voz de guarulhos
Eduardo Rocha: Riqueza concentrada e pobreza ampliada
Como desgraça pouca é bobagem e nunca vem desacompanhada, a pandemia da Covid-19 mudou os modos de vida, contaminou maleficamente as esferas da produção, distribuição, comércio, finanças, processo de trabalho, emprego, renda, saúde, lazer, cultura, esporte, Estados nacionais, organismos multilaterais, comércio mundial - enfim, toda a arquitetura da sociabilidade humana local, nacional, regional e global – e aprofundou a distância entre dois polos quantitativo e qualitativamente opostos: o da riqueza concentrada e o da pobreza ampliada.
O relatório Riding the storm, do banco suíço UBS e da consultoria PwC, mostra, por exemplo, que os 2.189 magnatas globais somados (em julho deste dramático ano de 2020) aumentaram seu patrimônio líquido para U$ 10,2 trilhões, em plena pandemia.
Os Estados Unidos lideram o ranking. A fortuna dos seus bilionários chegou a US$ 3,6 trilhões. Depois vem a China (US$ 1,7 trilhão), Alemanha (US$ 594,9 bilhões), Rússia (US$ 467,6 bilhões), França (US$ 442,9 bilhões), Índia (US$ 422,9 bilhões), Hong Kong (US$ 356,1 bilhões), Reino Unido (US$ 205,9 bilhões), Canadá (US$ 178,5 bilhões) e, em décimo lugar, o Brasil (US$ 176,1 bilhões. Coexistindo com o crescimento dessa riqueza concentrada está o decréscimo da renda da pobreza ampliada. O terreno da desgraça é longo e fértil em frutos maléficos.
O Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) aponta 1,3 bilhão de pessoas no mundo vivendo na pobreza. O Banco Mundial diz que até 2021 a pandemia levará mais 150 milhões à extrema pobreza (renda diária de até US$ 1,90 ou cerca de R$ 10). A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima quase 690 milhões de famintos no mundo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula que 1,6 bilhão de pessoas estão na precarizante informalidade trabalhista. O Brasil tem hoje cerca de 13 milhões de desempregados, 40 milhões de trabalhadores informais e precarizados.
Foi na seção 4 do capítulo XXIII do Livro 1 de O Capital (1867) que Karl Marx (1818-1883) expos que, sob o capitalismo, a acumulação de riqueza num polo é ao mesmo tempo acumulação relativa de miséria no polo oposto. Tal tendência acentua-se! Não basta, portanto, aplicar uma vacina segura que elimine a Covid-19. É preciso erradicar sua herança nefasta. E não será com caridade/filantropia que se faz isso ou se desativa o mecanismo da acumulação da riqueza, de um lado, e da miséria, de outro.
O infarto econômico mundial causado pela Covid-19 demanda, mais do que as atuais terapias intensivas, uma nova arquitetura socioeconômica global via uma Conferência Mundial pela Produção e pelo Emprego, sob a responsabilidade da Organização das Nações Unidas (ONU), visando harmonizar os fluxos monetários e financeiros internacionais de modo a canalizar a poupança pública e privada em investimentos produtivo-reais.
Daí pode sair uma vacina democrático-civilizatória de modo a anular e superar a força gravitacional da recessão mundial tenebrosa e de um futuro sinistro e sombrio e permita a construção de um embrião de um novo padrão global de desenvolvimento neste século XXI.
*Eduardo Rocha é Economista
Eduardo Rocha: Desoneração com redução de jornada para geração de emprego
As desonerações feitas até agora sobre a folha de pagamento não exigiram das empresas nenhuma contrapartida no sentido de ampliar os empregos dos 17 setores beneficiados (eram 28 até abril de 2018), dentre eles os de calçados, call center, comunicação, têxtil, couro, construção civil e de infraestrutura, transporte metroferroviário, rodoviário coletivo e de cargas, automotivo, proteína animal, máquinas e equipamentos, tecnologia da informação, projeto de circuitos integrados.
A atual desoneração, de um lado, libera as empresas do desconto de 20% ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, de outro, cobra alíquotas que vão de 2% a 4,5% sobre o valor da receita bruta. O benefício fiscal, que acabaria agora em dezembro de 2020, foi prorrogado até dezembro de 2021, por decisão de deputados e senadores, mas o presidente Jair Bolsonaro vetou a prorrogação. O Congresso Nacional, contudo, votará, nos próximos dias, pela derrubada do veto presidencial e o benefício assim ganhará mais tempo de vida.
Chama a atenção que não há uma só amarração no sentido de vincular o benefício à ampliação de empregos dentro desses setores desonerados. A lógica prevalecente é a de manter ou reduzir o mínimo possível os já existentes. Já passou do ponto ou da hora de enfim capital, trabalho e governo pactuarem um conjunto de medidas orientadas para erguer uma ação público-privada baseada no tripé formado pela desoneração com redução de jornada para geração de emprego.
Isso não é impossível de ser feito. A ampliação do emprego via redução da jornada de trabalho de 39 para 35 horas semanais na França, ainda no governo de Lionel Jospin (1997-2002), virou realidade ao garantir que a redução de impostos sobre a folha de pagamento para todas as empresas com mais de 20 empregados fosse acompanhada da redução da jornada de trabalho e da contratação de trabalhadores adicionais.
O desemprego é resultado de múltiplas causas, dentre as quais se destacam a chamada reestruturação produtiva (expressão da necessidade do permanente revolucionamento da ciência e da técnica aplicadas ao processo gerador de valor) e a dos descaminhos das políticas macroeconômicas recentes e agora, fundamentalmente, a causada pela pandemia no novo coronavírus.
A Covid-19 provocou um infarto econômico mundial e reconfirmou ontologicamente o trabalho – este eterno e necessário intercâmbio entre o gênero humano e a natureza para a reprodução da vida – como a força material fundante na gênese e no desenvolvimento do ser social. A retomada da atividade econômica deve ser pautada pela inovação necessária para colocar na ordem do dia, dentre outras questões, uma nova "geografia" do tempo do trabalho para que cada um trabalhe menos para que todos possam trabalhar.
*Eduardo Rocha é economista
Eduardo Rocha: Qual austeridade fiscal ou quem pagará a conta (5)?
A questão fiscal caminha num terreno movediço dentro dum nevoeiro traiçoeiro e sobre uma estreita, fina e frágil faixa de terra, cuja travessia requer todo o cuidado para não cair, de um lado, na contração fiscal e, de outro, na expansão descontrolada do déficit primário e da dívida pública.
Ambas têm efeitos negativos na economia, na execução das políticas sociais essenciais, nas próprias finanças públicas (recessão traz queda da arrecadação), na repartição do “bolo” tributário entre União, estados e municípios, e, por fim, no imaginário popular sobre os benefícios socioeconômicos da democracia.
Não há uma solução única e simples para um problema complexo. É necessário um conjunto de medidas para a recuperação financeira do Estado. Além da reforma tributária justa, essencial para alavancar o crescimento, repactuar financeiramente a federação e garantir a rede de proteção social, é preciso definir os eixos de uma austeridade fiscal que não sacrifique a execução das políticas públicas em suas diversas frentes nem bloqueie a promoção do desenvolvimento.
Dentre esses eixos estão o corte de privilégios fiscais à minoria, maior controle social sobre os gastos públicos, melhor aparelhamento dos órgãos fiscalizadores e arrecadadores, combate implacável à sonegação, dentre outras ações destinadas a interromper a corrosão fiscal.
Por mais que os gastos sociais sejam presas fáceis a todo receituário de austeridade conservadora, a conta do equilíbrio fiscal não pode ser jogada à pobre mesa dos miseráveis. Na mão da tesoura fiscal há o dedo da morte do social.
Não se trata, portanto, só de recuperação fiscal, mas da reinvenção do papel do Estado rumo a um “Estado 5G” e de sua relação com uma sociabilidade brasileira que coexiste com o atraso e o moderno em suas entranhas. Trata-se ainda de determinar qual a natureza das reformas estruturais necessárias para sair das órbitas da reedição de mais uma década perdida e da perpetuação das mazelas sociais seculares.
Como esse debate é 5% técnico e 95% político, tomo aqui emprestado um feliz raciocínio exposto em abril deste ano pelo primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, à primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, quando dos debates acerca do futuro europeu e diante dos discursos glaciais dos tecnocratas: “- Nós estamos escrevendo uma página da história da humanidade, e não um manual de economia.”
Afirmamos o mesmo em nosso caso. Não se trata de escrever um novo clássico de economia política, mas de escrever as futuras páginas da democracia e da civilização brasileiras.
*Eduardo Rocha é economista
Eduardo Rocha: Qual austeridade fiscal ou quem pagará a conta (4)?
Os artigos anteriores apresentaram resumidamente a essência clássica de uma austeridade fiscal conservadora para fazer frente aos déficits fiscais que se fazem presentes em determinados momentos históricos. Destacaram ainda que tal essência volta a ser defendida por círculos financistas como a “vacina” ideal para a recuperação financeira do Estado e enfrentamento da brutal depressão econômica verificada no Brasil, como prova a queda histórica 13,5% do Produto Interno Bruto (PIB) na comparação de abril de 2020 com abril de 2019, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
O avanço veloz da pandemia do novo coronavírus Sars-Cov-2 e da Covid-1 criou uma situação fiscal preocupante: por trás, os gastos; pela frente, a dívida e, na cabeça, a dúvida. Com as reduções do PIB, do emprego, da renda, do consumo, da receita e o crescimento dos gastos, do déficit e da dívida pública, defende-se aqui que a austeridade não pode nem deve repetir seu receituário clássico conservador, pois sua reedição aprofundará a depressão e agravará o quadro social.
Destinar mais uma vez os resultados financeiros da austeridade em favor das oligarquias e do parasitismo financista especulativo – essa economia dos papeis que compra tudo o que é fruto concreto do saber e do suor humanos – é um crime social e econômico.
É necessária uma austeridade fiscal democrática financeiramente eficaz, socialmente inclusiva, promotora do desenvolvimento, que combata o desperdício, a ineficiência, a ineficácia e elimine a concessão de recursos públicos a grupos sociais e econômicos dominantes fortemente articulados politicamente no aparelho estatal e centros decisórios da República.
A natureza de uma austeridade democrática casada a uma reforma social e econômica rompe, assim, a histórica, repetitiva, criminosa e imoral austeridade fiscal que consistiu até agora em sacrificar os miseráveis mantendo intocáveis os privilégios do “andar de cima”, emprestando aqui a definição de Elio Gaspari.
Tal austeridade democrática supera a estreiteza de perspectivas e ações que caracteriza a política de austeridade conservadora defendida pelos grupos econômicos e financeiros dominantes e entusiasticamente cultuada pelos círculos financistas em torno ministro da Economia, Paulo Guedes.
Reunida quantitativamente a força política para lhe dar vida, o que não é nada fácil, os resultados financeiros da austeridade fiscal democrática podem ser qualitativamente direcionados para a melhoria dos serviços públicos essenciais, a inclusão produtivo-social de milhões cidadãos e ao apoio às empresas do presente e do futuro. (continua…)
*Eduardo Rocha é economista
Eduardo Rocha: Qual austeridade fiscal ou quem pagará a conta (3)?
Não há dúvida que aumentaram extraordinariamente as despesas públicas para fazer frente aos efeitos nefastos da pandemia da Covid-19, que fez diminuir a arrecadação de impostos por conta da paralisação econômica inédita. A Secretaria do Tesouro Nacional estima que o rombo nas contas públicas (União, estados, municípios e empresas estatais) deverá somar R$ 708,7 bilhões em 2020, ou 9,9% do Produto Interno Bruto (PIB). No caso do déficit nominal, que inclui os juros da dívida, deve chegar a R$ 1 trilhão e o PIB poderá ter uma queda histórica de até 10%.
A pandemia da Covid-19 aguçou, por conseguinte, o debate sobre como superar esse rombo, como garantir o futuro fiscal do Estado e qual o seu papel na retomada econômica. Para fazer frente a essas questões há o velho e batido discurso de austeridade fiscal feito pelo pensamento convencional que expressa política e intelectualmente os interesses dos grupos dominantes da economia e das finanças, cujo receituário é o liquidacionismo estatal nas esferas econômica e social.
Tal austeridade conservadora baseada nesse liquidacionismo consiste na privatização ampla, geral e irrestrita, na eliminação da regulação do Estado sobre o privado, na manutenção generosa dos privilégios fiscais (isenções, incentivos, subsídios etc.) a grupos dominantes e o corte glacial e impiedoso do gasto público nas áreas sociais sensíveis, perpetuando assim as desigualdades, injustiças e desequilíbrios regionais de desenvolvimento.
O maligno tem bela aparência. Em sua forma, a austeridade conservadora apresenta-se como o paraíso à maioria, mas, em sua essência, conserva os privilégios da minoria. Se os EUA dos anos 30 do século XX convocassem os espíritos do futuro para tirá-los da Grande Depressão e a história fosse tão malvada e enviasse o receituário de Paulo Guedes para salvar-lhes, a grande nação norte-americana não seria o que é hoje. Na história, há utopias que são verdades avançadas, mas há outras que são mentiras eternas.
O momento histórico da vida nacional está certamente cheia de riscos, mas oferece a grande oportunidade de se trabalhar dentro da própria crise para, desviando das areias movediças em que a sociedade atual corre o risco de afundar, transformar a natureza da austeridade fiscal numa outra orientação capaz de caminhar rumo à renovação da nossa República democrática.
Recuperação e sustentabilidade financeira do Estado diante das crises cíclicas inerentes ao capitalismo (cada vez mais integrado nas cadeias globais de valor) e da inédita crise causada pela COVID-19, demandam outra austeridade fiscal, de natureza democrática. É o que trataremos no próximo artigo.
*Eduardo Rocha é economista
Eduardo Rocha: Qual austeridade fiscal ou quem pagará a conta (2)?
Na ausência da utópica “mão invisível do mercado” para combater os efeitos maléficos da devastadora recessão econômica causada pela Covid-19, Europa, Estados Unidos e Brasil escantearam seus dogmas fiscalistas restritivos e partiram direta, aberta e desavergonhadamente para a abertura do bolso do Estado (até emissão de dinheiro fizeram) para salvarem empresas e desafortunados da crise.
Agora, ganha força a pregação da austeridade fiscal como um dos instrumentos de recuperação financeira do Estado brasileiro (União, estados e municípios), mas o modo como será aplicada determinará a salvação de uns ao paraíso dos privilégios fiscais e a condenação de outros ao inferno dos castigos tributário-sociais.
A natureza da austeridade fiscal será determinada pela correlação de forças econômicas, sociais e políticas que, ora à luz do dia ora nas sombras clandestinas, lutam entre si para determinar quem pagará a conta dos gastos extraordinários para fazer frente aos efeitos econômicos e sociais da pandemia.
Os cavaleiros do apocalipse fiscal afirmam que a austeridade e as “reformas estruturantes” são a precondição necessária para operar os milagres da retomada do crescimento econômico; da redução do déficit primário, da dívida pública/encargos; da recapacitação financeira do Estado; da ampliação do crédito, do consumo, dos investimentos, do emprego etc.
Os ingredientes dessa sua austeridade são a criação de mecanismos impeditivos ao acesso aos benefícios sociais e a redução de valores e contingentes do programa Bolsa Família, do Benefício Programado Continuado (BPC), do abono salarial, do seguro-desemprego, dos aposentados e pensionistas; do corte salarial dos servidores; a perpetuação da defasagem da tabela do Imposto de Renda; a manutenção dos benefícios fiscais aos grandes grupos econômicos e dos privilégios a militares, magistrados e parlamentares.
Completa essa austeridade fiscal a privatização ampla, geral e irrestrita; a desregulamentação total da economia; a aniquilação dos direitos trabalhistas; a redução de impostos a empresas (e igrejas); a desoneração da folha de pagamento, entre outras.
A natureza política da austeridade defendida pelo ministro Paulo Guedes é a expressão concentrada dos interesses dos grandes grupos econômicos e financeiros, que desejam reformas que consolidem um Estado máximo para uma minoria e um Estado mínimo para a maioria de modo a viabilizar um Estado máximo para a acumulação de capital e um Estado mínimo para o social.
Tal austeridade amplia os muros das desigualdades e mantém invicta a cabeça de Medusa que petrifica o desenvolvimento, perpetua os flagelos dos hediondos déficits sociais históricos que envergonham e frustram a nação.
Outra austeridade fiscal é necessária e falaremos dela.
Eduardo Rocha é economista
Eduardo Rocha: Qual austeridade fiscal ou quem pagará a conta (1)?
A colossal recessão econômica prevista para o Brasil e o mundo coloca na ordem do dia a construção de alternativas para atravessar o oceano vermelho das estatísticas econômicas e sociais de modo a chegar vivo na outra margem da história para recomeçar a vida num mundo sombrio pós Sars-Cov-2 e Covid-19.
Ao lado do esforço de salvar vidas é preciso retomar a) os investimentos; b) as atividades econômicas nacionais e internacionais; c) o emprego; d) as rendas do trabalho; e) a arrecadação tributária e f) promover a recapacitação das finanças públicas para fazer frente aos velhos, novos e plurais déficits - além de remodelar o modo social de vida.
A recuperação fiscal do Estado brasileiro (União, estados e municípios), a diminuição da dívida pública/encargos e a melhora dos serviços públicos constituem um tema que provoca trovões e relâmpagos devido ao duelo entre os interesses da minoria eternamente privilegiada e os da maioria perpetuamente espoliada.
Já se ouvem as pregações dos cavaleiros do apocalipse fiscal anunciando um futuro caótico caso não haja austeridade fiscal – cuja natureza é um debate necessário, principalmente sobre quem pagará a conta dos gastos extraordinários.
E como profetas sinistros de uma nova aurora humana já receitam como remédio de recuperação econômica, de um lado, a dolorosa via (para quem?) da “austeridade fiscal” e do “privatiza tudo que tá aí”, e, doutro, pronunciam a ameaçadora advertência: “não venham taxar a alta renda nem a propriedade”.
A pandemia congelou o topo do vulcão do debate das reformas, dentre as quais a tributária. Quando o inverno passar, o calor represado será liberto em altas temperaturas e as lavas expelidas moldarão a nova fisionomia do financiamento do Estado e da estrutura social e econômica. Quais alternativas?
Praticar uma terapia fiel à primeira fase da Escola de Chicago manifesta nas opções já citadas acima, levará o enfermo à morte e, com ele, a desestruturação do sistema macroeconômico e gerará inicialmente um reclamo, depois um tumulto, uma jornada, uma rebelião, uma revolta e, por fim, uma revolução.
Promover uma reforma fiscal combinada a um projeto de reforma social renovadora da sociedade brasileira constituiria uma obra de engenharia democrática. Algo, aliás, difícil de ser realizado no quadro atual que a democracia está sob ataque dos saudosistas de 64 que ocupam o Palácio do Planalto.
É preciso superar o quadro atual, fortalecer a democracia, as instituições e, num amplo pacto democrático e social, rumar no cumprimento das promessas centrais desfiladas nas lutas pela redemocratização e consagradas na Constituição de 88.
Qual austeridade fiscal ou quem paga a conta? Debateremos isso nos próximos artigos.
*Eduardo Rocha é economista
Eduardo Rocha: O pós-coronavírus - Por uma Conferência Mundial pela Produção e Emprego
A violência meteórica da pandemia global do coronavírus em todo o sistema de reprodução social do gênero humano fez surgir em diversos segmentos de vários países inúmeras iniciativas práticas como respostas emergenciais ao esforço gigantesco em salvar vidas, proteger as populações e manter a produção e serviços essenciais à população. Esses esforços estão em curso.
Velhas e novas contradições coexistem e provocam transformações no modo cotidiano de vida; na saúde pública; na ciência; nas relações capital-trabalho; no mercado financeiro; no mundo da produção e serviços; nas relações Estado-sociedade-mercado; na renda e tributação; na gestão das finanças públicas; no comércio mundial; na globalização; nas instituições multilaterais; no direito; nas ideologias etc. etc.
O infarto econômico mundial causado pelo novo coronavírus e COVID-19 demanda mais do que as atuais terapias intensivas. Demanda uma nova arquitetura socioeconômica global voltada para o futuro da humanidade de modo a livrá-la da força gravitacional abismal da recessão mundial tenebrosa, da profunda insegurança, da pavorosa incerteza e de um futuro sinistro e sombrio.
Pode ajudar na construção dessa nova arquitetura socioeconômica global a realização, sob a responsabilidade da Organização das Nações Unidas (ONU), de uma Conferência Mundial pela Produção e pelo Emprego (CMPE) visando harmonizar os fluxos monetários e financeiros internacionais de modo a canalizar a poupança pública e privada em investimentos reais com as globais necessidades sociais, produtivas, de emprego e desenvolvimento global dos povos.
Seria como uma “Conferência de Bretton Woods da Produção e do Emprego” focada na criação de políticas e ações multilaterais para fazer valer a reativação econômica - da produção, do emprego, do pleno funcionamento da rede de proteção social e pavimentar minimamente as vias macroeconômico-globais para impulsionar o desenvolvimento em vastas regiões do planeta.
Além dos chefes de Estado, desta Conferência deveriam participar as demais organizações multilaterais – Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Mundial da Saúde (OMS), Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e representantes do empresariado, dos trabalhadores e do mundo acadêmico.
O coronavírus abriu uma nova página da história e desafia o gênero humano a escrevê-la e apontar para onde ir. A estupidez e o egoísmo o levarão à barbárie; a inteligência e a solidariedade, à civilização. Qual a sua escolha?
*Eduardo Rocha é economista
Eduardo Rocha: Qual o futuro humano?
Para investigar tanto os vícios da natureza humana quanto os fenômenos da natureza, Baruch Spinoza (1632-1677) procurava “não rir, não chorar, mas compreender”. Compreender, interpretar, sim; transformar, porém, é o que importa, completaria Karl Marx (1818-1883).
Cada geração de cada época histórica tem diante si problemas inéditos que produzem grandes acontecimentos qualitativamente transformadores que trazem consequências multifacetadas, incalculáveis e imprevisíveis em todas as dimensões da vida humana e da natureza.
E o gênero humano, ao confrontar-se com tais problemas, criou soluções que transformaram a realidade e forjaram princípios, métodos, ideias, códigos, procedimentos e valores que se tornaram um patrimônio imperecível legado às futuras gerações.
E a humanidade está diante de um grande e inédito problema. Já é difícil compreender a diferença entre Conoravírus, Novo Coronavírus, SARS-COV-2 e COVID-19, imagina então compreender o impacto da pandemia no futuro da história humana universal.
Coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias, ensina o Ministério da Saúde. Esse vírus tem vários tipos e o mais novo e temível, inicialmente chamado de “Novo Coronavírus”, foi descoberto em 31/12/19, na China.
Seu nome oficial foi escolhido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e recebeu a sigla em inglês SARS-COV-2, que significa: "Severe Acute Respiratory Syndrome - Conavirus 2" ou, em tradução livre, “Síndrome Respiratória Aguda Grave do Coronavírus 2".
É este SARS-COV-2 que provoca a doença chamada de Coronavírus (COVID-19), palavra composta por CO (Corona), VI (Vírus), D (Doença) e 19 (ano que surgiu a doença).
Um salto na natureza pode durar milhares ou até milhões de anos, mas na história humana ele se dá às vezes num tempo infinitesimal e, dependendo de sua envergadura, provoca a abertura de uma nova época histórica onde tudo nunca mais será qualitativamente como antes.
Hoje a defesa da vida passa por deter a pandemia, achar a vacina contra o vírus e a cura da doença, que afetam a todos os povos, fazem eruptir todas as contradições nacionais e globais e colocam em xeque a totalidade do atual modo de vida humano.
Constituem desafios teórico-científicos e político-práticos que medirão o grau dos limites e possiblidades da consciência humana na superação do vírus apocalíptico e na promoção do reordenamento das relações produtivas e sociais da humanidade.
Não podemos nem devemos ser fatalistas. O inimigo global pode ser derrotado. A vida, salva! E a civilização humana, neste mundo íntegro e interdependente, construir um novo futuro, universalmente pacífico, democrático, humanista, justo, solidário, fraterno, desenvolvido, ambientalmente sustentável e tendo, por fim, a ciência e a natureza como seus eternos aliados.
Eduardo Rocha é economista
Eduardo Rocha: Um antivírus econômico ao coronavírus
Situações extraordinárias exigem soluções extraordinárias. A reativação da economia brasileira no curto prazo, o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos programas sociais, o combate à desaceleração econômica e a proteção dos desempregados e informais demandam a adoção pelo governo federal e Congresso Nacional de uma medida imediata, extraordinária e extrema. Vejamos.
O governo federal enviou ao Congresso a Proposta de Emenda à Constituição n° 187, de 2019 (PEC dos Fundos Públicos), para que os cerca de R$ 220 bilhões retidos nos 281 fundos fossem destinados exclusivamente a abater a Dívida Pública.
Essa medida não dinamiza a economia, não gera um emprego nem um centavo nos bolsos dos 11,9 milhões desempregados, 38,3 milhões informais e 4,7 milhões desalentados (trabalhadores que desistiram de procurar trabalho), não ajuda o SUS nem os programas sociais no combate ao coronavírus. É necessário redirecionar esse dinheiro para frentes produtivas e sociais precisas e vitais.
A primeira é concluir cerca de 14 mil obras paradas em todo o País e já listadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e reunidas no livro “Obras Paradas: Entrave para o Desenvolvimento do Brasil” (Outubro/2019), elaborado pela Comissão Externa das Obras Inacabadas da Câmara dos Deputados. Seriam necessários mais de R$ 40 bilhões para que elas fossem concluídas. Dinheiro tem e está paralisado nesses fundos. É preciso dar-lhe vida produtiva.
Tais investimentos elevarão de imediato o nível de emprego formal direto. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) prevê a criação de 500 mil empregos diretos quando as obras forem reativadas. Se cada emprego direto gera, no mínimo, três indiretos, o total de emprego gerado vai para 1,5 milhão. Essa inclusão produtiva precisa obedecer a todos os procedimentos de prevenção ao coronavírus.
A segunda destinação é múltipla: a) fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS); b) incluir os mais de três milhões de pessoas que estão na fila de espera do Bolsa Família; c) dar um 13° emergencial aos 4,6 milhões de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e d) e criar o Cadastro Único dos Informais para que o trabalhador 1) receba nos próximos quatros meses um abono de um salário mínimo, desde que ele não usufrua de nenhum outro benefício, 2) tenha passe livre no transporte público e 3) e suspenso o pagamentos de água, luz e gás, inclusive aos desempregados.
Mudar o destino dos recursos dos Fundos para estes fins é fazer girar a roda da economia através do investimento público produtivo e social gerando, emprego, renda, consumo, circulação, lucro, produção, melhora da infraestrutura e elevação das receitas tributárias oriundas da dinamização econômica, além de proteger milhões de brasileiros socialmente vulneráveis contra o coronavírus. O Estado precisa atuar já. Usem maciçamente o dinheiro do BNDES, Caixa e Banco do Brasil. As empresas não podem fechar e o trabalhador e sua família não podem morrer, nem de fome nem de doença. O superávit da vida das pessoas e da economia deve prevalecer sobre o déficit fiscal.
*Eduardo Rocha é economista
Eduardo Rocha: Fortunas e salários na reforma tributária
Quando crescem no mundo e no Brasil as críticas à desigualdade e os apelos à taxação dos ricos, é decepcionante a afirmação (Valor Econômico - 11/02/2020) do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), negando taxar as grandes fortunas na reforma tributária. “Nunca tratei [de taxação de] grandes fortunas e não vou tratar”, disse na saída de almoço com empresários na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ).
Em contrapartida, seguem vigentes os enormes prejuízos aos salários causados pela injustiça tributária expressa na defasagem da tabela do Imposto de Renda (IR) que atingiu astronômicos 103,87%, segundo estudo do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco).
Entre 1996 e 2019, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) somou 327,37%, enquanto os reajustes realizados pelo governo chegaram a 109,63%. Nos últimos 23 anos, em apenas cinco as correções superaram a inflação: 2002, 2005, 2006, 2007 e 2009. Desde 2016, não há correção da tabela.
Hoje é isento de IR quem ganha até R$ 1.903,98. Se a tabela fosse corrigida pela inflação acumulada, cerca de 10 milhões de contribuintes que ganham até R$ 3.881,65 ficariam isentos de pagar o IR.
Entre 1976 e 1978, o Brasil tinha 16 faixas de renda nas tabelas do IR, o que garantia maior progressividade. Entre 1983 e 1985, a tabela tinha 13 faixas e a alíquota máxima era de 60% (já foi de 65% entre 1963-1965). A partir da década de 1990 - à exceção dos anos de 1994 e 1995 - o número de faixas caiu para três e a alíquota máxima reduziu-se para 25%. Em 2009, a tabela foi novamente modificada, com a adoção de cinco faixas de salário e alíquota máxima de 27,5%.
Enquanto os poderes centrais são imperdoáveis com os assalariados, pois arrocham o seu poder de compra e fazem que mais e mais trabalhadores entrem na faixa que começa a pagar IR, esses mesmos poderes são dóceis à ''moneycracy'' (dinheirocracia) - que não abrirá mão tão fácil de seus privilégios fiscais.
A Comissão Mista do Congresso Nacional a ser criada para formatar a reforma tributária deve ser pressionada por milhões de cidadãos para que a tabela do IR seja corrigida e que os que mais têm e ganham paguem mais.
Caso contrário, a reforma será um teatro farsesco onde valerá a máxima do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em seu clássico “O Leopardo”: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está” – marcando mais uma vez, infelizmente, o triunfo e alegria da minoria e a derrota e tragédia da maioria.
*Eduardo Rocha é economista
Eduardo Rocha: O que está em jogo na reforma tributária?
Desde os sumérios (4.000 a.C), egípcios (3.000 a.C.), romanos (800 a.C), gregos (477 a.C), passando pelo feudalismo até as revoluções burguesas inglesa (1688), francesa (1789) e Brasil desde a colonização, a questão tributária foi e é a expressão de lutas entre uma minoria que controla a riqueza e a maioria que não a tem. E essa luta ficará mais decisiva já a partir de fevereiro no Congresso Nacional, que definirá qual a natureza da reforma tributária o Brasil (quem paga, quem se beneficia e quem será “esfolado”).
O desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo brasileiro necessita de uma reforma tributária estrutural econômica e socialmente justa que efetive a simplicidade; produtividade; competividade; desburocratização; redução de custos de produção; induza o crescimento e o desenvolvimento; combata a desigualdade social; promova a equanimidade; adote a progressividade tributária; distribua renda através dos serviços públicos; avance em cima dos que tem capacidade contributiva ociosa; erradique a pobreza; ataque o desenvolvimento desigual regional e redefina a repartição do bolo tributário entre os entes federativos (municípios, estados e União).
A PEC 45 não mexe com a carga tributária brasileira, mas simplifica sua estrutura por meio de um novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unificaria os federais IPI, PIS e COFINS, o estadual ICMS e o municipal ISS. É uma medida necessária, mas insuficiente, pois não mexe com a minoria endinheirada.
É preciso, pois, regulamentar o Imposto Sobre Grandes Fortunas e Heranças; acabar com a isenção do Imposto de Renda sobre Lucros e Dividendos; aumentar o Imposto Territorial Rural (ITR); criar o Imposto sobre os Bens Supérfluos e de Luxo (o IPVA, por exemplo, não é cobrado de quem possui lanchas, iates, navios, “jet skis”, jatinhos, aviões, helicópteros); corrigir a tabela do Imposto de Renda (defasada em 104%) e aumentar a sua progressividade com a criação de novas faixas e alíquotas e combater a sonegação.
Numa entrevista (Infomoney - 05/01/2020), o dono da segunda maior fortuna mundial (US$ 113,7 bilhões), Bill Gates (64), o da Microsoft, defendeu um sistema tributário mais justo. “É por isso que sou a favor de um sistema tributário no qual, se você tiver mais dinheiro, paga uma porcentagem maior de impostos. E acho que os ricos devem pagar mais do que atualmente, e isso inclui Melinda e eu.”, afirmou o bilionário de 64 anos.
É um belo princípio que o Congresso Nacional pode adotar, mas a cidadania deve entrar em campo e pressionar, pois está em jogo o seu bolso e o futuro de cada um de nós, o das futuras gerações e o do Brasil.
*Eduardo Rocha é economista