voto impresso
Maria Cristina Fernandes: Bolsonaro une toga contra
O que ameaça o presidente é a inédita unidade do Judiciário
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
A mobilização em redes sociais contra o Judiciário na Polônia partiu de dentro do gabinete do ministro da Justiça, que também é procurador-geral da República. O governo gastou € 40 milhões na manutenção de contas de notícias falsas contra juízes e tribunais.
Na Hungria juízes foram forçados a renunciar e o regime fez 1284 nomeações políticas. Aqueles que permaneceram em suas funções tiveram sua autonomia confrontada.
Na Turquia 4,5 mil juízes foram presos nos últimos cinco anos. Centenas ainda estão detidos. Seus bens foram espoliados. A Associação Europeia de Magistrados criou um fundo de ajuda humanitária que distribui € 900 para que as famílias de magistrados possam sobreviver ou deixar o país como refugiadas.
Presidente da Associação Europeia de Juízes, José Igreja Matos, desembargador na cidade do Porto, deixou a magistratura brasileira de orelha em pé ao relatar esses casos, em conferência virtual na semana passada.
O presidente Jair Bolsonaro não foi citado uma única vez, mas pressupôs-se ali que aqueles três países não eram casos isolados ante o avanço do populismo autoritário no mundo, em grande parte, sob lideranças eleitas. A independência da magistratura, nos últimos cinco anos, segundo Igreja Matos, que assumirá a União Internacional dos Juízes em setembro, foi mitigada em 72% dos países. Não bastassem os populistas, sobreveio a pandemia.
Sua audiência era composta de ministros do STJ, presidentes de tribunais federais e estaduais, desembargadores e juízes. Se nas gerações mais novas, o bolsonarismo um dia teve adeptos, como o ex-juiz Sergio Moro já mostrou, este encanto não apenas se quebrou como se transformou em medo.
Entre relatos colhidos na audiência, prevalece o temor, se não de uma situação radicalizada, como na Turquia, de uma afronta tanto ao Estado de direito quanto à corporação e suas prerrogativas. Não apenas em decorrência da escalada autoritária como do próprio risco de falência do país e seus desdobramentos para o custeio do Estado e de suas instituições.
Bolsonaro uniu o Judiciário de cima a baixo contra si. Não se aceita mediação do Congresso simplesmente porque esta pressupõe algum grau de confiança, hoje inexistente. Por isso, o encontro do presidente do STF, Luiz Fux, com o ministro Ciro Nogueira, terá saído no lucro se o café tiver sido servido quente.
Este embate estende-se ao conjunto da magistratura. No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, há duas vagas que a Corte decidiu não preencher. Uma delas está aberta desde 2019. A confecção de uma lista a basear a indicação passaria por uma solução compromissada com Bolsonaro que, nem mesmo naquela Corte, existe mais. Ninguém está a fim de ser indicado por um presidente que enfia o dedo no olho dos juízes.
Os aliados com que contava, vê-se agora, estavam pendurados na vaga do Supremo Tribunal Federal que, alocada para um escolhido de fora do STJ, fez ruir seu apoio pontual. Já há quem prefira esperar pelo eleito em 2022 para definir a lista. Nos tribunais federais acontece a mesma coisa. Como se faltassem sinais de que Bolsonaro já não governa, eis que surge mais um.
Num andar acima, a situação do presidente é de isolamento crescente. Nunca houve divisão no Supremo Tribunal Federal em relação à decisão do ministro Alexandre de Moraes que mandou prender o presidente do PTB, Roberto Jefferson.
A mesma Corte que anulou a operação da Fecomercio, sob a alegação de que Marcelo Bretas não era o juiz competente do caso, acata a prisão, por um ministro do Supremo, de um réu que não tem foro privilegiado. O que está em jogo é a afronta, inclusive com ameaça física, ao Estado de direito. Por isso, se, em outros tempos, alguém levantaria a mão para arguir, hoje a Corte está de porteira fechada com Moraes.
Esta unidade do Judiciário é letal para Bolsonaro. Se a ex-presidente Dilma Rousseff se submeteu a um processo inteiramente conduzido pela política, o caso de Bolsonaro não se resolve no Congresso. Pela simples razão de que ele entregou o Orçamento para o Centrão executar.
Vem daí a concentração de torpedos em cima do Judiciário. É o único poder que o ameaça. São duas, em resumo, as fontes de preocupação do presidente. A primeira são as ações que tramitam no STF, a cargo do ministro Alexandre de Moraes, sobre a atuação das redes de notícias falsas bolsonaristas.
Este inquérito depende do indolente procurador-geral da República para se transformar numa denúncia, mas o compartilhamento de suas provas já foi requerido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Lá tramitam ações que apuram a falsificação de perfis para a difusão de propaganda eleitoral fraudulenta da chapa Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão. Feito o compartilhamento, essas ações não demorarão a ir ao plenário do TSE arriscando a cassação - da chapa inteira.
Outro inquérito é aquele pedido pelo ministro Luis Felipe Salomão, corregedor do tribunal, que apura possíveis crimes de abuso de poder político e econômico nos ataques contra as urnas eletrônicas e a legitimidade das eleições de 2022. Este pode resultar na inelegibilidade do presidente.
Um desdobramento deste inquérito foi o pedido de suspensão dos repasses feitos pelas plataformas Facebook, Instagram, YouTube, Twitter e Twitch TV a 12 perfis registrados nessas redes. Como essas contas tiveram o sigilo quebrado, a intenção é cruzar a movimentação bancária com os repasses das plataformas.
Havendo discrepância esta pode vir a ser creditada à lavagem de dinheiro, ou, para usar a terminologia da era Bolsonaro, a “rachadinhas”. Recursos de origem ilícita seriam creditados nas contas bolsonaristas para serem divididos entre os “provedores” desses recursos e os influenciadores digitais.
Esses julgamentos podem comprometer não apenas o presidente como seus filhos. Ainda mexe os peões da política dentro e fora do Congresso. No caso da cassação de chapa, é o presidente da Câmara quem assume e chama eleições em até três meses. No caso da inelegibilidade, os anões da terceira via passarão a disputar o polo oposto ao do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A resolução, via TSE, padece do déficit de legitimidade de uma decisão tomada por sete juízes, ao contrário do impeachment, decidido pelo voto de 308 deputados federais. O próprio Bolsonaro, porém, se encarrega de resolver o problema. Sua desaprovação, pela pesquisa Ipespe/XP, chegou a 63% dos brasileiros, um recorde. Até aqui.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/bolsonaro-une-toga-contra.ghtml
Conrado Hübner Mendes: Augusto Aras não é Geraldo Brindeiro
Seu dadaísmo jurídico, em vez de protestar contra a brutalidade, chancela Bolsonaro
Conrado Hübner Mendes / Folha de S. Paulo
Augusto Aras está para Geraldo Brindeiro como Jair Bolsonaro está para Fernando Henrique Cardoso. Mas essa síntese não é suficiente para expressar a magnitude do equívoco dessa comparação apressada, incompleta e benevolente.
Brindeiro foi PGR pelos oito anos do governo FHC e se celebrizou como engavetador-geral da República. Não sem razão. Dizia examinar as representações que lhe chegavam "com a cautela que a matéria requer". Costumavam terminar mesmo na gaveta.
Por pressão de FHC, recuou e não pediu intervenção federal no Espírito Santo pelo colapso de segurança pública. Miguel Reale Jr., então ministro, demitiu-se por isso. Sua apuração sobre compra de votos para emenda da reeleição (a "pasta rosa") e os casos contra autoridades do governo também ilustram sua deferência.
Não foi pouco. Apesar disso, Brindeiro nunca foi inimigo do Ministério Público, nunca lutou contra a instituição a pretexto de combater o "facciosismo"; nunca perseguiu ou desqualificou colegas de MP, nunca saiu em defesa gratuita e performática do presidente, nunca disputou publicamente corrida ao STF. Nunca perseguiu críticos do presidente e de si próprio. E não tinha sobre sua mesa a delinquência de Bolsonaro.
O Senado, prestes a reconduzir o PGR para novo mandato, precisa de um balanço que faça justiça a Aras. Um balanço que não o diminua. A omissão de Aras, diferentemente da de Brindeiro, requer muito trabalho (como descrevi em outra coluna). Seu primeiro mandato foi uma enormidade.
AUGUSTO ARAS E BOLSONARO
Esses dois anos de gestão foram dedicados a três tarefas principais: garantir tranquilidade ao bolsonarismo; implodir a Lava Jato sem fazer as distinções que importam (entre Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo; entre combate à corrupção e a corrupção do combate à corrupção); conflagrar e definhar o MPF.
A primeira tarefa exerceu de forma tão espalhafatosa que resultou em inéditos escrachos públicos por ministros do STF, solicitando que faça algo, cumpra prazos; e culminou em duas representações por crime de prevaricação feitas por ex-subprocuradores e senadores.
A segunda, ao generalizar os graves vícios da Lava Jato de Curitiba para as forças-tarefas de São Paulo e Rio de Janeiro, bloqueou, abruptamente, avanços contra a corrupção. A cúpula dos governos de SP e RJ respirou aliviada. Aproveitou a onda e desmontou a Força Tarefa da Amazônia. À arbitrariedade do lavajatismo respondeu com mais arbitrariedade.
A terceira tarefa é extensa. Mas pode ser ilustrada pelas muitas manchetes que narram a guerra interna. Como esta: "Corregedora da PGR aponta manobra de Aras para blindar aliados e perseguir adversários". E esta: "Subprocuradores querem que MPF oficie MEC por censura a manifestação política".
Quando se defende das críticas, Aras surfa na hermenêutica declaratória. Autoafirmação é seu critério de legalidade. Vale qualquer coisa que saia de sua boca ou caneta: "existe alinhamento à Constituição", "vou me manifestar dentro do quadrado constitucional".
Vende silogismo jurídico e entrega dadaísmo. A premissa maior: o PGR deve obedecer a Constituição. A premissa menor: eu sou o PGR. A conclusão: Portanto, eu obedeço a Constituição. Inferências produzidas por fluxo de consciência, onde a lógica não entra.
Faz um dadaísmo troncho, para ficar claro. Abraça a contradição, recusa a racionalidade e se deleita com a sonoridade das palavras, mas ignora a parte do dadaísmo que combate a violência. Em vez do protesto contra a brutalidade, chancela Bolsonaro.
Esse dadaísmo também produz nonsenses ridículos. Diz, por exemplo, que Roberto Jefferson tem liberdade de expressão para incitar e ameaçar, mas cidadão não tem pra criticá-lo. Seu tratado sobre a liberdade nem precisa ser escrito, pois se resume à fórmula "acho que sim, acho que não". A fórmula não é lotérica nem jurídica. E nada ingênua.
Dia desses, citou em live corporativa o conceito de "sociedade aberta dos intérpretes da Constituição", de Peter Häberle. Concluiu que o MP não combina com eleições internas e listas tríplices, mas com mérito. Afora o palavrório, parecia crer que Bolsonaro o nomeou por mérito. A meritocracia bolsonarista, lembre-se, deixa brasileiro morrer sem vacina e oxigênio.
Brindeiro só não fazia. Era grave. Aras faz muito. É incomparável.
*Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/conrado-hubner-mendes/2021/08/augusto-aras-nao-e-geraldo-brindeiro.shtml
‘Temperatura política deve se elevar durante este mês’, diz sociólogo
Em artigo na Política Democrática online de agosto, Paulo Baía analisa tensão de Bolsonaro com Judiciário
Cleomar Almeida, da equipe FAP
O sociólogo, cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo Baía diz que as revelações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, a investigação das ameaças à democracia e fake news vão elevar a temperatura política durante todo este mês. Segundo ele, ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra o sistema eleitoral eletrônico e o Tribunal Superior Eleitoral também devem aumentar a tensão.
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)
A análise de Baía está publicada na revista Política Democrática online de agosto (34ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. Todo o conteúdo da publicado por ser acessado, pelos internautas, na versão flip, gratuitamente, no portal da entidade.
“Na minha visão, teremos três jogos ocorrendo paralelamente a partir deste mês de agosto e até final de setembro: (1) a CPI no Senado Federal, produzindo seus efeitos no jogo político; (2) o jogo mais pesado, do campeonato principal, que será jogado na Câmara dos Deputados, com a reforma política eleitoral e o pedido de autorização de investigação de Jair Bolsonaro, quando for à pauta de julgamento dos deputados”, escreve ele, na revista,
O terceiro jogo, como o autor chama, é a investigação das ameaças à democracia, fake news, turbinadas, segundo ele, pela campanha de Jair Bolsonaro e os seus contra o sistema eleitoral eletrônico, o TSE e o ministro Luís Roberto Barroso. O inquérito é comandado pelo ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF).
“As ameaças contra a democracia subiram de intensidade com a reação de Jair Bolsonaro ao discurso de Luiz Fux na reabertura do judiciário e à nota de todos os presidentes do TSE de 1988 para cá”, lembra o professor da UFRJ. Segundo ele, o presidente está jogando na retranca e, como todo retranqueiro, faz contra-ataques com faltas e ruídos.
Na avaliação do autor, a estratégia de jogar na retranca com contra-ataques já se estampou nas manifestações de 1° de agosto, quando Bolsonaro mais uma vez recorreu ao expediente de elidir a discussão de temas políticos importantes em favor de agendas estridentes como o voto impresso auditável.
O texto, publicado na revista Política Democrática online de agosto, também cita que ameaças contra a democracia subiram de intensidade com a reação de Bolsonaro ao discurso de Luiz Fux na reabertura do Judiciário e à nota de todos os presidentes do TSE de 1988
Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição
A íntegra do artigo de Baía pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), reportagem sobre escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
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Luiz Carlos Azedo: O naufrágio de Bolsonaro
Reacionários são obcecados pelo medo das mudanças e se comportam de maneira nostálgica, sonhando com um passado idealizado, que não é o que a História registra
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O analista político e ensaísta Mark Lilla, professor de História das Ideias na Universidade de Columbia, em Nova York, ganhou muita notoriedade após a eleição de Donald Trump, ao publicar um artigo no The New York Times no qual pedia que a esquerda norte-americana abandonasse a “era do liberalismo identitário” e buscasse a unidade diante da especificidade das minorias. É autor de O progressista de ontem e o do amanhã: desafios da democracia liberal no mundo pós-políticas identitárias (no original, The Once and Future Liberal: After Identity Politics) e A Mente Naufragada, publicados pela Editora Schwarcz e Cia. das Letras, respectivamente.
Voltou a gerar polêmicas em meados do ano passado, ao articular uma carta-manifesto assinada por 150 intelectuais, entre os quais Noam Chomsky, Gloria Steinem, Martin Amis e Margaret Atwood, no qual reivindicavam o direito de discordar, sem que isso colocasse em risco o emprego de ninguém, uma reação à patrulha ideológica dos setores progressistas dos Estados Unidos contra intelectuais conservadores. Esse posicionamento foi importante para a unidade dos democratas, fundamental para a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais do ano passado e o racha dos republicanos, ao isolar a extrema-direita na tentativa de golpe de Estado de Trump.
Lilla é um estudioso dos dramas ideológicos do século XX. No livro A Mente Naufragada, faz uma clara distinção entre o reacionarismo e o pensamento conservador. Segundo ele, “os reacionários da nossa época descobriram que a nostalgia pode ser uma forte motivação política, talvez mais poderosa até do que a esperança. As esperanças podem ser desiludidas. A nostalgia é irrefutável”. Isso tem tudo a ver com o presidente Jair Bolsonaro, o grupo de militares saudosistas do regime militar que o cerca e os grupos de extrema-direita que organizou por meio das redes sociais, que, agora, estão armados até os dentes.
Enquanto velhos revolucionários da geração 1968 ainda alimentam expectativas de uma nova ordem social redentora, os reacionários são obcecados pelo medo das mudanças em curso no mundo e se comportam de maneira nostálgica, sonhando com a volta a um passado idealizado, que não é o que a História registra. “A nostalgia baixou como uma nuvem sobre o pensamento europeu depois da Revolução Francesa e nunca mais se afastou totalmente”, lembra Lilla, propósito dos pensadores que, há um século, serviram de caldo de cultura para o nazismo e o fascismo.
Nostalgia da ditadura
Quando o ministro da defesa, o general Braga Netto, por exemplo, comparece à Câmara para prestar esclarecimentos e nega que houve uma ditadura no Brasil, revela uma mente naufragada no passado, quando Tancredo Neves foi eleito no colégio eleitoral e o regime militar caiu sem um tiro, em 1985. O regime militar foi, sim, uma ditadura, que durou 20 anos, suprimiu as liberdades, prendeu, sequestrou e matou oposicionistas. Essa era a narrativa dos generais que se revezaram na Presidência e impuseram um artificial sistema bipartidário, para disfarçar o regime autoritário, sob o argumento de que se tratava de uma “democracia relativa”.
A outra face dessa narrativa é a recorrente interpretação de Bolsonaro sobre o artigo 142 da Constituição, ao atribuir às Forças Armadas o papel de “poder moderador” nas relações entre o presidente da República, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Busca-se, como em 1937, no golpe do Estado Novo, e em 1964, na deposição de João Goulart, uma suposta ameaça comunista, no caso representada pelo favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais sobre o pleito de 2022.
Constrói-se uma tese de afronta à legalidade para justificar uma “intervenção militar”, com base em suposta insegurança da urna eletrônica e nas medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal contra a rede montada para disseminar mentiras e apregoar um golpe de Estado. “Onde os outros veem o rio do tempo fluindo como sempre fluiu, o reacionário enxerga os destroços do paraíso passando à deriva”, explica Lilla. É mais ou menos o que distingue o presidente Jair Bolsonaro dos setores conservadores que participam e ainda apoiam o seu governo, mas não sua loucura golpista.
Aras desqualifica críticos e nega omissão diante de ataques de Bolsonaro
Procurador-geral se contrapõe ao presidente e faz defesa pública do sistema brasileiro de votação
Marcelo Rocha e Matheus Teixeira / Folha de S. Paulo
O procurador-geral da República, Augusto Aras, se contrapõe ao chefe do Executivo e faz uma defesa pública do sistema brasileiro de votação pela primeira vez desde que o presidente Jair Bolsonaro passou a insistir nos ataques às urnas eletrônicas e encampou o voto impresso como sua principal bandeira.
Em entrevista à Folha nesta quarta-feira (18), Aras demonstrou incômodo ao ser indagado sobre sua atuação à frente da Procuradoria-Geral da República e refutou a tese de que tem sido omisso em relação a Bolsonaro. "Não houve em nenhum momento nenhuma omissão do procurador-geral da República", afirma.O chefe do Ministério Público Federal disse que atenderia a Folha às 14h30 na PGR e, em seguida, teria compromisso às 15h. Eram quase 14h50 quando a entrevista começou. Aras encerrou a conversa após 13 minutos, sob a alegação de que tinha agenda a cumprir.
Ao final, questionado sobre como quer que seu nome entre na história, disse para conferir o seu currículo na plataforma Lattes e partiu sem se despedir.
A conversa ocorreu horas depois de os senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentarem ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma notícia-crime contra Aras para que ele seja investigado por prevaricação.Segundo Aras, a PGR nunca encontrou provas de fraude nas urnas e ainda atestou a legitimidade de todas as eleições. "O procurador-geral da República participou, na minha gestão em especial, de todos os atos pertinentes às eleições, legitimando as eleições", disse.
Para rebater as afirmações de que não age em relação às ameaças golpistas e aos ataques de Bolsonaro à Justiça Eleitoral e a ministros do Supremo, ele afirmou que as críticas vêm de pessoas que não conhecem as leis e que ele só pode se manifestar juridicamente.
"A diferença que pode estar surpreendendo o jornalismo é um procurador que não aceita fazer política, é um procurador que tem o compromisso de cumprir a Constituição e as leis."
O presidente Jair Bolsonaro tem afirmado que houve fraude nas últimas eleições e que também pode haver irregularidades no pleito de 2022. A PGR sempre liderou a defesa das urnas eletrônicas, mas o senhor tem evitado o assunto. O sistema de votação brasileiro é confiável ou pode ser fraudado? Todas as minhas respostas serão dadas juridicamente, já que não me é dado participar de discurso político.
Juridicamente, o procurador-geral da República participou, na minha gestão em especial, de todos os atos pertinentes às eleições, legitimando as eleições, todas elas, inclusive com a minha pessoa, eu presente fisicamente a todos os atos com o ministro [Luís Roberto] Barroso.
Não há nenhuma prova do Ministério Público Eleitoral e, lá no TSE [Tribunal Superior Eleitoral], tem um vice-procurador-geral eleitoral que, por força de lei, é delegado pelo procurador-geral da República, fala em nome do procurador-geral da República, representa o procurador-geral da República. E esse vice-procurador, doutor Renato Brill de Góes, se manifestou em todos os instantes a favor do sistema de votação.
Então, do ponto de vista do Ministério Público Eleitoral, representado pelo procurador-geral da República, cujo cargo monocrático tem todos esses subprocuradores-gerais da República atuando em seu nome, se manifestou à sociedade positivamente ao sistema eleitoral.
Ademais, em relação ao mais recente projeto [proposta de emenda à Constituição do voto impresso], que foi rejeitado, como PGR, aí, sim, eu pessoalmente disse que esse assunto seria superado, como foi, com a afetação pelo plenário da Câmara. Dessa forma, não houve em nenhum momento nenhuma omissão do procurador-geral da República.
Ou seja, a PGR representada pelos subprocuradores-gerais da República, que são aproximadamente entre 20 e 30 que atuam na minha gestão e por força da lei complementar 7.593 falam em nome da Procuradoria-Geral da República, dessa forma, o procurador-geral da República se manifestou em todas as etapas.
Mas o sr. tem sido criticado no Congresso e também internamente por não tocar no assunto nem defender as urnas de maneira clara. Na verdade, tenho sido criticado por pessoas que não querem ler a lei complementar 7.593. Quando o vice-procurador-geral eleitoral se manifesta, quem está se manifestando é o procurador-geral da República, até porque ele age com independência funcional e, agindo com independência funcional, o procurador-geral não interfere.
O sr. considera saudável para a relação entre os Poderes e para a vida institucional do país o presidente Jair Bolsonaro ter anunciado que pedirá o impeachment de dois ministros do STF? Escrevi um artigo na Folha intitulado "O máximo do direito, o máximo da injustiça", para dizer que o PGR não é um agente político no sentido partidário. E assim tenho me comportado.
Eu tenho o dever de velar pela norma, pelo cumprimento da Constituição e das leis.
Todas as vezes que o procurador-geral da República sai do campo do direito para entrar no campo da política, a tendência é a criminalização da política. E isso ocorre de forma simples. A linguagem da política é a linguagem do diálogo permanente, da integração, da busca pelo consenso social numa democracia.
Quando o procurador-geral age ou um juiz age, age para cumprimento da lei. E nesse cumprimento da lei não existe esta situação, salvo quando autorizada por lei, de negociação, de articulação, de busca pelo consenso social mediante concessões recíprocas.
De regra existe sim um direito moderno em busca de equilíbrio de partes que estão em conflito. Mas de regra existe submissão do sujeito aos termos da lei, de maneira que, se o procurador-geral da República sai de seu lugar para fazer política, para se manifestar, como o senhor sugere, da política do Legislativo ou do Executivo ou de quem quer que seja, ele sai do discurso jurídico.
E passa a ser até um discurso desigual, porque ele tem a norma e, tendo a norma, o argumento que vai prevalecer é de uma autoridade que não é uma opinião política, é opinião da norma, e isso é até desigual no campo da política. Por isso que tem espaço público delimitado na Constituição para cada instituição.
Se há posicionamento da Procuradoria do ponto de vista da confiabilidade do sistema, cabe alguma providência da Procuradoria em relação às afirmações do presidente da República levantando dúvidas e lançando suspeitas sobre o funcionamento das urnas eletrônicas? O vice-procurador-geral eleitoral na época se manifestou em todos os procedimentos que ali tramitaram sempre em favor do sistema de votação da urna eletrônica.
E o atual vice-procurador-geral eleitoral, que acabou de assumir e que tem também plena independência funcional, abriu procedimento para acompanhar os trabalhos que o ministro Barroso já abriu de auditoria e de ampla abertura de fiscalização também pelo Ministério Público, facultando que técnicos, partidos e MP participem do processo.
A diferença que pode estar surpreendendo o jornalismo é um procurador que não aceita fazer política, é um procurador que tem compromisso em cumprir a Constituição e as leis.
AUGUSTO ARAS E BOLSONARO
Ministros do STF tomaram diversas decisões importantes, como no caso do ex-ministro Ricardo Salles e do ex-deputado Roberto Jefferson, sem ouvir a Procuradoria. O sr. acha que isso enfraquece o sistema de Justiça? O sr. se sente desrespeitado pelo STF? Não, pelo contrário. O diálogo é permanente com o Supremo, o diálogo com cada ministro é permanente, não há nenhuma dificuldade no relacionamento.
O que há é um entendimento em que eu respeito o entendimento da Suprema Corte. A Suprema Corte eu creio que, embora divirja do meu, também me respeita, e assim as instituições devem se movimentar. A dinâmica das instituições é essa, é de respeito à divergência.
A propósito, temos no CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] um programa que é único no Brasil, respeito e diversidade, é um programa exatamente para que tenhamos maior tolerância, uma maior abertura para a divergência para dirimir e reduzir os conflitos, e esse programa é sucesso absoluto.
O sr. se manifestou ao Supremo em relação a prazos. O posicionamento do sr. em relação ao não uso de máscara pelo presidente da República é decorrente de um caso que foi enviado para análise da Procuradoria no mês de maio. Estou achando ótima essa sua pergunta. Primeiro, você está fazendo uma pergunta [sobre algo] que não fui eu. É preciso registrar que, talvez, 90% ou mais das matérias [jornalísticas] que saem com Aras não foi Aras. Foi um colega que tem independência funcional, foi um colega que age e responde pelos seus atos, pelos seus pensamentos.
Eventualmente, eu posso até reconsiderar a decisão de um colega, mas nem sempre vou poder fazê-lo. Eu posso muito mas não posso tudo.
Então, de certa forma, é preciso dizer o seguinte: eu preciso respeitar o espaço de cada colega, do primeiro ao último grau. O último grau é ser subprocurador-geral da República.
Mas o sr. se ancorar no Renato Brill e outros vice-procuradores-gerais da República em relação às urnas e não se vincular ao que a subprocuradora Lindôra Araújo falou em relação ao não uso de máscara facial pelo presidente da República.... Não teria aí alguma contradição? Não precisa ter contradição. Ela tem autonomia, tem independência funcional.
Eu posso dizer que eu tenho que respeitar a independência funcional de uma jovem procuradora ou de um jovem procurador em qualquer rincão do Brasil e devo não respeitar a posição de um subprocurador-geral?
Subprocurador é aquele que alcança o mais alto nível da carreira. A independência que vale para o mais simples vale para aquele que está no topo da pirâmide. E este procurador-geral da República respeita a independência funcional.
Vários estudos comprovaram a eficácia da máscara para evitar a propagação da Covid-19. O sr. não acha que colocar em xeque o equipamento a esta altura... A Procuradoria-Geral da República, seja através do procurador-geral, mas principalmente através de seus membros —é importante [dizer] que foram muitos membros, não [somente] o Augusto Aras, vários membros—, já se manifestaram à sociedade sobre essas questões. De maneira que, até pela grande produção de peças processuais, eu não preciso me manifestar sobre manifestação de colega.
Sobre o colunista da Folha Conrado Hubner Mendes. Não tenho o que me manifestar. A Justiça tem grau de jurisdição. Existe sempre recurso, né?
Do mesmo jeito que a Folha deu uma matéria em favor de um colunista seu [do jornal], tem jornalista que também teve queixa-crime recebida e é preciso que também, fora desta casa, não tenha espírito de corpo.
O sr. defendeu a liberdade de expressão quando se manifestou sobre o caso Roberto Jefferson. Não haveria uma contradição em relação a Conrado? Em hipótese alguma. Há uma diferença entre liberdade de expressão e crítica. Criticar e fundamentar a crítica.
Se eu disser que o fulano de tal é feio, a não ser que eu seja um artista, um fotógrafo, alguém com padrão estético profissional, é uma coisa subjetiva.
A crítica é amplamente admitida e se revela até no fato de que, sendo destinatário de uma campanha contra a minha recondução na imprensa, eu nunca processei jornalista por crítica fundamentada.
Agora, quando o indivíduo atinge a minha honra fora do meu cargo, aí o assunto não é mais de crítica. Crítica tem de ser fundamentada. Eu queria saber da população brasileira, se isso fosse possível, tecnicamente qual foi a decisão errada. Porque se alguém diz que o procurador-geral da República errou, tem de dizer assim: "O Supremo também errou", né? O Supremo acolheu todas as manifestações.
Como o sr. sonha que sua biografia entre para a história? Abra meu Lattes. Tem lá uma biografia de 400 palestras, livros, artigos.
RAIO-X
Antônio Augusto Brandão de Aras, 62
Ingressou na carreira do Ministério Público Federal em 1987. Entre outros postos, foi procurador regional eleitoral na Bahia e coordenador da Câmara do Consumidor e Ordem Econômica do MPF. Atuou em matéria penal perante o Superior Tribunal de Justiça. Desde setembro de 2019, é procurador-geral da República. Foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro à recondução para mais dois anos de mandato. Aras é doutor em direito constitucional pela PUC de São Paulo e mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Bahia.
ANTECESSORES DE ARAS NO POSTO NOS ÚLTIMOS ANOS
- Geraldo Brindeiro (1995-2003)
- Cláudio Fonteles (2003-2005)
- Antonio Fernando Souza (2005-2009)
- Roberto Gurgel (2009-2013)
- Rodrigo Janot (2013-2017)
- Raquel Dodge (2017-2019)
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/aras-desqualifica-criticos-nega-omissao-diante-de-ataques-de-bolsonaro-e-diz-que-nao-aceita-fazer-politica-na-pgr.shtml
Bolsonaro sobre Mendonça no STF: 'Deus se fará mais presente'
O presidente destacou que "um ou outro" ministro da Corte atrapalha o governo, mas que com a aprovação de Mendonça para uma das cadeiras, toda sessão começará com uma oração, o que deverá trazer "harmonia" para a tomada de decisões. Ele disse ainda que, por vezes, não é muito feliz nas declarações, mas "sempre fala a verdade"
Ingrid Soares / Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro afirmou, nesta quarta-feira (18/08) que caso a indicação de André Mendonça seja aprovada pelo Senado, "Deus se fará mais presente naquela instituição". A declaração ocorreu durante cerimônia alusiva ao Centenário da Convenção de Ministros e Igrejas Assembleia de Deus em Ananindeua, no Pará.
"Na vida militar, eu aprendi que, pior que uma decisão mal tomada, é uma indecisão. Tenho os meus conselheiros, procuro, ao tomar decisões, ouvir, em especial, os mais velhos, os mais experientes, porque bem sei que, da minha caneta, tudo pode acontecer. Sabia que a missão ia ser difícil. Sabia das dificuldades, sabia que quase tudo que nós fazemos passa pelo parlamento. Temos tido um bom retorno do parlamento", alegou.
Bolsonaro destacou ainda que "um ou outro" ministro da Corte atrapalha o governo, mas que, com a aprovação de Mendonça para uma das cadeiras, toda sessão começará com uma oração, o que deverá trazer "harmonia" para a tomada de decisões. O presidente da República tem sofrido reveses do Supremo e atacado os componentes, em especial os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
"Terrivelmente evangélico"
"Sabemos que o outro poder ao lado, o STF, uma ou outra pessoa iria nos atrapalhar. Mas acreditamos que este Supremo, assim como o parlamento, assim como o Executivo, aos poucos vai mudando. Mais que um compromisso com vocês, um compromisso com a minha consciência, em indicar para uma das duas vagas no STF um irmão nosso terrivelmente evangélico", comentou Bolsonaro.
"Tenho conversado muito com o pastor André Mendonça, porque a vida dele também vai mudar, as suas responsabilidades serão majoradas. Decisões difíceis ele tomará também. Mas fiz um pedido pra ele. Ou melhor, uma missão eu dei pra ele, e ele se comprometeu que irá cumprir. Toda primeira sessão da semana, no STF, ele pedirá a palavra e iniciarão os trabalhos após uma oração", acrescentou o presidente.
"Podem ter certeza, Deus se fará mais presente naquela instituição, onde entra a palavra de Deus entra harmonia, entra a paz, entra a prosperidade. Em 2023, quem, porventura, for eleito presidente em 22 indicará no primeiro semestre mais dois integrantes para aquela Corte. Tenho certeza de que nós vamos mudando o Brasil", acrescentou.
A exemplo do discurso feito pela manhã no Amazonas, o chefe do Executivo voltou a culpar governadores pela inflação. "Temos um governo que respeita a Constituição, em nenhum momento fechou comércio, decretou toque de recolher, não fechou igrejas, um governo que respeita as leis, ao seu povo e reafirma que o norte do destino da nossa pátria sempre tendo ele a frente vamos no sentido onde esse povo assim o desejar".
Bolsonaro assumiu também que, por vezes, "tropeça nas palavras" e "não é muito feliz em seus posicionamentos". Mas voltou a repetir indiretas a líderes estaduais. "Temos um presidente que pode, por vezes, tropeçar nas palavras. Pode, às vezes, não ser muito feliz nos seus posicionamentos. Mas vocês têm um presidente que fala a verdade, acima de tudo. Um governo que não engana seu povo, que não procura usar palavras macias, suaves para poder atingir objetivo que não interessa a sua nação", concluiu.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4944509-bolsonaro-sobre-mendonca-no-stf-deus-se-fara-mais-presente.html
Parlamentares estudam apresentar representações contra Lindôra Araújo
Senadores e procuradores reagem a parecer negacionista de aliada de Aras em defesa de Bolsonaro
Raquel Lopes , Marcelo Rocha , Renato Machado , Washington Luiz e Julia Chaib / Folha de S. Paulo
Procuradores e senadores reagiram ao parecer negacionista publicado pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo no qual ela questiona a eficácia de uso de máscaras contra Covid-19, contrariando pesquisas que apontam a efetividade da proteção.
Em uma frente, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid, anunciou nesta quarta-feira (18) que ele e outros parlamentares vão enviar representação contra a procuradora no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
Em outra, os próprios pares de Lindôra, subprocuradores, estudam providências a serem tomadas. Uma opção é também apresentar uma representação, mas ao Conselho Superior do MPF.
As reações ocorrem após a PGR (Procuradoria-Geral da República) enviar manifestação ao STF (Supremo Tribunal Federal) na qual põe em xeque a eficácia do uso de máscara e afirma que não vê crime na conduta do presidente Jair Bolsonaro de não usar a proteção e promover aglomerações.
Segundo a Procuradoria, desrespeitar leis e decretos que obrigam o uso de máscara em local público é passível de sanção administrativa, mas não tem gravidade suficiente para ensejar punição penal.
O parecer é assinado por Lindôra, uma das pessoas mais próximas do procurador-geral, Augusto Aras, e foi enviado ao Supremo no âmbito das notícias-crime apresentadas pela presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), e por parlamentares do PSOL contra o chefe do Executivo.
Na primeira notícia-crime, Gleisi critica as aglomerações de Bolsonaro e diz que o presidente teria gastado verba pública de maneira indevida para custear a utilização de aeronaves militares e a mobilização de grande aparato de segurança em suas viagens.
Na segunda, o PSOL cita o fato de o chefe do Executivo ter retirado a máscara do rosto de uma criança.A PGR, porém, diz que não há crime de Bolsonaro nesses casos e que “os estudos que existem em torno da eficácia da máscara de proteção são somente observacionais e epidemiológicos”.
O texto de Lindôra foi visto como uma sinalização ao governo. Apesar da rejeição à nota, o clima no Senado ainda é majoritário para aprovar a recondução de Aras, que foi indicado para mais dois anos na chefia do MPF.
Nesta quarta, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) assumiu a frente para rebater o posicionamento da procuradora e publicou nas redes sociais foto de um homem de máscara acompanhada do texto: "A máscara é uma barreira física que reduz significativamente o risco de contágio por Covid-19. Estudos de todo o mundo já concluíram que, se usada corretamente, o índice de proteção chega a 90%".
Alguns subprocuradores replicaram a mensagem e afirmaram que a posição de Lindôra não representa a opinião do MPF. No órgão, os procuradores estão cautelosos quanto ao envio de uma representação ao Conselho Superior do MPF por temerem o desgaste interno.
Isso porque só nesta semana eles já apresentaram dois processos: um para que Aras investigue Bolsonaro por texto compartilhado no WhatsApp em que o presidente fez menção a “contragolpe” e outro mirando o sertanejo Sérgio Reis.
Durante sessão da CPI da Covid nesta quarta, Randolfe disse que os atos de Bolsonaro são crime gravíssimo. Além disso, afirmou que a decisão de Lindôra contradiz outras tomadas por ela. Ele cita que a subprocuradora-geral da República pediu que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) investigasse o desembargador Eduardo Almeida Prado por aparecer sem máscara em uma praia de Santos (SP).
“Bom faria Vossa Excelência que mantivesse essa conduta correta que fez em relação ao comportamento do desembargador paulista. A decisão ontem da doutora Lindôra contraria totalmente a ciência, contraria as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), contraria as recomendações da nossa Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), contraria toda a lógica da ciência.”, disse.
Os membros da comissão afirmaram que a PGR atrapalha os esforços de combate à pandemia do novo coronavírus, para tentar proteger o presidente Bolsonaro. “Acho que lamentavelmente a PGR não prestou um bom serviço ao enfrentamento da pandemia. A Procuradoria não pediu parecer específico sobre o uso de máscaras, não acompanhou a literatura existente. E além do mais isso já é lei”, afirmou antes da sessão o senador Humberto Costa (PT-PE).
“É uma decisão que vai gerar conflito, que vai confundir a população e vai dar argumento para as teses negacionistas”, acrescentou.
Apesar das declarações, membros da CPI se reuniram com Aras na noite de terça-feira (17).
Na ocasião, o procurador afirmou ter autonomia para levar adiante eventuais pedidos de providência contra o governo que a comissão venha a pedir. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) também criticou a decisão de Lindôra.
"É absurdo que a PGR, que representa o Estado e não o governo, que tinha que estar investigando as autoridades sejam elas quais forem dentro dos limites constitucionais, esteja ali a serviço de um governo e não de um Estado, diante de uma situação em que há interesse coletivo, é um direito difuso do povo brasileiro de proteção sanitária", afirmou.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que acionou o STF para que Aras seja investigado por prevaricação, também criticou o parecer assinado pela subprocuradora.
“A Procuradoria-Geral da República, em vez de proteger a vida e garantir a saúde da coletividade, passa recibo no negacionismo do governo Bolsonaro e nega as medidas sanitárias que a Organização Mundial de Saúde recomendou ao mundo”, publicou em rede social.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/senadores-e-procuradores-reagem-a-parecer-negacionista-de-aliada-de-aras-em-defesa-de-bolsonaro.shtml
Rosângela Bittar: Angústia
Convém deixar que Bolsonaro se enrole na sua própria teia e consuma seu próprio veneno
Rosângela Bittar / O Estado de S. Paulo
O clima de Brasília está irrespirável. O ambiente funde o medo da morte, impregnado na nova expansão da pandemia descontrolada, com o desvario constante do homem que domina os palácios da capital. A cidade se transformou, desde o início, em campo de provas da negação da ciência, da vida e do bom senso. Um novo apocalipse.
Falsidades e mentiras são multiplicadas a cada dia da gestão Jair Bolsonaro. O presidente insiste em atacar, violentar, agredir, instituições e pessoas. Convém deixar que se enrole na sua própria teia e consuma seu próprio veneno. O que importa verdadeiramente é a sobrevivência dos cidadãos.
Pode-se listar as manobras rocambolescas de Bolsonaro:
1 - O pedido de impeachment dos ministros do Supremo não se deve a uma solidariedade fraternal ao ex-deputado preso Roberto Jefferson. Afinal, até o presidente sabe que não foi mera liberdade de expressão o que ele cometeu. A série de fotos e desaforos do ex-deputado, armado até os dentes, ameaçando autoridades, pelas redes sociais, não deixa dúvidas. Os provocadores, porém, aos ouvidos de Bolsonaro, o lembraram que, depois de Jefferson, o próximo alvo seria Carlos Bolsonaro.
2 - Ao reagir furioso ao encontro do ministro Luís Roberto Barroso com o vice-presidente Hamilton Mourão, Bolsonaro deu curso a seu traço marcante, de aplicar a tudo a teoria da conspiração. Avaliou que tal reunião se destinava a tramar sua derrubada da Presidência, deixando o poder com o vice. Foi do que se queixou, sem meias-palavras, a membros do Judiciário.
3 - A insistência com que repete que não haverá eleição no ano que vem, ameaça respaldada pelo general-ministro da Defesa, não define como e com quem dará o golpe. Um novo AI-5? Como ficariam os mandatos dos deputados e senadores? Os governadores terão seu tempo prorrogado? O Centrão, que se alimenta de eleições, concordará em extingui-las?
Com estas e muitas outras imprecisões e omissões, Bolsonaro conseguiu desviar a atenção do desastre do seu governo. Em todas as áreas, mas, em especial, na gestão da pandemia, que não acabou. Embora tenha se tornado tão incômoda aos seus planos eleitorais que o presidente nem sequer menciona mais a sua querida cloroquina.
A mobilização da sociedade está sendo insuficiente para conter as sucessivas ondas de insegurança geradas em cada palavra, gesto ou movimento do presidente.
Assim, o País precisa voltar ao que interessa, ao foco do qual o presidente quer desviar a atenção do eleitorado.
A constante morte de famosos lembra que a pandemia persiste e exige novas ações de combate. Outros países mais bem posicionados que o Brasil no enfrentamento da crise já estão retomando mecanismos extremos, como o lockdown. A pandemia se mostra viva e mutante. Até tirou a máscara do quarto ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Marcelo Queiroga.
Posando de bom moço que nada devia à sociedade pelos malfeitos de seus antecessores, Queiroga entrou firme na campanha eleitoral da reeleição. Até transgrediu o plano nacional de imunização, reduzindo as doses de vacina devidas proporcionalmente a São Paulo. Mesquinharia incompatível com a gravidade da situação e mais uma questão para a Justiça arbitrar.
Ocupado apenas com seu destino e seu previsível fim, Bolsonaro inventa um enredo em que ele mesmo é o mocinho, o bandido, o padre, o pastor, o médico, o juiz de paz, o prefeito, o governador e a tropa de ataque à cidadela sitiada.
O que é mais mortal? Este Bolsonaro ou o coronavírus? A doença, é verdade, aproveita-se das populações mal governadas e abandonadas à própria sorte. Mas as instituições também precisam ampliar o seu papel de resistência. As convulsões diárias do faroeste bolsonarista não merecem tanta atenção.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,angustia,70003813898
Pacheco, Lira e Nogueira dizem a Bolsonaro o que ele não quer ouvir
O presidente do Senado é o único que poderá largar Bolsonaro de mão. Os outros querem um pouco de paz para tocar seus negócios
Blog do Noblat / Metrópoles
Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados e Ciro Nogueira (PP-PI), chefe da Casa Civil da presidência da República, disseram a Jair Bolsonaro nas últimas 48 horas que sua situação está ficando cada vez mais difícil dentro e fora do Congresso.
E que a continuar assim ou até piorar, ficará complicado para eles ajudar o governo como gostariam e se dispuseram a fazer até agora. Um deles citou a mais recente pesquisa de opinião XP-Ipespe divulgada ontem. Ela mostra que Bolsonaro seria derrotado no segundo turno por qualquer um dos nomes testados.
Perderia não só para Lula (PT) como também para Ciro Gomes (PDT), Sérgio Moro, Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Doria (PSDB) e até Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, um ilustre desconhecido fora do seu Estado. 61% dos brasileiros dizem que jamais votariam em Bolsonaro.
A pesquisa trouxe outros dados que deveriam preocupar Bolsonaro como preocupam seus aliados. A avaliação positiva do seu governo segue em queda. A vacinação em massa aumentou a avaliação positiva dos governadores (de 36% para 43%) e dos prefeitos (de 45% para 55%), mas diminuiu a dele (de 22% para 21%).
Em julho, 59% dos brasileiros diziam que a economia estava no rumo errado, contra 29% que diziam que estava no rumo certo. Agora, 63% disseram que está no rumo errado, contra 27% que a julgam no rumo certo. 57% estão convencidos de que o governo se envolveu com corrupção. 67% acompanham a CPI da Covid.
Não se sabe o que Bolsonaro respondeu aos três suplicantes que bateram à sua porta com ar grave. Mas o que lhes disse não importa. Quantas vezes ele já não deu o dito pelo não dito, recuou mais tarde para novamente avançar. Quem o contraria não é ouvido com atenção e arrisca-se a deixar de ser ouvido.
Quando cobrado por decisões erradas do seu pai ou declarações estapafúrdias, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) costuma responder:
– Fui voto vencido.
Os suplicantes podem suplicar à vontade – Bolsonaro sabe que eles não o abandonarão para não perder o poder que têm. Lira é dono de um pedaço do Orçamento da União para administrar como quiser. Nogueira ocupa o segundo cargo mais importante do governo e livrou-se de ter que disputar o governo do Piauí.
Quanto a Pacheco… Confessa a amigos que está achando “danado de bom esse trem” de ser aspirante a candidato a presidente da República ano que vem pelo PSD de Gilberto Kassab. Dos três, é o único que de fato poderá chutar a bunda de Bolsonaro.
Ministro da Defesa chama de “regime de força” o que foi ditadura
General Braga Neto, um dos mais fiéis servidores de Bolsonaro que nega a Ciência, faz questão de negar a História
Se a Procuradoria-Geral da República considera o presidente Jair Bolsonaro um fora da lei ou acima dela, por que seus ministros, pelo menos os mais importantes deles, não estariam liberados para mentir, distorcer a verdade ou simplesmente dizer qualquer coisa em nome da liberdade de expressão?
O ministro da Defesa, general Braga Netto, não precisou de licença para mentir na Câmara dos Deputados ao dizer que não houve ditadura militar entre 1964 e 1985 no Brasil. “Se houvesse, talvez muitas pessoas não estariam aqui. Ditadura, como foi dito por outro deputado, é em outros países”, afirmou.
Stop! Rebobine o filme. Entre 1964 e 1985, no mínimo 434 pessoas foram mortas ou desapareceram por ação direta de cinco governos militares que cassaram mandatos de parlamentares e de ministros de tribunais superiores, fecharam o Congresso, suspenderam o direito ao habeas corpus e censuraram a imprensa.
A ordem jurídica foi para o brejo. A tortura de presos políticos foi adotada como política de Estado e autorizada por generais no exercício da presidência da República. Guerrilheiros que se entregaram vivos ao Exército foram fuzilados. E tudo em nome da defesa da democracia supostamente ameaçada pelo comunismo.
Os militares deram a ditadura como terminada quando perderam totalmente o apoio para mantê-la. Voltaram aos quartéis como derrotados. Mas lá passaram a ensinar aos que o sucederam que a ditadura, que preferem chamar de regime de força, ou de movimento militar, foi uma imposição do tempo em que viveram.
Continuam negando a História até hoje. A propósito da passagem de mais um aniversário, este ano, do golpe de 1964, nota oficial do Ministério da Defesa afirmou que a data deveria ser celebrada e que “o movimento permitiu pacificar o país”. Braga Neto, outro dia, disse que sem voto impresso a eleição de 2022 seria cancelada.
Repetiu o que Bolsonaro já disse mais uma vez. Para a maioria dos generais, a Constituição deve ser revista porque é de esquerda, e o Supremo Tribunal Federal expurgado de ministros “comunistas”. Bolsonaro remeterá ao Senado o pedido de impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
“Houve um regime forte, isso eu concordo”, declarou Braga Neto. “Cometeram excessos dois lados, mas isso tem que ser analisado na época da história, de Guerra Fria e tudo mais, não pegar uma coisa do passado e trazer para o dia de hoje”. Quem tenta ressuscitar o passado é gente como ele e Bolsonaro.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/pacheco-lira-e-nogueira-dizem-a-bolsonaro-o-que-ele-nao-quer-ouvir
Câmara aprova em segundo turno volta das coligações, e texto vai ao Senado
Apesar de Pacheco afirmar não ter visto apoio à medida entre senadores, ele se comprometeu com Lira a levar proposta a votação
Ranier Bragon e Danielle Brant / Folha de S. Paulo
A Câmara dos Deputados concluiu na noite desta terça-feira (17) a votação da reforma eleitoral que retoma a possibilidade de coligações nas eleições para deputados e vereadores, além de colocar na Constituição amarras ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O segundo turno da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) foi aprovado por 347 votos a 135. Por se tratar de mudança na Constituição, era preciso haver votos de ao menos 308 dos 513 deputados. Agora, o texto segue para o Senado.
Para valer para as eleições de 2022, as mudanças têm que ser promulgadas até o início de outubro deste ano.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta terça ter obtido compromisso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de que a proposta não será engavetada.
"O Senado deve pautar [para votação], fez o compromisso de pauta. Agora, eu não posso, não devo e não vou me pronunciar sobre o que o Senado vai, no mérito, aprovar ou não. Os senadores decidem. Eu só pedi o respeito ao presidente Rodrigo Pacheco de, em a Câmara aprovando em segundo turno, pautar a PEC, mas sem compromisso nenhum de resultado", afirmou Lira.
Pacheco confirmou: "Em respeito à importância da matéria, vamos submetê-la à apreciação do Senado". Dias antes, o senador manifestou uma avaliação de que a proposta não será aprovada por lá.
A retomada das coligações entre os partidos para a eleição de deputados e vereadores está proibida desde o último pleito. Ela vai na contramão de regras que visam diminuir o leque das 33 siglas existentes hoje. O fim das coligações para a eleição ao Legislativo foi uma das medidas mais elogiadas pela ciência política nos últimos anos.
Partidos nanicos, sem representação significativa na sociedade e que funcionam muitas vezes como balcão de negócios, tendem a obter vagas no Legislativo apenas na união com siglas maiores.
Isso porque o sistema proporcional, hoje em vigor, distribui as cadeiras no Legislativo com base na votação total dada ao partido e aos seus candidatos. Um partido nanico ou pequeno tem chance maior de eleger representantes em conjunto do que isoladamente.
A proibição das coligações junta-se à cláusula de desempenho —que tira recursos das siglas com baixo desempenho nas urnas— na tentativa de dar maior racionalidade ao quadro político nacional.
Nas coligações, é comum também o eleitor votar, por exemplo, em um candidato defensor dos sem-terra e ajudar a eleger um ruralista, porque não raro siglas das mais diferentes ideologias se unem tendo em vista apenas as perspectivas de sucesso eleitoral.
As coligações foram aprovadas após acordo que sepultou, mais uma vez, a proposta de instituir o distritão nas eleições. Nesse modelo, são eleitos para a Câmara, Assembleias e Câmaras Municipais os candidatos mais bem posicionados. Os votos dados aos derrotados e os votos dados em excesso aos eleitos são desprezados.
O distritão fragiliza os partidos e tende a beneficiar políticos já bem posicionados ou celebridades.
Os deputados suprimiram um dispositivo que flexibilizava a cláusula de desempenho caso o partido conseguisse eleger ou tivesse pelo menos cinco senadores. Hoje, a regra prevê que é necessário eleger ao menos 11 deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação.
Esse foi o caso da Rede em 2018, que teve uma votação muito ruim na Câmara, mas conseguiu eleger cinco senadores. Mesmo assim, ficou sem recursos e estrutura no Legislativo por causa da cláusula de barreira, que só leva em conta s votos dados aos candidatos a deputado federal.
A PEC aprovada em segundo turno nesta terça também altera a data de posse de presidentes da República (5 de janeiro) e de governadores e prefeitos (6 de janeiro), o que ocorre hoje no dia 1º de janeiro.
Um outro ponto da PEC estabelece que o voto dado a mulheres e negros terá peso duplo na definição da distribuição das verbas públicas —hoje o dinheiro é repartido de acordo com a votação que cada legenda tem na eleição para a Câmara dos Deputados.
A PEC impõe ainda amarras ao STF e ao TSE, colocando na Constituição a determinação que decisões suas que alterem regras eleitorais só podem valer na disputa se forem tomadas até um ano antes.
Esse trecho é uma antiga demanda dos congressistas, segundo quem o Judiciário tem extrapolado suas funções. Se esse ponto passar também no Senado, tende a ser judicializado.
O projeto ainda flexibiliza punições a partidos e dá mais liberdade para aplicação do dinheiro destinados por eles às suas fundações.
Além dessa proposta, a Câmara dos Deputados pretende votar projetos que visam alterar praticamente toda a legislação eleitoral e política do país, em uma reforma que, se entrar em vigor, será a maior da história desde a Constituição de 1988.
Projeto que pode ir a voto nas próximas semanas, relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), tem 372 páginas e 902 artigos.
Além de censurar a divulgação de pesquisas eleitorais até a antevéspera do pleito, a proposta enfraquece as cotas para estímulo de participação de mulheres e negros na política, esvazia regras de fiscalização e punição a candidatos e partidos que façam mau uso das verbas públicas e também tenta colocar amarras ao poder da Justiça de editar resoluções para as eleições.
O projeto de Margarete, aliada de Arthur Lira, pretende revogar toda a legislação eleitoral e estabelecer um único código eleitoral. Uma primeira tentativa de alteração nas regras eleitorais já foi rejeitada pela Câmara.
No dia 10 o plenário da Câmara rejeitou projeto de emenda à Constituição que pretendia exigir a impressão do voto dado pelo eleitor na urna eletrônica.
A medida era uma das principais bandeiras do presidente Jair Bolsonaro. Desde antes de assumir, ele tem alimentado suspeitas contra as urnas eletrônicas, apesar de jamais ter apresentado qualquer indício concreto de fraude nas eleições.
Baseado nessas falsas suposições, e em um cenário de queda de popularidade e de maus resultados em pesquisas de intenção de voto, já ameaçou diversas vezes a realização da disputa do ano que vem.
O acordo para votação da PEC também incluiu a aprovação de projeto que permite a partidos políticos se organizarem em federação por ao menos quatro anos, o que representaria uma sobrevida a legendas pequenas, que correm risco de serem extintas por não alcançarem um percentual mínimo de votos nas eleições.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou a auxiliares que vetará o projeto. Acordo que está sendo costurado prevê que o Congresso mantenha o veto.
ENTENDA A VOLTA DAS COLIGAÇÕES
O que são Desde 2020 os partidos estão proibidos de se coligar para a eleição de deputados e vereadores. A coligação para as eleições majoritárias permanece. Na Câmara, a medida foi fruto de um acordo entre os defensores do distritão e a oposição
Por que as coligações foram proibidas" Objetivo foi sufocar agremiações de aluguel e reduzir o número de partidos hoje no país (33)
Por que podem voltar Partidos nanicos e médios tendem a obter vagas no Legislativo apenas em coligações com siglas maiores. Com isso, pressionam pela retomada do modelo
PRÓXIMOS PASSOS DA PEC
- No Senado, a PEC começa a tramitar pela Comissão de Constituição e Justiça. Se aprovada, segue para votação em plenário (no Senado não há comissão especial)
- Para ser aprovada pelo Senado, é preciso o voto de ao menos 49 dos 81 senadores
- Se for aprovada sem modificação em relação ao texto da Câmara, a PEC é promulgada pelo próprio Congresso e passa a vigorar, sem sanção presidencial
- Para valer para as eleições de 2022, porém, as regras têm que entrar em vigor ao menos um ano antes, ou seja, no início de outubro de 2021
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/camara-aprova-em-segundo-turno-volta-das-coligacoes-e-texto-vai-ao-senado.shtml
'Eleições têm sido livres e justas', diz procurador Luiz Carlos Gonçalves
Procurador também comemora a retirada do distritão da PEC da Reforma Eleitoral. "Nós escapamos de um gravíssimo retrocesso"
Carlos Alexandre de Souza e João Vitor Tavarez* / Correio Braziliense
A pouco mais de um ano para as eleições, a reforma eleitoral, em tramitação no Congresso, prevê mudanças para o pleito, como a volta das coligações, aprovada em dois turnos na Câmara e que, agora, será avaliada pelo Senado. Para Luiz Carlos Gonçalves, procurador regional da República, o debate é normal na democracia. “Nós escapamos de um gravíssimo retrocesso, que era o distritão. Esse mecanismo acabaria com o sistema proporcional, como temos hoje, o que levaria ao fim do compartilhamento do poder”, comentou, em entrevista ao CB.Poder. Veja os principais trechos da entrevista.
Falta pouco mais de um ano para as eleições. No entanto, as regras do sistema vêm sendo questionadas reiteradamente. Isso não confunde os eleitores?
Sim, sobretudo as narrativas de que urnas eletrônicas são fraudulentas e que, por isso, as eleições correm risco. Esse tipo de comportamento é antidemocrático e contrário à Constituição. As eleições brasileiras têm sido livres e justas, e a urna eletrônica vem sendo desafiada e passando, com aprovação, por vários testes, inclusive diante de comissões internacionais. Os anos ímpares, normalmente, são usados para o aperfeiçoamento da legislação eleitoral e para celebrar mudanças.
Como avalia as discussões em torno da reforma eleitoral, nesta semana, no Congresso?
Nós escapamos de um gravíssimo retrocesso, que era o distritão. Esse mecanismo acabaria com o sistema proporcional, como temos hoje, o que levaria ao fim do compartilhamento do poder. Hoje, um partido faz mais deputados, assim como seus adversários. Isso colabora para que todos os segmentos sociais estejam representados no Parlamento. A volta das coligações (aprovada pela Câmara), eu entendo que seja muito ruim.
Um dos pontos da reforma diz respeito a crimes eleitorais, no sentido de limitar o poder de ação da Justiça, assim como abrandar ilícitos. Como analisa esse movimento?
Está em tramitação um projeto de novo Código Eleitoral, que atende a uma necessidade real, visto que o atual dispositivo é de 1965. Está muito defasado, pois há trechos que atritam com a Constituição. Depois, houve o surgimento de um conjunto de leis eleitorais esparsas e desarmoniosas. A vinda de um novo Código é benfazejo. O novo regulamento trata de processo penal eleitoral. Inclusive, reduz o número de crimes e redimensiona para penas mais severas.
Existe muita desconfiança dos eleitores em relação ao processo eleitoral. A reforma do Código Eleitoral e outras iniciativas resolverão isso?
Acabei de elogiar o projeto do novo código, mas também preciso criticá-lo: ele diminui a transparência dos gastos partidários. Isto é, o espaço que a Justiça Eleitoral tem para verificar como os partidos usaram o recurso público. Então, o projeto, nesse sentido, vai muito mal. Ele cria um prazo inexequível para que a Justiça Eleitoral examine as contas, afrouxa a sanção para o partido que uso mal o recurso, enfim, dificulta a transparência em relação a esse tema tão importante. Outro aspecto que abala a confiança do eleitorado é a reintrodução da propaganda partidária. Esse horário foi extinto justamente porque os recursos usados para financiá-lo seriam aqueles contidos no Fundo Especial de Financiamento de Campanha.
Na sua avaliação, o projeto do novo Código Eleitoral atende bem a questão das notícias falsas. Por quê?
O projeto criminaliza esse comportamento do discurso de ódio e mentiroso e, portanto, abre espaço para atuação criminal em relação a isso. Também prevê multa para candidatos, partidos, coligações e apoiadores que promoverem mentiras, discursos de ódio e manipulação, ou seja, prevê medidas criminais e cíveis.
Quando o crime eleitoral começa a ser tipificado?
Como estamos tratando de uma disciplina eleitoral, a abrangência refere-se mesmo às eleições. Entretanto, alguns comportamentos ilícitos no âmbito eleitoral podem ocorrer a qualquer tempo. Por exemplo, o abuso de poder e o uso indevido de recursos. Tudo isso não tem tempo certo para ocorrer.
Isso tem relação com a live em que Bolsonaro ataca ministros e a legitimidade das eleições?
Prefiro não fazer referência a nenhum caso concreto. Até porque, no Ministério Público, há uma regra muito importante: a independência funcional. Portanto, há colegas que têm a atribuição legal e constitucional de, eventualmente, levar ao Judiciário condutas de altas autoridades. Mas o que se pode dizer, como regra geral, é que o uso de recursos públicos em prol de campanhas eleitorais não se permite.
* Estagiário sob supervisão de Cida Barbosa
Assista a íntegra da entrevista:
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4944348-eleicoes-tem-sido-livres-e-justas-diz-procurador-luiz-carlos-goncalves.html
Senado: ataque ao STF esgarça relação de Bolsonaro e ameaça pauta do governo
Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco apontou que matérias voltadas à recuperação da economia podem ser afetadas
Daniel Gullino e Julia Lindner / O Globo
BRASÍLIA - Ao reafirmar que enviará os pedidos de impeachmento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, ignorando conselhos de aliados e a sinalização de que o assunto não prosperará no Senado, o presidente Jair Bolsonaro pode agravar a má relação com a Casa que será palco de votações importantes para o governo nas próximas semanas. O Senado avaliará, por exemplo, a indicação do ex-ministro da AGU André Mendonça para o STF e receberá a reforma tributária atualmente em tramitação na Câmara. A falta de interlocução com senadores também reduz as chances de Bolsonaro conseguir algum tipo de suavização do relatório final da CPI da Covid, previsto para o mês que vem.
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O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já deixou claro a aliados que não dará andamento aos pedidos contra os ministros do Supremo. Nesta terça, ele afirmou que pautas voltadas à recuperação da economia podem ser afetadas pelo “esgarçamento das instituições”. Pacheco disse ainda que a análise de eventuais pedidos de afastamento de magistrados não é “recomendável” no momento:
— Entendemos que precipitarmos uma discussão de impeachment, seja do Supremo, seja do Presidente da República, ou qualquer tipo de ruptura, não é algo recomendável para um Brasil que espera uma retomada do crescimento, uma pacificação geral, uma pauta de desenvolvimento, de combate à pobreza e ao desemprego. Essa pauta ficaria prejudicada com o esgaçamento das instituições.
Aliados
Os próprios aliados de Bolsonaro já o aconselharam a recuar, sem sucesso até aqui, argumentando que há muito a perder num embate com o Senado. No horizonte, a Casa aparece como uma trincheira estratégica para o Planalto. E o primeiro prejuízo já está sendo contabilizado. Como informou a colunista do GLOBO Bela Megale, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (AP-DEM), decidiu deixar em compasso de espera a sabatina de André Mendonça, indicado de Bolsonaro ao STF, na vaga deixada por Marco Aurélio Melo, aposentado no mês passado. A aliados, Alcolumbre tem dito que não pautará a indicação antes de setembro e que não descarta adiá-la para novembro.
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Também caberá aos senadores a decisão de reconduzir ou não Augusto Aras à cadeira da procurador-geral da República. Bolsonaro já enviou a mensagem pleiteando a manutenção de Aras no posto por mais dois anos. Ao contrário de Mendonça, cujo nome enfrenta forte resistência na Casa, o chefe do Ministério Público não deverá encontrar dificuldades para a aprovação.
Outro tema considerado prioritário pelo Planalto, a reforma tributária, não sairá do papel sem a chancela dos senadores. A matéria, no entanto, ainda tramita na Câmara, e sequer há consenso entre deputados e governo sobre o texto ideal. Ontem, a votação foi adiada pela segunda vez por falta de acordo.
O termômetro político-eleitoral também indica ao Executivo que uma cisão com Pacheco tende a ser prejudicial. O presidente do Senado chegou ao cargo com o apoio de Bolsonaro, de quem vem se distanciando, e hoje é cotado com uma das alternativas para disputar a Presidência da República no ano que vem como opção da chamada terceira via.
CPI DA COVID
Além disso, no Senado, a CPI da Covid caminha para a reta final. O relator do colegiado, Renan Calheiros (MDB-AL), deve apresentar seu parecer no dia 16 de setembro. A um mês da conclusão dos trabalhos, a comissão dá sinais de que o pedido de indiciamento do presidente é praticamente inevitável. Desde os primeiro movimento da CPI, o Planalto apresenta dificuldades para se articular e evitar derrotas aplicadas pelo colegiado.
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O novo ministro da Casa Civil e senador licenciado, Ciro Nogueira, reconhece nas conversas com ex-colegas que há sérios problemas na relação do governo com o Senado. Isso foi dito em reunião com parlamentares do PSD. O líder do partido, senador Nelson Trad (MS), presente à audiência, reverberou um sentimento comum a boa parte dos parlamentares da Casa.
— Fomos falar da ausência que estamos sentindo de uma interlocução melhor com o governo. Qual é o projeto do governo? Responde para mim. Como é que nós vamos defender ou ajudar uma coisa que a gente não sabe nem o que é? — queixou-se o líder da segunda maior bancada da Casa.
Pela manhã, Bolsonaro voltou a dizer que não recuaria do plano de dar andamento aos pedidos de impeachment de Moraes e Barroso.
— Eu vou entrar com um pedido de impedimento dos ministros no Senado. O local é lá. O que o Senado vai fazer? Está com o Senado agora, independência. Não vou agora tentar cooptar senadores, de uma forma ou de outra, oferecendo uma coisa para eles etc etc etc, para votar o impeachment deles — disse o presidente, à rádio Capital Notícia, de Cuiabá.
*Título original do texto foi alterado para publicação no portal da FAP