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El País: STJ manda afastar Witzel do Governo do Rio sob suspeita de corrupção em contratos

Operação nesta sexta-feira cumpre mandado de prisão do Pastor Everaldo, presidente do PSC, e faz buscas contra primeira-dama e presidente da Assembleia Legislativa

Superior Tribunal de Justiça (STJ) ordenou nesta sexta-feira o afastamento do governador Wilson Witzel (PSC) do cargo por 180 dias e autorizou diversos mandados de prisão e de busca e apreensão em endereços ligados às principais autoridades do Rio de Janeiro. A investigação é um desdobramento da Operação Placebo, que investiga corrupção em contratos do Executivo fluminense na área da saúde e que mirou o governador em maio. Agora, a suspeita é a existência de um amplo esquema de corrupção que envolveria também outras áreas da administração e que teria a participação de membros do Legislativo e do Judiciário.

As medidas foram determinadas pelo ministro Benedito Gonçalves, que em decisão monocrática também proibiu o acesso de Witzel às dependências do Governo, com exceção do Palácio Laranjeiras, sua residência oficial, e vetou a comunicação dele com funcionários e a utilização dos serviços do Estado. O Ministério Público Federal chegou a pedir a prisão preventiva do governador, mas o ministro entendeu ser suficiente o seu afastamento do cargo para evitar a continuidade das supostas atividades de corrupção e lavagem de dinheiro apontadas na investigação.

Agentes da Polícia Federal cumprem mandados no Laranjeiras, no Palácio Guanabara, na residência do vice-governador e na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, além de outros endereços no Estado. Entre os alvos das ordens de busca e apreensão estão a primeira-dama, Helena Witzel, o vice-governador, Cláudio Castro (PSC), e o presidente da Assembleia Legislativa, André Ceciliano (PT). Há também 17 mandados de prisão, sendo seis preventivas (sem prazo) e 11 temporárias. Um dos alvos é Pastor Everaldo, presidente do PSC, partido de Witzel, que foi detido nesta manhã.

A operação desta-sexta foi chamada de Tris in Idem, uma referência ao fato de se tratar do terceiro governador do Rio que se “utiliza de esquemas ilícitos para obter vantagens indevidas”, nas palavras dos procuradores. Os ex-mandatários Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, ambos do MDB, estão presos em decorrência de investigações da Operação Lava Jato.

Witzel, que é ex-juiz, foi eleito em 2018 com um discurso anticorrupção e aliado ao bolsonarismo. Segundo a Procuradoria, porém, desde a sua vitória no pleito organizou-se no Governo um esquema criminoso dividido em três grupos, que disputavam o poder mediante o pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos. “Liderados por empresários, esses grupos lotearam algumas das principais pastas estaduais —a exemplo da Secretaria de Saúde— para implementar esquemas que beneficiassem suas empresas”, dizem os investigadores em nota.

Em maio, Witzel foi alvo de uma operação que investigava um contrato emergencial assinado entre o Governo e a organização social Iabas no valor de 835 milhões de reais para construir e gerir sete hospitais de campanha para pacientes infectados com o coronavírus. De acordo com a Procuradoria, esse esquema de direcionamento de licitações era o principal mecanismo de atuação do grupo. Os investigadores apontam a existência de uma “caixinha de propina” abastecida pelas organizações e a cobrança de um percentual sobre pagamentos que abastecia mensalmente agentes políticos e servidores públicos da Secretaria da Saúde.

“O grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em pleno pandemia da covid-19, sacrificando a saúde e mesmo a vida de milhares de pessoas, em total desprezo com o senso mínimo de humanidade e dignidade”, destacou o ministro do STJ na sua decisão.

O esquema de desvios não se limitava ao Poder Executivo, segundo a investigação. Na Assembleia Legislativa, deputados estaduais são suspeitos de repassar sobras de duodécimos, percentuais recebidos por lei do Governo, para o tesouro estadual. “Dessa conta única, os valores dos duodécimos ’doados’ eram depositados na conta específica do Fundo Estadual de Saúde, de onde eram repassado para os Fundos Municipais de Saúde de municípios indicados pelos deputados, que, por sua vez, recebiam de volta parte dos valores”, detalha a Procuradoria.

No Judiciário, as organizações atuariam por meio do pagamento de dívidas trabalhistas judicializadas. Com a ajuda de um desembargador, segundo aponta a investigação, entidades pagavam honorários a uma advogada que, após obter as decisões favoráveis, repassava os valores para os participantes do esquema.

Denúncia

Em uma das frentes de investigação, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Witzel, a primeira-dama e outras sete pessoas, incluindo advogados e empresários. O objeto da investigação são os pagamentos de empresas ao escritório de advocacia de Helena Witzel, realizados supostamente a partir de contratos simulados para permitir a transferência de valores à família do governador. Foram denunciados os empresários Mário Peixoto, Alessandro Duarte, Cassiano Luiz; Lucas Tristão, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de Witzel; João Marcos Borges Mattos, ex-subsecretário executivo de Educação; Gothardo Lopes Netto, ex-prefeito de Volta Redonda (RJ); e o contador Juan Elias Neves de Paula.

Outro lado

Em nota, a defesa do governador Wilson Witzel afirmou receber “com grande surpresa a decisão de afastamento do cargo, tomada de forma monocrática e com tamanha gravidade”. Os advogados dizem que aguardam o acesso ao conteúdo da decisão para tomar as medidas cabíveis.

Também em nota, o PSC declarou que o Pastor Everaldo sempre esteve à disposição de todas as autoridades, assim como o governador Wilson Witzel. Com a prisão de Everaldo, o ex-senador e ex-deputado Marcondes Gadelha, vice-presidente nacional, assume provisoriamente a presidência da legenda. O partido afirma ainda que o calendário eleitoral do partido nos municípios segue sem alteração.


Bernardo Mello Franco: Unidos contra a saúde

Jair Bolsonaro e Wilson Witzel eram aliados, viraram concorrentes e hoje são inimigos. Mas há algo que ainda os une: o descaso com a saúde pública.

O presidente já forçou a saída de dois ministros na pandemia. Sem encontrar outro médico disposto a rasgar o diploma, entregou a pasta da Saúde a um general paraquedista. O interino tem fracassado no combate ao vírus. Até aqui, só se notabilizou pela tentativa de maquiar estatísticas e esconder mortes pela Covid.

O governador do Rio também perdeu dois secretários em plena crise. O primeiro, Edmar Santos, caiu num escândalo de corrupção. O segundo, Fernando Ferry, pediu demissão para não “sujar o CPF”. Ameaçado de impeachment, Witzel imitou Bolsonaro e foi buscar o substituto no quartel. Seu terceiro secretário de Saúde é Alex Bousquet, coronel do Corpo de Bombeiros.

Em entrevista ao GLOBO, Ferry descreveu um cenário de descontrole. “É um descalabro administrativo muito grande, que nunca vi na vida. É muita improbidade”, contou ao repórter Paulo Cappelli. O médico se queixou da falta de equipamentos e remédios. “O poço é muito mais fundo do que eu pensava”, resumiu.

Na gestão Witzel, a saúde pública voltou a virar caso de polícia. Nos últimos dois meses, três operações desmontaram esquemas no setor. Uma delas incluiu buscas no Palácio Laranjeiras. Dois subsecretários e um superintendente foram para a cadeia, acusados de fraudes.

Além das prisões, três fatos ajudam a dar a dimensão do descalabro. O Estado comprou mil respiradores mecânicos e só recebeu 52. O governador anunciou sete hospitais de campanha e só entregou dois. A Secretaria de Saúde firmou 66 contratos emergenciais e 44 foram cancelados por irregularidades graves.

As mortes continuam em alta no Brasil e no Rio, mas Bolsonaro e Witzel seguem de costas para a pandemia. O presidente faz de tudo para evitar a prisão do filho, e o governador só pensa em salvar o próprio mandato.
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Mais um feito da Nova Era: para se blindar de processos, o capitão conseguiu desmoralizar até o “Diário Oficial”.


Bernardo Mello Franco: Na estreia, Witzel aposta em poses militares e retórica de guerra

Na semana de estreia, Wilson Witzel caprichou nas poses militares e na retórica de guerra. Ele mal começou a governar, mas já faz planos de concorrer ao Planalto

Wilson Witzel começou o governo em ritmo de campanha. Na primeira semana, ele caprichou nas poses militares e na retórica de guerra. Em ao menos seis ocasiões, repetiu a promessa de liberar o abate de traficantes. “A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo!”, resumiu, em entrevista recente.

No domingo, o governador foi ao enterro de um PM baleado na Linha Amarela. O funeral virou palanque para novas declarações de impacto. O ex-juiz anunciou que vai “aniquilar e asfixiar” o crime. Outros políticos já disseram o mesmo, mas nenhum deles conseguiu derrotar as quadrilhas com o gogó.

Ontem Witzel tocou seu realejo na posse do novo chefe da Defensoria Pública. O governador disse que os criminosos serão tratados como terroristas e “abatidos” pela PM. Depois da solenidade, o defensor precisou lembrar que a Constituição proíbe a pena de morte. Os agentes da lei só têm licença para matar em casos de legítima defesa ou para garantir a vida de terceiros. Fora dessas hipóteses, podem responder por homicídio.

Seria exagero dizer que o tiro ao alvo e a extinção da Secretaria de Segurança são as únicas propostas de Witzel para o setor. Na quinta-feira, ele disse que o Rio precisa erguer a “nossa Guantánamo”. O presídio americano ficou conhecido como centro de torturas e abusos sexuais. Apresentado como solução contra o terrorismo, virou um problema para a Casa Branca.

O Palácio Guanabara tem sido uma máquina de moer políticos. Os últimos dois governadores estão presos, e outros dois já passaram temporadas na cadeia. O ex-juiz se candidatou como um ilustre desconhecido e conquistou quase 60% dos votos. Agora precisa se cuidar para que essa confiança não escorra pelo ralo.

Na semana de estreia, o eleitor ganhou algumas pistas para entender a cabeça de Witzel. Na sexta, O GLOBO revelou que ele mandou confeccionar a faixa que usou na cerimônia de posse. O adereço não fazia parte do protocolo, mas ajudou a engalaná-lo nas fotos. Em conversas com aliados, o ex-juiz tem repetido que vai concorrer ao Planalto em 2022. Mal começou a governar e já está de olho em outro cargo.


Luiz Carlos Azedo: Licença para matar

“A Constituição garante o direito à vida e à liberdade, mas as mudanças no Código Penal para ajustá-lo aos direitos humanos nunca obtiveram consenso amplo. Há uma disjuntiva com a segurança pública”

O governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, do PSC, anunciou ontem que já solicitou um levantamento sobre os “snipers” (atiradores de elite) das polícias civil e militar fluminense. Também adiantou que pedirá ao novo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), que prorrogue a presença das Foças Armadas no Rio, com um decreto de Garantia da Lei e da Ordem, por mais 10 meses. Juiz federal afastado das funções, Witzel pretende pôr em prática uma polêmica proposta do general Augusto Heleno, futuro ministro da Defesa e um dos integrantes da equipe de transição do novo governo federal: autorizar que integrantes das unidades especiais do Exército atirem primeiro nos traficantes ostensivamente armados de fuzis e outros armentos privativos das Forças Armadas.

“Tinha cinco elementos de fuzil. Ali, se você tem uma operação em que os nossos militares estão autorizados a fazer o abate, todos eles seriam sido eliminados”, disse Witzel, comentado cenas de uma reportagem de tevê que havia flagrado bandidos ostensivamente armados numa favela carioca. Segundo o governador, policiais especializados em disparos precisos e a longa distância também poderão ser colocados em helicópteros para efetuar os disparos. A autorização para o abate de criminosos de fuzil nas ruas, segundo o novo governador, é uma interpretação pessoal do Código Penal. “Prefiro defender policiais no Tribunal do que ir a funeral. O policial será defendido. Se condenado, nós vamos recorrer. Se a sentença for mantida, é um risco que a gente corre. O que me deixa desconfortável é ver bandido com fuzil na rua”, disse.

As declarações geraram protestos da Anistia Internacional, que saiu em defesa da legislação vigente. Mas a discussão está posta desde a intervenção federal na segurança pública fluminense, cuja eficácia é questionada por quem é a favor e contra a presença dos militares no combate aos traficantes. Os primeiros defendem mais segurança jurídica para o Exército atuar, endurecendo as leis; os segundos, são contra a intervenção porque a consideram ineficaz e questionam a capacidade operacional das tropas federais, que empregaram muito pouco as unidades de operações especiais.

A eleição de Jair Bolsonaro pôs na ordem do dia a discussão sobre o endurecimento das penas e o porte de armas. Nas suas primeiras declarações, o novo presidente defendeu a redução da maioridade penal, que está pronta para ser votada na Câmara, segundo o atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e a liberação da posse de arma nas zonas rurais, que foi aprovada no plebiscito sobre desarmamento. A Constituição garante o direito à vida e à liberdade, mas as mudanças feitas no Código Penal para ajustá-lo aos direitos humanos nunca obtiveram consenso suficientemente amplo. Criou-se uma disjuntiva entre direitos humanos e segurança pública, na qual movimentos de defesa dos direitos humanos e autoridades policiais sempre se digladiam.

Inimigos
Essa pauta foi uma das prioridades da campanha de Bolsonaro, que conseguiu transformá-la num divisor de águas em razão do aumento da violência e da expansão do tráfico de drogas. Entre os criminalistas, essa discussão também está posta, influenciada pela doutrina jurídica alemã.

O jurista Günther Jakobs separa o direito penal do cidadão aplicado ao criminoso comum, que tem as mesmas proteções constitucionais de qualquer cidadão, do chamado “direito penal do inimigo”, que estabelece critérios e punições diferenciadas para indivíduos considerados mais perigosos para a sociedade, como os terroristas, por exemplo. Nesse caso, o Estado poderia suprimir alguns direitos e garantias individuais, o que não é permitido pela nossa Constituição, que foi fortemente influenciada pela doutrina dos direitos humanos.

O jurista Norberto Bobbio foi um dos autores mais reverenciados pelos constituintes, não é à toa que Ulisses Guimarães chamou a Carte de 1988 de “Constituição Cidadã”. Para o mestre italiano, os direitos fundamentais do homem foram duramente conquistados ao longo do processo civilizatório, que passou por uma encruzilhada na II Guerra Mundial. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU, foi um estatuto criado para que as democracias pudessem se precaver contra o fascismo, sob o impacto do Holocausto, o assassinato em massa de judeus pelos nazistas, ordenado por Hitler, o ditador alemão. Aprovada em 10 de dezembro de 1948, a declaração influenciou vasta legislação internacional e a Constituição de praticamente todos os países democráticos. O nosso não é exceção.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-licenca-para-matar/