pátria. Pandemias não têm hino ou bandeira. #IndianVariant, é por aí que queremos ir?​ 


Demétrio Magnoli: Um vírus para os populistas

Trump agarrou-se ao coronavírus para propagar a xenofobia

O impacto econômico do novo coronavírus reflete-se mais na linguagem fotográfica que na das estatísticas. Duas imagens de satélite revelam que a nuvem de poluentes sobre o nordeste e o leste da China desapareceu durante o intervalo entre janeiro e fevereiro. Fotos mostram o Coliseu e a Piazza Navona, em Roma, sem as habituais hordas de turistas, neste início de março. Nouriel Roubini, “Dr. Desgraça”, o economista que ganhou celebridade ao prever a crise financeira de 2008, volta à cena profetizando uma depressão mundial.

A China conecta os polos das cadeias de produção globais, Ásia de um lado, Europa e EUA de outro. A subtração de pontos percentuais do crescimento chinês implica em forte desaceleração geral. Estimativas da OCDE apontam a hipótese de redução pela metade do crescimento global.

O índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, desabou das alturas dos 29 mil pontos, em 19 de fevereiro, para quase 25 mil, dez dias depois. Acostumados com um mercado ascendente de quatro anos, os investidores ainda imaginam uma efêmera curva em forma de V — e voltaram a comprar no início de março, animados pela rápida reação do Fed, o banco central dos EUA. Vozes mais pessimistas, porém, alertam para um ajuste longo, um poço cujo fundo poderia situar-se nos 16 mil pontos do início de 2016.

Trump agarrou-se ao vírus para propagar a xenofobia, vetando provisoriamente a entrada nos EUA de chineses. Depois, diante da balbúrdia nas bolsas, girou o timão, entregando a condução da crise sanitária a especialistas em saúde pública. No erro e no acerto circunstancial, sua bússola única é a campanha da reeleição.

A Europa, já estagnada, está ainda mais exposta que os EUA. “Suponha um declínio agudo na China”, sugeriu o economista Kenneth Rogoff em meados de janeiro, quando as nuvens de poluentes ainda pairavam sobre o país. “Isso seria catastrófico para a Europa, que depende muito das exportações para a China. Haveria uma recessão global, colocando tremenda pressão nos integrantes frágeis da Zona do Euro.”

Navegando um “novo normal” de taxas de juros reais negativas, o Banco Central Europeu dispõe de escassa munição de política monetária para frear a queda. A alternativa dos estímulos fiscais parece inviável, pois a Zona do Euro carece de política fiscal comum e o consenso ortodoxo alemão fecha esse atalho. A recessão que se desenha detonaria as economias mais deficitárias, como a da Itália.

Há quem ironize as teorias conspiratórias assegurando que o vírus nasceu num laboratório secreto do nacionalismo populista. No palco político, uma reinstalação da crise do euro impulsionaria os partidos da direita nacionalista, especialmente na Itália (a Liga, de Salvini) e na Alemanha (a AfD).

O pânico difunde-se mais até que o próprio vírus. O isolamento compulsório de metrópoles chinesas inteiras, as quarentenas de navios de cruzeiro e resorts, o noticiário alarmista, a torrente de fake news nas redes sociais produzem efeitos sociais de longo prazo. Os partidos populistas de direita enxergam no vírus um pretexto ainda mais perfeito que o dos imigrantes e renovam seu clamor pelo fechamento das fronteiras internas da União Europeia. Roubini ecoa o grito dos populistas, pedindo a medida extrema que produziria a depressão para a qual ele alerta.

A crise de 2008 brotou das engrenagens descontroladas dos mercados financeiros. A depressão que se insinua no horizonte emergiria da difusão do pavor num ambiente intoxicado pelos nacionalismos. A China é parceiro comercial decisivo e fonte crucial de investimentos para as economias do mundo árabe, da América do Sul e da África. Nessas periferias, o fantasma da turbulência social espreita atrás dos gráficos da desaceleração do PIB.

Paulo Guedes oculta as insuficiências da política econômica na coroa do vírus, mas seus críticos erram quando ignoram o cenário externo. A fuga de capitais rumo à fortaleza do dólar anula os efeitos da queda dos juros e sabota a reativação do investimento privado. Os populistas europeus celebram; os nossos não têm nenhum motivo para festejar.