votação
Revista online | Editorial: Sinais de 2023
Após um ano tenso e conturbado, o país está às vésperas do início de um novo ano e da passagem do governo para as forças vitoriosas no segundo turno das eleições. No entanto, o desenrolar do processo político, no período curto que se encerra entre a votação e a divulgação dos resultados do segundo turno e a posse dos eleitos, pleno de episódios graves e inesperados, deixa sinais que permitem perscrutar tendências possíveis para o primeiro ano do novo governo.
Chama a atenção, em primeiro lugar, o chamado à radicalização, que levou partidários do governo que se encerra à concentração em torno de instalações militares, na capital e em diversas cidades do país. Manifestantes pediram, ao longo de dois meses inteiros, o não reconhecimento do resultado das eleições, por meio da ação das Forças Armadas, contra os Poderes Judiciário e Legislativo. Parte desses manifestantes promoveu tumultos em diversos pontos de Brasília, contra as medidas repressivas tomadas pela Polícia Federal. Finalmente, uma parte menor ainda desse coletivo procedeu ao planejamento e execução de atentados terroristas, com potencial enorme de vítimas, no caso de sua concretização. Tudo sob a sombra da condescendência das autoridades do Distrito Federal, de parte dos efetivos policiais e até, ao que consta, de setores militares.
Esse processo e o apoio que encontra em parte expressiva da população, assim como as vitórias eleitorais em governos de Estados relevantes, no Senado e na Câmara dos Deputados, indicam a persistência do curto prazo de uma oposição expressiva de extrema direita autoritária ao governo que se inicia em janeiro.
Veja, a seguir, galeria de fotos de manifestações contra Bolsonaro:
O novo governo, por seu turno, parece ter cumprido com sucesso sua primeira tarefa política: a montagem de uma equipe com a amplitude suficiente para garantir um mínimo de governabilidade, nas duas Casas do Congresso Nacional. No entanto, esse processo deve prosseguir, até a obtenção de um acordo com todas as forças políticas democráticas, com os objetivos de isolar a oposição autoritária, pactuar uma agenda de objetivos comuns no que toca à reconstrução democrática do país, com destaque para a promoção da inclusão e o combate às desigualdades, assim como uma estratégia de atuação coordenada até as eleições municipais de 2024, momento em que forças democráticas e autoritárias se enfrentarão mais uma vez no campo da disputa pelo voto dos eleitores.
Urge retirar, de forma paciente, por meio da política, a direita autoritária da condição de alternativa real de poder. Apenas dessa forma o debate e a disputa legítima no interior do campo democrático poderão fluir de forma livre e construtiva, resultando em ganhos sustentáveis no que toca ao incremento da equidade, da prosperidade e da sustentabilidade no país.
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Nas entrelinhas: Uma Rosa no comando do STF (e o espinho)
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.
Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.
Como magistrada, é uma rosa de ferro, acostumada a tomar decisões difíceis. Na segunda-feira, por exemplo, enviou para a Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação de Bolsonaro por ter feito ataques ao sistema eleitoral, sem provas, durante encontro com embaixadores estrangeiros.
Deu sequência à ação na qual parlamentares da oposição questionam a conduta do presidente por abuso de poder econômico, improbidade administrativa e crime contra o Estado democrático de Direito. Houve forte reação da opinião pública e das chancelarias estrangeiras aos ataques que Bolsonaro fez ao sistema eleitoral brasileiro, principalmente à urna eletrônica, à Justiça Eleitoral e aos ministros Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Alexandre de Moraes, que assume o comando da Corte durante as eleições.
Apesar de pôr mais lenha na fogueira das tensões entre Bolsonaro, o espinho, e o Supremo, essa foi uma decisão de praxe, pois cabe à PGR decidir se pede a instauração de apurações formais contra autoridades com foro privilegiado, o que é muito improvável. O procurador-geral da República, Augusto Aras, é um aliado quase incondicional de Bolsonaro. Provavelmente, a PGR pedirá o arquivamento do caso, como vem fazendo sistematicamente em assuntos que envolvem o presidente. Nos bastidores, Aras é uma das autoridades que mais se queixam da atuação do Supremo, que teria usurpado atribuições do Executivo e do Legislativo, segundo afirma nos bastidores da Praça dos Três Poderes.
Gaúcha de Porto Alegre, Rosa Weber tomou posse na Suprema Corte em 2011, depois de ter sido indicada pela então presidente Dilma Rousseff. Presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2018 a 2020, ou seja, durante a eleição de Bolsonaro. Fez carreira na Justiça do Trabalho, na qual ingressou em 1976, como juíza substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul). Em 1981, foi promovida ao cargo de juíza-presidente, que exerceu sucessivamente nas Juntas de Conciliação e Julgamento de Ijuí, Santa Maria, Vacaria, Lajeado, Canoas e Porto Alegre.
Judicialização
Pela própria trajetória como magistrada, Rosa é protagonista de um fenômeno polêmico, que vem sendo muito questionado e também estudado no Brasil: a judicialização da política, a partir de uma concepção formal sobre as atribuições e relações entre os poderes. O debate político, porém, deu à expressão, cujo sentido é normativo, um caráter pejorativo.
A rigor, há dois modelos em discussão. No primeiro, trata-se de uma República constitucional com predomínio das instâncias eleitorais-majoritárias de representação, na qual o Judiciário é voltado à aplicação da lei aos casos individuais e com limitada interferência nas decisões legislativas e governamentais. É mais ou menos nesse campo que se posicionam Bolsonaro, os militares que ocupam o Palácio do Planalto, os políticos do Centrão que dão sustentação ao governo e Aras.
O outro modelo consagra a cooperação e complementariedade entre os poderes nas decisões políticas, com base na Constituição de 1988, que deu ao Estado brasileiro as características de uma democracia ampliada, com maior participação da sociedade civil nas agências governamentais. Nesse modelo, o Judiciário tem o papel de formular os valores compartilhados e servir de canal de expressão para grupos minoritários cujos direitos não são levados em conta pela representação da maioria.
Nesse contexto, ao longo dos últimos 20 anos, o Supremo emergiu como poder moderador na relação entre os poderes Executivo e Judiciário e entre o Estado e sociedade, ocupando espaços na definição de políticas públicas e na garantia de direitos sociais, sempre que o Executivo os contrariava ou o Legislativo se omitia, como nos casos do aborto, das terras indígenas, das relações homoafetivas etc.
A existência da Justiça Trabalhista e da Justiça Eleitoral, que antecedem a Constituição de 1988, já era expressão dessa tendência, que ganhou mais vigor a partir da democratização do país. São inúmeros os temas nos quais o STF é demandado em ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) para garantir direitos de entes federados ou dos cidadãos em sua relação com o Estado. Rosa tende a reafirmar essa tendência à frente do Supremo, até por uma questão de coerência doutrinária e trajetória pessoal na magistratura.