William Waack
William Waack: ‘Uma ideia’
Será que se percebe que a crise em que estamos é resultado do apego a ideias equivocadas?
Lula preso deveria ser página virada na história política do País, mas temo que não seja. É óbvio que a prisão do principal chefe populista brasileiro em mais de meio século virou símbolo de enorme relevância numa esfera, a da política, que vive de símbolos. Não é pouca coisa ver atrás das grades um poderoso e rico, como Lula. Também não se pode ignorar o efeito para a autoestima de enorme parcela da população da noção do fim da impunidade. Um homem que nunca demonstrou grandeza exibiu-se apequenado e raivoso ao ser preso em meio a seguidores da seita que ainda conduz. Contudo, não é o destino do indivíduo aqui o mais relevante.
Ironicamente, Lula foi condenado e inicialmente preso por crime incomparavelmente menor em relação aos que cometeu, e não considero como pior deles o formidável aparato de corrupção que presidiu com a alegre colaboração de elites sindicais, acadêmicas, empresariais e o corporativismo público e privado. Apequenar o Brasil lá fora, diminuindo nosso peso específico, destruir o tecido de instituições (começando pelo da Presidência), fazer a apologia da ignorância e decretar o atraso no desenvolvimento econômico compõem pesada conta que mal começou a ser paga. O Brasil teve o azar de abraçar o lulopetismo na curva de subida de um benéfico superciclo global de commodities que não se repetirá por muito tempo.
Em outras palavras, a pior e imperdoável obra lulista foi ter desperdiçado uma (única?) oportunidade de livrar o País rapidamente de desigualdade e injustiça sociais.
A prisão de Lula, paradoxalmente, não parece estar aprofundando entre nós o debate em torno dos eixos que seriam essenciais para recuperar o País em prazo mais dilatado – digamos, a próxima geração. Será que, além dos erros de conduta do indivíduo Lula, percebe-se que a crise em que estamos (começando pela econômica) é resultado do apego a ideias completamente equivocadas? O ímpeto de punir aumentou e, junto dele, consolida-se a perigosa noção de que vale tudo para pôr rápido na cadeia quem for denunciado – claro, diante da ineficiência da Justiça não chega a ser tão espantosa assim a evolução dessa mentalidade punitiva. Estamos na fase de mandar às favas os princípios (o verbo mais usado é outro, impublicável), contanto que o safado esteja preso. Porém, temo ter de afirmar que já caímos na armadilha, começando pelas elites pensantes, de acreditar ingenuamente que lavando a jato corruptos o sistema político volta a funcionar.
Não parece ter ganhado ainda sentido e direção claros essa onda de descontentamento e indignação que encurralou a política e agora fracionou perigosamente o Judiciário – que de fato manda hoje na política, por meio de figuras populares que não foram eleitas. Primeiras instâncias do Judiciário, por exemplo, pegaram o gosto de sangue e emparedam instâncias superiores pela atuação política em redes sociais e mídia. Por sua vez, as instâncias superiores estão profundamente divididas e renderam-se ao hábito de falar dentro e fora do plenário do STF para o que consideram que sejam suas audiências prediletas. Nesse quadro fluido e volátil não consigo identificar um Estado-Maior ou Central da Conspiração (muito menos das Forças Armadas).
No plano geral da política hoje não há quem puxe, só há empurrados. Por um fluxo que pede “mudança” sem apontar qual (fora o anseio, legítimo e correto, pelo impecável ficha-limpa). Falta algo importante ainda para que o encarceramento do populista sem caráter corresponda a uma página de histórica virada. Meu receio é de que a prisão de Lula acabe surgindo como grande evento que, na percepção do dia a dia, não se revela tão grande assim. Nesse sentido, vale a pena citar o que ele disse ao discursar para integrantes da seita no dia da prisão, quando declarou ser ele mesmo “uma ideia”. É ela que nos atrasou e conduziu à beira do abismo. Precisa ser derrotada, e ainda não foi.
Germano Martiniano: William Waack e as redes sociais
Minha primeira reação a ver o vídeo de William Waack dizendo, “preto, coisa de preto”, foi condená-lo, afinal um jornalista do seu porte não poderia dar uma brecha dessas. Depois, repensando o caso, conversando com amigos, lendo opiniões na internet, comecei a questionar o limite entre a vida pública e a vida privada, e como as redes sociais interferem neste processo.
Para compreendermos melhor o caso de Waack precisamos, antes de tudo, definir algumas situações: piadas e expressões cotidianamente usadas em nossa vida PARTICULAR devem ser condenadas publicamente e passível de punições, como no caso do jornalista da Globo? Vamos aos argumentos possíveis:
1) Usando o caso de Waack, os que o condenam por racismo poderão dizer, “mesmo as piadas particulares ajudam a perpetuar, ainda que inconscientemente, um conceito de superioridade ou inferioridade de raça, que a acaba por se transferir para vida pública”.
2) Os que defendem não o comentário de Waack, porém que ele não seja execrado pela opinião pública e que não seja demitido pela Globo, podem afirmar, “mas, como iremos controlar o que cada pessoa diz em sua vida particular?”.
Precisamos analisar as possibilidades. No primeiro caso, o discurso de que piadas e expressões transferem para vida pública o pré-conceito tem fundamento, porém leva, inevitavelmente, para o segundo caso e o problema fica maior: definir o que é moralmente aceito ou não na vida particular das pessoas.
O mundo atual, defensor ferrenho das liberdades individuais, neste caso de Waack discute: ele merece punição? Se ele dissesse ao vivo, para o povo brasileiro, sim! Mas, ele disse em seu particular. Temos de convir, que ainda que discordemos do que as pessoas dizem na vida privada, como condená-las publicamente e exigir punições? Não seria querer estabelecer um padrão de comportamento que é paradoxal com o intuito das liberdades individuais?
Não se analisa aqui conteúdo em si, pois como dito Waack vacilou, estamos analisando a vida privada das pessoas, na qual cada cabeça é um universo que necessita ser respeitado, desde que o mesmo não cerceie a individualidade alheia e respeite as leis sociais. Ou seja, desde que palavras, piadas, expressões etc., não se tornem em atos públicos que irão reduzir os direitos de certos grupos sociais!
Redes Sociais
Com o advento dos “super-celulares” que todas as pessoas possuem e são capazes de registrar e investigar a vida alheia e também com o discurso do politicamente correto que impera nos dias atuais, o limite entre vida pública e privada está, cada vez mais, confuso. Se o mundo passar a ser um lugar de “detetives de plantão” com smartphones, teremos de julgar e condenar a maioria da população.
Outro problema em se julgar situações a partir de vídeos, textos, fotos e áudios em redes sociais é que, na maioria das vezes, o contexto da situação que se espalhou é ignorado. A pessoa acusada é perseguida por um ato isolado sem que se análise sua vida no geral e até mesmo o fato originou a acusação. Sem falar nas edições de vídeos, imagens e áudios, nas quais se pode “planejar o crime perfeito”.
Como disse a jornalista Lúcia Boldrini, citada em texto de Reinaldo Azevedo em defesa de Waack, “no dia em que os esfoladores conseguirem acabar também com o nosso sarcasmo privado, só sobrarão eles, os esfoladores”.