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Copa do Mundo e covid: por que 'normalidade' frustra chineses
Kerry Allen*, BBC News Brasil
Os meios de comunicação estatais chineses deram grande atenção à Copa do Mundo nesta semana, mas as partidas de futebol estão alimentando a frustração da população do país, que está ficando à margem das comemorações.
Além da seleção da China não ter se classificado para o evento, cenas de comemorações sem máscara e aglomerações barulhentas no Catar irritaram os espectadores, que foram desencorajados a se reunir para assistir aos jogos.
Muitos usaram a Copa do Mundo para reclamar na internet sobre as estratégias contra a covid atualmente em vigor na China. O país mantém uma política de covid-zero, na qual comunidades inteiras entram em lockdown por causa de casos isolados do vírus, a fim de evitar que se espalhe.
A China registrou nesta semana o maior número de casos diários de covid desde o início da pandemia, apesar das medidas rígidas adotadas. Várias cidades grandes, incluindo a capital Pequim e o centro comercial do sul, Guangzhou, estão enfrentando surtos da doença.
Na quarta-feira desta semana, foram registrados 31.527 casos, frente ao pico de 28 mil em abril. No entanto, os números ainda são ínfimos para um país de 1,4 bilhão de habitantes.
Presença simbólica
O futebol é muito popular na China. O presidente, Xi Jinping, é conhecido por ser um amante do esporte, e já havia falado anteriormente que era um sonho do país vencer a Copa do Mundo.
Por isso, as partidas estão sendo transmitidas pela emissora nacional CCTV, e a imprensa estatal tem buscado ampliar a "presença" da China.
O Global Times noticiou como os produtos fabricados na China "desde os ônibus até o estádio [Lusail], e inclusive aparelhos de ar-condicionado, estão bem representados no evento".
Meios de comunicação importantes como a CCTV também divulgaram a presença de porta-bandeiras chineses na cerimônia de abertura — e como dois pandas gigantes chegaram ao Catar para "conhecer" os visitantes que chegam para o evento.
Mas é evidente que a covid-19 atrapalhou as comemorações. Nas principais cidades, os surtos provocaram mais uma vez o fechamento de negócios não essenciais — e as pessoas foram instadas a limitar seus movimentos.
Sem bares para onde ir, o jornal Global Times afirma que alguns torcedores estão "optando por ver os jogos em casa com suas famílias". Outros, segundo a publicação, preferiram ir acampar.
Os voos entre o Catar e a China também permanecem bastante limitados para quem deseja assistir ao evento pessoalmente.
Um mundo dividido
Muitos estão sentindo um forte isolamento ao assistir ao evento deste ano.
Uma carta aberta questionando a contínua política de covid-zero do país e perguntando se a China estava "no mesmo planeta" que o Catar se espalhou rapidamente no aplicativo de mensagens WeChat na terça-feira, antes de ser censurada.
Na rede social Weibo, parecida com o Twitter, não faltam comentários de espectadores falando sobre como assistir às partidas deste ano os faz se sentirem separados do resto do mundo.
Alguns compartilham a percepção de que é "estranho" ver centenas de milhares de pessoas reunidas, sem usar máscaras ou precisar mostrar evidências de um teste recente de covid-19.
"Não há assentos separados para que as pessoas possam manter distância social, e não há ninguém vestido de branco e azul [médico] nos bastidores. Este planeta ficou realmente dividido."
"De um lado do mundo tem o carnaval que é a Copa do Mundo, do outro tem a regra de não ir a lugares públicos por cinco dias", diz outro usuário.
Alguns afirmam ter dificuldade de explicar aos filhos por que as cenas do Mundial são tão diferentes daquelas que as pessoas testemunham em casa.
Há muita gente na China, no entanto, que critica a abertura de países no exterior, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda classifica o vírus causador da covid-19 de "emergência global aguda".
Até agora, não há uma perspectiva de término das medidas existentes na China. Nesta semana, o porta-voz da Comissão Nacional de Saúde "alertou contra qualquer afrouxamento na prevenção e controle da epidemia" — e fez um apelo por "medidas mais resolutas e decisivas" para controlar os casos da doença.
Os governos locais das principais cidades reintroduziram testes em massa e restrições de viagens — e, por fim, transmitiram a mensagem de que as pessoas deveriam tentar ficar em casa.
Mas depois de três anos de medidas deste tipo, as pessoas estão frustradas, o que provocou protestos no último mês nas cidades de Guangzhou e Zhengzhou.
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil. Título editado
Nova alta de casos de covid-19 exige atenção para cuidados e proteção
Mariana Lemos*, Brasil de Fato
Mesmo que o Brasil esteja vivenciando os menores números de contaminações e mortes por coronavírus desde o início da pandemia, cientistas apontam que uma nova onda, causada sobretudo por nova subvariante do vírus, pode estar chegando ao Brasil. Com isso é importante estar atento à saúde e ao calendário vacinal, assim como retomar os cuidados de proteção contra a Covid-19.
Em diversos estados brasileiros já se está percebendo o aumento do número de casos registrados. Segundo levantamento realizado pelo Instituto Todos pela Saúde (ITpS), no mês passado os testes com resultado positivo saltaram de 3% para 17%.
Segundo os dados divulgados pelo Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), a média móvel de casos registrados por dia nos últimos sete dias está em 6.181. Entretanto, somente nas últimas 24 horas foram registrados 12.017 casos confirmados. Fora isso, 40 mortes por covid foram registradas nesta última quinta (10) .
Prevenção
Por isso, é muito importante que a população retome os cuidados e evite a transmissão do vírus, precauções que nos últimos anos viraram rotina e que todo mundo já sabe.
Além do uso de máscaras de proteção, sobretudo em lugares fechados como no transporte público e em salas de aula, é importante realizar a higiene das mãos com água e sabão ou álcool 70%. Vale também, se possível, evitar aglomerações e, no caso de apresentar sintomas, realizar o isolamento social. A etiqueta respiratória também é válida, ou seja, ao tossir ou espirrar, utilize um lenço de papel para que as gotículas não sejam espalhadas pelo ar.
E mesmo com todos estes cuidados é importante estar com a vacinação em dia, evitando assim, o contágio pelo vírus. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), "a vacinação contra a Covid-19 provou ser altamente efetiva na proteção contra casos graves e morte. No entanto, a efetividade da vacinação com as duas doses iniciais diminuiu com a chegada de novas variantes, justificando a aplicação das doses de reforço".
Portanto procure o posto de saúde mais próximo de você e atualize o seu esquema vacinal, conforme o calendário de vacinação previsto para a sua faixa etária no seu município. Vale lembrar que, salvo raras exceções, toda a população desde os seis meses de idade, pode ser vacinada.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.
Covid: o que nova onda de casos na Europa significa para o Brasil
BBC News Brasil*
Esse é o primeiro parágrafo de uma declaração conjunta publicada em 12 de outubro pelos líderes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da Europa (ECDC) e por representantes da Organização Mundial da Saúde (OMS) neste continente.
Agora, porém, a preocupação vem em dose dupla: com a chegada do outono e, mais pra frente, do inverno no Hemisfério Norte, as autoridades da região também preveem uma temporada de alta transmissão do influenza, o vírus causador da gripe.
"A potencial cocirculação da covid-19 e da gripe colocará pessoas vulneráveis em maior risco de sofrer com doenças graves e morte, com um provável aumento da pressão sobre hospitais e profissionais de saúde, já esgotados por quase três anos na linha de frente da pandemia", antevê o texto.
A melhor estratégia para lidar com essas ameaças, apontam as instituições, é reforçar a vacinação, especialmente dos grupos mais vulneráveis.
Mas o que revelam os números atuais da covid-19 no continente europeu? E o que eles podem representar para o Brasil e para o resto do mundo?
Em resumo, a situação exige cuidados e reforços dos imunizantes, especialmente em idosos e outros grupos mais vulneráveis. Os pesquisadores temem que a onda que se inicia no outono europeu chegue ao Brasil entre dezembro e janeiro, provocando um novo aumento nos casos e nas mortes por covid. Esse fenômeno, aliás, aconteceu em períodos anteriores.
Sobe e desce
Toda semana, a OMS divulga um relatório em que atualiza a situação da covid-19 no mundo.
A última edição do documento, publicada em 19 de outubro, mostra que a situação da Europa está instável: nas três semanas de outubro, os números de casos e mortes subiram e, depois, caíram.
Foi registrado um aumento de 8% nas infecções em 5/10, com duas quedas seguidas em 12/10 (-3%) e 19/10 (-11%).
Mesmo assim, dos cinco países que detectaram mais casos de covid-19 nos últimos sete dias, três são europeus: Alemanha (583 mil novas infecções), França (337 mil) e Itália (288 mil). Os outros dois são China (328 mil) e Estados Unidos (251 mil).
Atualmente, as nações localizadas no centro e na região Mediterrânea do continente estão entre aquelas com a maior taxa relativa de casos de covid-19 em comparação com o resto do mundo.
"Esse aumento de casos observado não só na Europa, mas também na Ásia, acende um sinal de alerta e não há menor dúvida que é algo importante", constata o epidemiologista Paulo Petry, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A mudança nos cenários epidemiológicos motiva, inclusive, discussões sobre a volta de certas medidas preventivas.
Com aumento de casos e até de hospitalizações, alguns Estados da Alemanha, por exemplo, avaliam a reintrodução da obrigatoriedade do uso de máscaras em lugares fechados ou o reforço das campanhas de testagem.
Segundo a Deutsche Welle, o ministro da Saúde alemão, Karl Lauterbach, considera que o país está "bem preparado para o outono e o inverno, graças às vacinas atualizadas e aos medicamentos".
"Mesmo assim, a direção para a qual estamos caminhando não é boa", avalia.
Para a infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é preciso acompanhar essa onda por mais tempo para entender os efeitos que ela terá.
"A tendência, e o nosso desejo, é que ela seja menos impactante que as anteriores, até pela vacinação e a quantidade de pessoas que já tiveram a covid-19", aponta.
"Mas será necessário conferir isso na prática para ter certeza se essas infecções vão causar hospitalizações e, infelizmente, mortes", complementa.
Mas o que explica essa possível nova onda que começa a se formar na Europa?
Novas variantes?
O último relatório da OMS aponta que, no último mês, 98,7 mil sequências genéticas do coronavírus foram compartilhadas nas bases de dados públicas.
As análises mostram que a variante ômicron BA.5 continua a ser dominante e aparece em 78,9% das amostras.
A seguir, são observadas outras linhagens da ômicron que são "primas-irmãs", como a BA.4 (6,7%) e a BA.2 (3,9%).
Uma nova variante que começa a chamar a atenção das autoridades é a XBB, que mescla mutações da BA.2.10.1 e da BA.2.75.
Ela já foi detectada em 26 países — e alguns trabalhos iniciais sugerem que a nova versão tem uma grande capacidade de escapar da imunidade, obtida por meio da vacinação ou de infecções prévias.
Mas é preciso ponderar que, por ora, o número de amostras da XBB é tímido: falamos aqui de pouco mais de 800 sequenciamentos genéticos dela feitos ao redor do mundo.
"Ainda que essa linhagem recombinante mostre sinais de vantagem em comparação com as variantes descendentes da ômicron, ainda não há evidências de que ela leve a uma maior gravidade da doença", esclarece a OMS.
Com as evidências disponíveis até o momento, portanto, o aumento de casos percebidos na Europa parece ser causado pela "família" ômicron.
O virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale, do Rio Grande do Sul, explica que "ainda não foi encontrada uma nova variante" que ajude a explicar o atual cenário.
"Mas isso pode ser questão de tempo se olharmos o que está ocorrendo, especialmente em países como Alemanha", avalia.
Ou seja: quanto mais o coronavírus circula, mais chance tem de sofrer mutações que sejam benéficas para ele. E isso, por sua vez, abre alas para variantes mais transmissíveis, agressivas ou com capacidade de driblar o sistema imune.
A situação na Europa, por ora, parece estar relacionada ao completo relaxamento das medidas restritivas — como era natural que acontecesse com a melhora da situação pandêmica.
Mas a proximidade entre as pessoas no trabalho, nos eventos e nas ocasiões sociais — que acontecem cada vez mais em lugares fechados, por causa do frio — facilita a troca de vírus respiratórios.
E isso desemboca num aumento da transmissão comunitária do patógeno, que pode gerar complicações e até matar, especialmente os indivíduos mais vulneráveis, como idosos e imunossuprimidos.
O contra-ataque
Spilki aponta que, mesmo com esse aumento de casos no início do outono no Hemisfério Norte, "atualmente não há espaço para debate sobre grandes medidas de restrição".
Na avaliação das autoridades locais, com vacinas e remédios amplamente disponíveis no continente, parece impraticável e até desnecessário resgatar as medidas drásticas do passado, como o lockdown.
"A preocupação deveria estar em completar o calendário de vacinação daqueles que estão com doses atrasadas", sugere o virologista.
O ECDC calcula que 72,6% dos europeus completaram o esquema inicial de imunização. Apenas 53,9% deles tomaram a terceira vacina, considerada fundamental para proteger contra as formas mais graves da infecção provocada pela variante ômicron.
Com a vacinação como a principal política pública de saúde, muitos países europeus já começaram a aplicar a quarta dose — ou a segunda dose de reforço — em parte da população.
O imunizante que está sendo oferecido nas últimas semanas traz uma novidade importante: a formulação do produto foi atualizada para proteger melhor contra as variantes mais recentes, como a ômicron BA.1.
O mesmo processo inclusive, acontece todos os anos com as vacinas contra o influenza.
"Nossa mensagem é simples: a vacinação salva vidas. Ela diminui as chances de ser infectado e o risco de sofrer com as consequências mais severas da covid e da gripe sazonal", escrevem os representantes da OMS e da ECDC.
"Não há tempo a perder. Nós encorajamos todo mundo que for elegível, especialmente os mais vulneráveis, a tomar as doses assim que possível", complementam.
Cada país da região adota critérios próprios para definir o público-alvo da atual campanha de vacinação contra a covid.
No Reino Unido, por exemplo, a segunda dose de reforço já está disponível para todos com mais de 50 anos, gestantes, indivíduos imunossuprimidos, cuidadores de idosos e profissionais da saúde e da assistência social.
Stucchi, que também integra a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), destaca a necessidade de educar as pessoas, para que elas entendam quando estão numa situação de risco ou se elas fazem parte daqueles grupos em que a covid-19 pode ser mais grave.
"Com isso, o indivíduo pode avaliar a situação, usar máscaras em locais fechados, tomar as doses de vacina e se isolar se estiver com algum sintoma de infecção respiratória", propõe.
E o Brasil?
Por ora, a situação no país parece rumar para uma diminuição dos indicadores mais importantes relacionados à crise sanitária.
Desde julho, a média móvel de casos de covid está em redução e passou de 59,8 mil em 15/7 para 4,9 mil em 23/10 — uma queda proporcional de doze vezes.
Algo similar acontece com as mortes. O último pico foi registrado em fevereiro, com uma média móvel de 951 óbitos em 11/2. O número despencou para 60 em 23/10.
Os dados vêm do monitoramento feito pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde, o Conass.
Para Petry, esse platô brasileiro também deve ser visto com precaução. "Não estamos numa situação confortável. Por trás desses números, temos a vida das pessoas e o impacto às famílias", avalia.
O momento de maior calmaria, porém, deveria ser visto como uma oportunidade para fazer o planejamento dos próximos meses, com o objetivo de manter os números nessa tendência descendente, apontam os especialistas.
"Nosso receio é que se repita o panorama de outros anos, em que a onda de casos no outono europeu se refletiu numa elevação de infecções e mortes por covid em dezembro e janeiro no Brasil", analisa Spilki.
"Para evitar isso, precisamos observar os efeitos das vacinas atualizadas nos países que já adotaram essa estratégia e pensar na campanha de reforço por aqui para o início de 2023", propõe o virologista.
Stucchi pondera que nem sempre os fenômenos são importados do exterior e têm o mesmo efeito no país. "A variante delta foi ruim na Europa e tínhamos medo do que ela faria quando chegasse. Mas o impacto aqui foi bem menor", compara.
Até o momento, porém, não há nenhuma sinalização de que o tema da atualização das vacinas está sendo discutido no país.
Uma reportagem publicada pela BBC News Brasil em 22 de setembro apontou que o Ministério da Saúde não realizou reuniões públicas com especialistas sobre a estratégia vacinal para o ano que vem — e nenhuma notícia foi divulgada sobre o assunto desde então.
Os pesquisadores também chamam a atenção para a falta de medicamentos específicos para tratar a covid — alguns deles já liberados para uso no país.
No início de outubro, a SBI lançou uma nota técnica em que expressa "preocupação em relação aos processos de incorporação, indicação e distribuição de medicações já aprovadas pela Anvisa para o tratamento e prevenção da covid-19, mas que até o momento não estão disponíveis para uso no setor público".
O documento afirma que, "apesar do número de hospitalizações e óbitos por covid-19 ter sido reduzido com o avanço da vacinação, somente em setembro 7.321 brasileiros" morreram de covid, "sendo que muitos deles poderiam se beneficiar de medicações terapêuticas ou estratégias preventivas contra a infecção".
A instituição aponta que fármacos como o nirmatrelvir/ritonavir, o baracitinibe, o molnupiravir e o rendesivir já receberam a avaliação positiva da agência regulatória brasileira, mas não foram distribuídos na rede pública e não há clareza de quando eles podem ser prescritos na prática.
A BBC News Brasil entrou em contato com o Ministério da Saúde para solicitar um posicionamento a respeito dos pontos apresentados sobre a vacinação e os medicamentos. Não foram enviadas respostas até a publicação da reportagem.
Por fim, Spilki destaca a necessidade de "monitorar melhor os casos".
"Precisamos trabalhar com busca ativa e fazer um rastreamento para termos o alerta precoce de uma nova onda", diz.
"O diagnóstico e o monitoramento da covid continuam num patamar muito baixo no país", lamenta.
Stucchi concorda e afirma que o Brasil "é um péssimo aluno".
"A gente não aprende com os erros do passado. Ainda precisamos de um sistema de vigilância que consiga detectar com antecedência a circulação de vírus respiratórios para planejarmos as ações de saúde", conclui.
Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.
Vírus da pólio assusta Américas, onde cobertura vacinal está abaixo do recomendado
Priorizar planos para mitigar a poliomielite nas Américas foi destaque numa resolução da 30ª Conferência Sanitária Pan-Americana, concluída na semana passada, em Washington. Uma das maiores preocupações, é a baixa cobertura de imunização na região. A taxa necessária para prevenir o retorno do vírus é de 95%.
Na resolução, a Organização Pan-Americana da Saúde, Opas, também prevê medidas para aumentar a vacinação e a vigilância, além de assegurar uma preparação adequada para um possível surto nas Américas.
Saúde pública
Dois eventos levaram à medida: a queda a 80% dos níveis de vacinação e vigilância da poliomielite e a recente confirmação da circulação do poliovírus em Nova Iorque. Outro ponto da resolução é o pedido de maior envolvimento da sociedade civil, líderes comunitários, ONGs, setor privado, instituições acadêmicas e outras partes interessadas em medidas para avançar e atuar de forma coordenada para que a região esteja livre da pólio.
A Opas incentiva ainda a cooperação técnica e parcerias entre países para o desenvolvimento, a implementação, o monitoramento, a mitigação de riscos e os planos de preparação da poliomielite.
O texto pede aos países que informem à Opas sobre os progressos e desafios na implementação dos esforços para conter a pólio na região.
Populações não vacinadas
Pelo menos 12 nações da região correm risco muito elevado ou alto de um surto da doença, que pode ser totalmente prevenida com vacinas.
O perigo é que o problema se espalhe rapidamente entre comunidades com cobertura vacinal insuficiente.
Antes do alerta de circulação da poliomielite derivada da vacina, emitido em agosto pelos Estados Unidos, a Opas alertou a região a ser vigilante e a tomar medidas para alcançar de forma proativa as populações não vacinadas.
O aviso prévio também advertiu sobre a necessidade de aumentar a vigilância da paralisia facial aguda, que indica a circulação da poliomielite.
Revista online | Monkeypox reacende alertas sobre estigma e homofobia
Especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
Em 1983, os primeiros casos de Aids no Brasil foram estampados em manchetes de jornais na linha do que marcou as primeiras décadas da epidemia. No início, após o maior número de diagnósticos entre homens que faziam sexo com homens, noticiários divulgaram os casos como “peste gay”, “câncer gay” e “gay compromise syndrome”, o que discriminou homens gays, apontados como “grupo de risco”.
Quase quarenta anos depois, as memórias sobre a desinformação e os estigmas do início da epidemia de Aids voltam à tona diante da mais recente emergência de saúde pública de importância internacional: o vírus monkeypox. Antes restrita a alguns países africanos, a doença infecciosa causada por ele começa a se disseminar pelo planeta. Já são mais de 41 mil casos e 12 mortes em 96 países, incluindo o Brasil. A maioria deles está nos Estados Unidos.
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A doença não é uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST). No entanto, a alta prevalência entre homens que fazem sexo com homens nos primeiros diagnósticos voltou a motivar manifestações de autoridades que chegaram a aconselhar a redução do número de parceiros sexuais para esse grupo, no Brasil e no mundo.
Recentemente, o próprio diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que uma forma de se proteger do vírus monkeypox seria homossexuais masculinos reduzirem o número de parceiros, apesar de depois ter demonstrado preocupação com o estigma. Ele também declarou que a doença constitui uma emergência de saúde pública de importância internacional.
Professora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e que pesquisou a história da Aids no Brasil, a historiadora Dilene Raimundo do Nascimento disse que pronunciamentos nessa linha podem reforçar a discriminação contra homossexuais homens. Além disso, segundo ela, esse discurso ajuda a disseminar a crença de que outros grupos estão imunes à monkeypox.
“Todos viram o que aconteceu com o HIV/Aids, como foi difícil lidar com isso para as autoridades sanitárias, para a população em geral e particularmente os próprios afetados pelo vírus. Isso não pode se repetir de forma alguma”, alertou Dilene. Ela é autora do livro As Pestes do século 20: tuberculose e Aids no Brasil, uma história comparada, da Editora Fiocruz.
Veja, a seguir, galeria de imagens sobre monkeypox:
Discriminação
Em meados dos anos 1990, a Aids ainda estava na agenda das autoridades de saúde como uma doença de homossexuais. Pessoas conhecidas nacionalmente, como o sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho, que era HIV-positivo por conta da hemofilia e presidiu a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), contribuíram muito na luta contra discriminação. Apenas em 1995, começaram a ser feitos cartazes sobre o HIV para mulheres, por exemplo.
O infectologista Bruno Ishigami afirmou que é preciso ter cautela. “O HIV mostrou isso para a gente de forma bem ruim, quando a gente disse lá atrás, que era uma doença exclusiva de gays, de gente que era promíscua. A gente criou estigmas que existem até hoje", lembrou ele. “Não gosto do discurso 'pare de transar com muitas pessoas'. Isso nunca funcionou com o HIV e não é hoje que vai funcionar com a monkeypox", acrescentou, ressaltando que aposta na conscientização das pessoas.
Em sua página de perguntas e respostas sobre o vírus monkeypox, a OMS condenou a estigmatização de grupos de pessoas que ocorre via mensagens online. "Vimos mensagens estigmatizando certos grupos de pessoas em torno desse surto de varíola. Queremos deixar bem claro que isso não está certo”, disse o texto.
“Em primeiro lugar, qualquer pessoa que tenha contato físico próximo de qualquer tipo com alguém que tenha varíola está em risco, independentemente de quem seja, o que faça, com quem tenha relações sexuais ou qualquer outro fator. Em segundo lugar, estigmatizar as pessoas por causa de uma doença é inaceitável. É provável que o estigma só piore as coisas e nos impeça de acabar com esse surto o mais rápido possível”, acrescentou a OMS.
Vulnerabilidade
Segundo a historiadora da Fiocruz, uma forma de informar a população de forma responsável é lembrar que homens que fazem sexo com homens podem eventualmente fazer sexo com mulheres. “As pessoas não estão isoladas. Elas se relacionam de uma forma ou de outra. Qualquer pessoa pode estar suscetível a se contaminar com o vírus da monkeypox, independentemente de sua orientação sexual”, asseverou Dilene.
“É preciso fazer um trabalho de formiguinha, disseminando esse entendimento de que as pessoas se interrelacionam e que, nesse relacionamento, as transmissões podem acontecer. Qualquer tentativa de minimizar ou desconstruir preconceitos e discriminação tem de mostrar que as pessoas não vivem em um casulo, as pessoas não vivem apenas dentro de um grupo. As pessoas vivem em sociedade. Espero que essa discriminação de que homens que fazem sexo com homens são os mais suscetíveis à monkeypox seja rapidamente eliminada”, ressaltou a pesquisadora.
Sintomas e transmissão
Os principais sintomas da doença são lesões na pele, febre, dor no corpo e dor de cabeça. Podem ocorrer lesões genitais e no ânus. Os sintomas costumam durar de duas a quatro semanas. A doença pode evoluir para um quadro mais grave em grupos mais vulneráveis, como crianças e pessoas com imunidade reduzida.
A transmissão ocorre principalmente pelo contato direto com pessoas infectadas, principalmente pelo contato direto com pessoas infectadas: pele a pele, fluídos corporais e feridas infecciosas, assim como por meio de contato prolongado com secreções respiratórias. A possibilidade de transmissão sexual do vírus ainda está sendo investigada pelos cientistas. Macacos não fazem parte do ciclo da doença.
A principal recomendação da OMS é evitar contato direto com pessoas que apresentem sintomas ou tenham confirmação da doença, incluindo beijo, abraço e relação sexual; Também é indicado uso de máscaras de proteção facial e higienização das mãos de forma correta e com frequência. Pessoas com quadro suspeito devem procurar imediatamente serviços de saúde.
Estigma até no nome...
Da mesma família dos vírus responsáveis pelas varíolas humana e bovina, o monkeypox foi descoberto em 1958, quando pesquisadores investigaram um surto infeccioso em primatas oriundos da África que estavam sendo estudados na Dinamarca, país localizado na região da Escandinávia, no norte da Europa.
No entanto, pouco tempo depois, os cientistas verificaram que os macacos não participavam da dinâmica da infecção como animais reservatórios do vírus e que também eram afetados pelo patógeno, assim como outros mamíferos. Ainda não se sabe com exatidão as espécies reservatórias do monkeypox, nem como sua circulação é mantida na natureza.
O primeiro caso da doença em humanos foi registrado em 1970 na República Democrática do Congo. A partir de maio deste ano, houve uma rápida dispersão em países onde a infecção não costumava ocorrer, incluindo o Brasil.
Em uma tentativa de evitar estigma e preconceito contra os indivíduos infectados e maus tratos contra os animais, cientistas orientam denominar a doença no Brasil exclusivamente como “monkeypox” (mesmo nome do vírus), já que o surto atual não tem relação com primatas. Somente esse termo tem sido adotado pelo Ministério da Saúde, em conformidade com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O nome monkeypox também é utilizado na Classificação Internacional de Doenças (CID-10). “Todo esse movimento tem o intuito de se evitar desvio dos focos de vigilância e más ações contra os animais", explica a vice-diretora de Serviços de Referência, Coleções Biológicas e Ambulatórios do Laboratório de Enterovírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), responsável por analisar, Maria de Lourdes Oliveira.
Em todo o mundo, vários cientistas já manifestaram a necessidade de um nome para a doença e para o vírus que não seja discriminatório nem estigmatizante. Por isso, diante do apelo da comunidade médica internacional, há a expectativa de que o comitê consultivo da OMS realize a mudança na nomenclatura.
Alertas semelhantes ocorreram nos casos da covid-19 e influenza A H1N1. Para evitar preconceitos e estigmas, a OMS reclassificou os nomes das doenças. No primeiro e mais recente caso buscou-se não atrelar a doença ao país de origem dos casos. No segundo exemplo, o consenso foi para dissociar o nome da gripe ao do animal, que não estava diretamente relacionado com contágio naquele momento.
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Cães e gatos podem ter vírus da covid-19, mas não transmitem a doença
Pesquisa é da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Alana Gandra / Agência Brasil
Apenas 11% dos cães e gatos que habitam casas de pessoas que tiveram covid-19 apresentam o vírus nas vias aéreas. Esses animais, entretanto, não desenvolvem a doença, segundo pesquisa realizada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Isso significa que eles apresentam exames moleculares positivos para SARS-CoV-2, mas não têm sinais clínicos da doença.
Segundo o médico veterinário Marconi Rodrigues de Farias, professor da Escola de Ciências da Vida da PUC-PR e um dos responsáveis pelo estudo, até o momento, foram avaliados 55 animais, sendo 45 cães e dez gatos. Os animais foram divididos em dois grupos: aqueles que tiveram contato com pessoas com diagnóstico de covid-19 e os que não tiveram.
A pesquisa visa analisar se os animais que coabitam com pessoas com covid-19 têm sintomas respiratórios semelhantes aos dos tutores, se sentem dificuldade para respirar ou apresentam secreção nasal ou ocular.
Foram feitos testes PCR, isto é, testes moleculares, baseados na pesquisa do material genético do vírus (RNA) em amostras coletadas por swab (cotonete longo e estéril) da nasofaringe dos animais e também coletas de sangue, com o objetivo de ver se os cães e gatos domésticos tinham o vírus. “Eles pegam o vírus, mas este não replica nos cães e gatos. Eles não conseguem transmitir”, explicou Farias.
Segundo o pesquisador, a possibilidade de cães e gatos transmitirem a doença é muito pequena. O estudo conclui ainda que em torno de 90% dos animais, mesmo tendo contato com pessoas positivadas, não têm o vírus nas vias aéreas.
Mutação
Segundo Farias, até o momento, pode-se afirmar que animais domésticos têm baixo potencial no ciclo epidemiológico da doença.
No entanto, é importante ter em mente que o vírus pode sofrer mutação. Por enquanto, o cão e o gato doméstico não desenvolvem a doença. A continuidade do trabalho dos pesquisadores da PUC-PR vai revelar se esse vírus, em contato com os animais, pode sofrer mutação e, a partir daí, no futuro, passar a infectar também cães e gatos domésticos.
“Isso pode acontecer. Aí, o cão e o gato passariam a replicar o vírus. Pode acontecer no futuro. A gente não sabe”.
Por isso, segundo o especialista, é importante controlar a doença e vacinar em massa a população, para evitar que o cão e o gato tenham acesso a uma alta carga viral, porque isso pode favorecer a mutação.
A nova etapa da pesquisa vai avaliar se o cão e o gato têm anticorpos contra o vírus. Os dados deverão ser concluídos entre novembro e dezembro deste ano.
O trabalho conta com recursos da própria PUC-PR e do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).
Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-10/caes-e-gatos-podem-ter-virus-da-covid-19-mas-nao-transmitem-a-doenca
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Revista mensal da FAP mostra que técnicas científicas para produção de imunizantes lançam luz sobre tratamento de pacientes com câncer e esclerose múltipla
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Reportagem especial da revista Política Democrática Online de março mostra que a pressão da pandemia da Covid-19 impõe um iminente risco de colapso hospitalar em boa parte dos hospitais pelo mundo, mas também mostra o avanço da ciência para abrir um leque de esperança até para pacientes com outras moléstias.
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De acordo com a reportagem da revista da FAP, estudos sinalizam que a tecnologia genética exclusiva de vacinas contra o coronavírus pode ser aplicada no tratamento de pessoas com doenças graves, como câncer e esclerose múltipla.
Material genético
O texto conta que novas tecnologias para produção de vacinas, notadamente aquelas que usam o material genético do vírus Sars-Cov-2, podem rapidamente ser adaptadas para novos agentes causadores de doenças, de acordo com o médico Alexander Precioso, diretor da Centro Farmacologia, Segurança Clínica e Gestão de Risco do Instituto Butantan.
“A tecnologia genética exclusiva das vacinas Moderna e Pfizer/BioNTech contra a Covid-19 é uma das que podem ser aplicadas no tratamento de outras doenças, incluindo câncer”, diz um trecho. “O método mRNA, usado na imunização, tem o potencial de fornecer grandes avanços médicos em outras áreas, de acordo com a Innovations Origins”, continua
Os pesquisadores da vacina contra a Covid-19 descobriram uma maneira de entregar o RNA mensageiro às células sem ser destruído prontamente pelo sistema imunológico. Eles embrulharam o mRNA em uma armadura protetora de moléculas de gordura para disfarçar o material.
Como é
Funciona da seguinte forma: com é entregue com segurança às células, o mRNA programa o corpo para produzir proteínas do vírus contra o inimigo. Neste caso, é a proteína spike do SARS-CoV-2, o vírus que causa o Covid-19.
Ao receber mensagem genética escrita em uma molécula de RNA, o organismo faz suas próprias células produzirem proteínas de que necessita para imunizar-se, explica o texto jornalístico.
A reportagem especial da revista Política Democrática Online também mostra que o início da vacinação no Brasil levantou muitas dúvidas na população. Todas as vacinas, no entanto, seguem protocolos rígidos até começarem a ser aplicadas nas pessoas.
No caso do Brasil, devem ser aprovadas antes pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No país, por enquanto, apenas a Coronavac e da AstraZeneca/Oxford estão permitidas.
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RPD || Reportagem especial: Tecnologias de vacinas contra Covid lançam luz sobre tratamento de outras doenças graves
Estudos em andamento mostram que técnicas genéticas podem ser aplicadas em tratamento contra câncer e esclerose múltipla
Cleomar Almeida, da Assessoria de Comunicação da FAP
A pressão da pandemia da Covid-19 impõe um iminente risco de colapso hospitalar em boa parte dos hospitais pelo mundo, mas também mostra o avanço da ciência para abrir um leque de esperança até para pacientes com outras moléstias. Estudos sinalizam que a tecnologia genética exclusiva de vacinas contra o coronavírus pode ser aplicada no tratamento de pessoas com doenças graves, como câncer e esclerose múltipla.
Novas tecnologias para produção de vacinas, notadamente aquelas que usam o material genético do vírus Sars-Cov-2, podem rapidamente ser adaptadas para novos agentes causadores de doenças, de acordo com o médico Alexander Precioso, diretor da Centro Farmacologia, Segurança Clínica e Gestão de Risco do Instituto Butantan.
A tecnologia genética exclusiva das vacinas Moderna e Pfizer/BioNTech contra a Covid-19 é uma das que podem ser aplicadas no tratamento de outras doenças, incluindo câncer. O método mRNA, usado na imunização, tem o potencial de fornecer grandes avanços médicos em outras áreas, de acordo com a Innovations Origins.
As grandes corporações farmacêuticas CureVac, Moderna e BioNTech já estão trabalhando em drogas anticâncer, junto com drogas para a gripe comum e outras doenças, usando a fórmula de RNA mensageiro, que já existe há mais de uma década.
Os pesquisadores da vacina contra a Covid-19 descobriram uma maneira de entregar o RNA mensageiro às células sem ser destruído prontamente pelo sistema imunológico. Eles embrulharam o mRNA em uma armadura protetora de moléculas de gordura para disfarçar o material.
Funciona da seguinte forma: com é entregue com segurança às células, o mRNA programa o corpo para produzir proteínas do vírus contra o inimigo. Neste caso, é a proteína spike do SARS-CoV-2, o vírus que causa o Covid-19. Ao receber mensagem genética escrita em uma molécula de RNA, o organismo faz suas próprias células produzirem proteínas de que necessita para imunizar-se.
Dessa forma, de acordo com Innovations Origins, os pesquisadores podem desenvolver vacinas contra o câncer para treinar o corpo a reconhecer células cancerosas e destruí-las de maneira semelhante.
O médico Gabe Mirkin, palestrante de renome mundial em pesquisa de saúde, afirmou à Newsmax que o corpo normalmente reconhece as células cancerosas como inimigas e matá-las. “Se o sistema imunológico perder a capacidade de dizer que célula cancerosa é diferente de célula normal, as células cancerosas podem crescer e se espalhar por todo o corpo”, disse.
Mirkin explicou que, durante anos, os cientistas tentaram encontrar maneiras de fazer cópias de células cancerígenas que podem ser enviadas por meio do mRNA para restaurar a capacidade do corpo de reconhecer e destruir o inimigo.
“Esta pesquisa está sendo acelerada pelos recentes sucessos no desenvolvimento da vacina contra o coronavírus”, afirmou ele. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, os testes clínicos estão em andamento, nos Estados Unidos.
A ideia por trás das vacinas de RNA mensageiro contra a covid-19 é considerada muito simples, e os cientistas acreditam que não há limites de aplicação a outras infecções e doenças. A equipe que desenvolveu a vacina da BioNTech, a primeira eficaz contra o coronavírus, publicou estudo em fase inicial que exemplifica o potencial dessa técnica.
De acordo com as informações preliminares, os pesquisadores já conseguiram, por exemplo, reverter em animais a esclerose múltipla, uma doença cuja causa é desconhecida e para a qual não há cura, a esclerose múltipla. É uma doença neurológica, crônica e autoimune, ou seja, as células de defesa do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, provocando lesões cerebrais e medulares.
A esclerose múltipla não tem cura e pode se manifestar por diversos sintomas, como fadiga intensa, depressão, fraqueza muscular, alteração do equilíbrio da coordenação motora, dores articulares e disfunção intestinal e da bexiga. Os sintomas são variados, incluindo, ainda, leve formigamento nos membros e paralisia quase completa.
Alguns médicos chamam de doença das mil faces. “No mundo, é a segunda causa de incapacidade física entre jovens, perdendo só para trauma”, disse o neurologista Rodrigo Thomaz, especialista em esclerose múltipla do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
A cientista Katalin Karikó, considerada a mãe da vacina da BioNTech contra a covid-19, e o CEO da empresa e cientista Ugur Sahin publicaram um estudo recentemente no qual mostram que uma molécula de RNA mensageiro pode fazer o sistema imunológico de ratos com doença semelhante à esclerose múltipla aprender a tolerar a mielina e, assim, parar de causar danos.
Publicado na Science, a pesquisa mostra que tratamento baseado em RNA mensageiro modificado foi bem tolerado por animais. A injeção é essencialmente muito semelhante à da vacina contra a covid-19, mas, neste caso, produz uma proteína capaz de modular o sistema imunológico.
De acordo com o estudo, os ratos tratados mostraram, no primeiro momento, a interrupção dos primeiros sintomas e, em seguida, a reversão da doença. Houve casos de a vacina reverter paralisia dos animais. Os pesquisadores mostraram, ainda, que a vacina não impede o sistema imunológico dos animais de identificar outros patógenos, como o da gripe.
O desafio atual é impedir a progressão da doença, segundo a cientista Vanessa Moreira Ferreira, pesquisadora no Brigham and Women’s Hospital, da Escola de Medicina de Harvard. “As medicações mais recentes reduzem inflamações em curso e previnem novas lesões, mas ainda não temos drogas capazes de reparar danos já ocorridos e impedir a progressão das incapacidades”, afirmou ela.
Atualmente existem mais de 10 tratamentos aprovados contra a esclerose múltipla em humanos. São drogas que modulam a resposta do sistema imunológico, mas têm efeitos colaterais, como reduzir a eficácia das defesas contra outros patógenos.
Um dos desafios dessa doença é que quase todo paciente apresenta um tipo diferente de aflição, mediada por diferentes antígenos, proteínas que causam uma reação do sistema imunológico, no caso, autoimune, pois ataca o próprio corpo.
O trabalho da equipe da vacina da BioNTech e demais especialistas de universidades e hospitais alemães destaca que a nova abordagem tem um tipo barata de se produzir, o que, segundo eles, poderia permitir o desenvolvimento de moléculas de RNA mensageiro específicas para cada paciente.
Isso é algo que a empresa e outras, como a Moderna, já estão tentando para pacientes com diversos tipos de câncer. Esses tipos de vacinas poderiam ajudar no controle de “doenças autoimunes complexas”, destacam os autores da pesquisa.
A pesquisa, porém, está em estágio muito inicial e ainda são necessários muitos estudos para demonstrar a eficácia em humanos daquilo que funciona em ratos, sem causar problemas.
Fernando de Castro Soubriet Especialista em esclerose múltipla, Fernando de Castro Soubriet, considera o avanço “muito interessante”. “Os resultados são espetaculares, mesmo quando a doença [encefalomielite autoimune experimental] já começou a apresentar sintomas. Mais do que uma vacina, acho que isso pode ser interessante como um possível tratamento”, explicou à imprensa.
De acordo com o cientista, alguns dos tratamentos mais eficazes da atualidade – como os anticorpos monoclonais que geram tolerância à mielina – tem os medicamentos mais caros do mundo, com um preço que pode beirar os 80 mil euros, o equivalente a R$ 520.000, por paciente.
Vacinas seguem protocolos rígidos e têm técnicas diferentes
O início da vacinação no Brasil levantou muitas dúvidas na população. Todas as vacinas, no entanto, seguem protocolos rígidos até começarem a ser aplicadas nas pessoas e, no caso do Brasil, devem ser aprovadas antes pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No país, por enquanto, apenas a Coronavac e da AstraZeneca/Oxford estão permitidas.
Outras farmacêuticas seguem os trabalhos de negociação junto ao governo brasileiro. O comum de todas é o uso da tecnologia para alcançar a maior eficácia possível da imunização contra a crescente e intensa onda de disseminação do coronavírus no mundo e, especialmente, no Brasil.
Vacina de origem chinesa, a Coronavac, também desenvolvida pelo Instituto Butantan, é feita com o vírus inativado. Ele é cultivado e multiplicado numa cultura de células e depois inativado por meio de calor ou produto químico. Assim, o corpo que recebe a vacina com o vírus — já inativado — começa a gerar os anticorpos necessários no combate da doença.
As células que dão início à resposta imune encontram os vírus inativados e os capturam, ativando os linfócitos, que são as células especializadas capazes de combater microrganismos. Os linfócitos produzem anticorpos, que se ligam aos vírus para impedir que eles infectem nossas células.
Já a vacina de AstraZeneca, de Oxford, produzida no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocfuz), usa tecnologia conhecida como vetor viral não replicante. Por isso, utiliza um "vírus vivo", como um adenovírus, que não tem capacidade de se replicar no organismo humano ou prejudicar a saúde.
O adenovírus é modificado por meio de engenharia genética para passar a carregar em si as instruções para a produção de uma proteína característica do coronavírus, conhecida como espícula. Ao entrar nas células, o adenovírus faz com que elas passem a produzir essa proteína e a exibam em sua superfície, o que é detectado pelo sistema imune, que cria formas de combater o coronavírus e resposta protetora contra um.
No caso da Pfizer/BioNTech, a tecnologia chamada de mRNA ou RNA-mensageiro é diferente da usada para a CoronaVac ou AstraZenca/Oxford, que utilizam o cultivo do vírus em laboratório. Os imunizantes são criados a partir da replicação de sequências de RNA por meio de engenharia genética, o que torna o processo mais barato e mais rápido.
O RNA mensageiro mimetiza a proteína spike, específica do vírus Sars-CoV-2, que o auxilia a invadir as células humanas. Essa "cópia", no entanto, não é nociva como o vírus, mas é suficiente para desencadear uma reação das células do sistema imunológico, que cria uma defesa robusta no organismo. O imunizante da Pfizer precisa ser estocado a -75ºC.
Assim como a da Pfizer, a vacina da Moderna também utiliza a tecnologia de RNA mensageiro, que mimetiza a proteína spike — específica do vírus Sars-CoV-2 — e o auxilia a invadir as células humanas.
No entanto, essa "cópia" também não é nociva como o vírus, mas é suficiente para desencadear uma reação das células do sistema imunológico, que cria uma defesa robusta no organismo. A única diferença para a vacina da Pfizer é que esta necessita de armazenamento de -20ºC.
Assim como a da AstraZeneca, a Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya de Pesquisa da Rússia, é uma vacina de "vetor viral". Ela utiliza outros vírus previamente manipulados para que sejam inofensivos para o organismo e, ao mesmo tempo, capazes de induzir uma resposta para combater a covid-19.
Uma vez injetados no organismo, os outros vírus entram nas células e fazem com que elas passem a produzir e exibir essa proteína em sua superfície. Isso alerta o sistema imunológico, que aciona células de defesa e, desta forma, aprende a combater o Sars-CoV-2
El País: Nelly e Erik, as inquietantes mutações do coronavírus em Manaus
Três novas variantes do vírus poderiam ser mais contagiosas e capazes de reinfectar graças a uma combinação semelhante de alterações em seu genoma
Os cientistas que vigiam a evolução do novo coronavírus estão inquietos. Depois da aparição no final do ano de duas variantes aparentemente mais contagiosas, detectadas no Reino Unido e África do Sul, um grupo de pesquisadores publicou em 12 de janeiro a descrição de uma terceira variante suspeita em Manaus, relativamente similar às duas anteriores. Os autores sugerem uma possibilidade preocupante: a evolução convergente, o mesmo fenômeno que fez os morcegos e aves desenvolverem asas de maneira independente, milhões de anos atrás. O coronavírus também poderia estar mudando na mesma direção em diferentes lugares do mundo: rumo a versões mais transmissíveis e inclusive capazes de reinfectar algumas pessoas que já tiveram covid-19, conforme adverte a equipe que descobriu a variante brasileira, encabeçada pelo epidemiologista Nuno Faria, do Imperial College de Londres.
A nova variante brasileira apresenta uma combinação singular de mutações, mas duas delas são velhas conhecidas. Alguns geneticistas as denominam Nelly e Erik, pela semelhança com seus nomes técnicos: N501Y e E484K. Nelly e Erik são duas mutações que afetam a espícula do coronavírus, a chave com a qual o vírus entra nas células humanas. A mutação Nelly está presente nas três variantes inquietantes, e Erik se soma a ela na sul-africana e brasileira.
O virologista espanhol Rafael Delgado expressa sua “preocupação” com essa possível evolução convergente, envolvendo combinações de mutações que talvez se repitam porque representam uma vantagem para o vírus. Um estudo preliminar do bioquímico norte-americano Jesse Bloom sugeriu há algumas semanas que a mutação E484K multiplica a capacidade do coronavírus de escapar dos anticorpos do plasma sanguíneo de alguns doadores que já superaram a covid-19. E outro estudo publicado nesta terça-feira sustenta que “a maioria” das pessoas que foram naturalmente infectadas pelo novo coronavírus e se recuperaram poderiam se contaminar novamente com a variante sul-africana. O trabalho, ainda um esboço pendente de revisão, foi assinado pela virologista Penny Moore, do Instituto Nacional de Doenças Contagiosas da África do Sul.
A variante britânica —com Nelly, mas sem Erik— surgiu aparentemente no Reino Unido, em setembro, e já foi registrada em 40 países. As autoridades britânicas calculam que é entre 30% e 50% mais transmissível. Na Espanha, foi identificada pela primeira vez na época do Natal, no Hospital 12 de Octubre, em Madri. “Estamos detectando atualmente entre 2% e 3% [de variantes britânicas com relação ao total de casos]. A porcentagem é pequena, por enquanto, mas claramente vem crescendo”, explica Rafael Delgado, chefe do Serviço de Microbiologia desse hospital. Na Dinamarca, a variante britânica representava 2,4% das amostras analisadas há duas semanas, e agora já chega a 7%.
A variante britânica não produz uma forma mais grave da doença, mas é mais contagiosa, segundo todos os indícios, de modo que o resultado final seria também um maior número de mortos. “Os hospitais lotam antes, Portanto, é um perigo, sobretudo na situação em que estamos agora, que já de ruim. É preocupante”, opina o biólogo Iñaki Comas, codiretor do consórcio que sequencia os genomas do coronavírus na Espanha. Comas calcula que a variante britânica só alcança atualmente uma frequência de 1% a 5% em todo o território espanhol.
A variante sul-africana já apareceu em 13 países, entre eles a França e a Alemanha. A de Manaus só foi identificada no Brasil, Japão e Coreia do Sul. Em outros países, como a Espanha, a atual onda da pandemia é causada por versões anteriores do SARS-CoV-2. “A atual onda na Espanha não se deve a nenhuma dessas variantes, e sim às que já tínhamos”, salienta Comas. Pode ser questão de tempo. Os Centros para o Controle e a Prevenção de Doenças (CDCs) calculam que a variante britânica será a dominante nos EUA em março.
Alguns especialistas, como o norte-americano Trevor Bedford, acreditam que estas novas variantes surgiram em pessoas com uma infecção crônica, um processo em que as defesas lutam contra o coronavírus durante meses, até que aparece um mutante que invade melhor as células humanas e consegue escapar. Bedford, do Centro de Pesquisas Fred Hutchinson, baseia-se no caso de um homem de 45 anos que, por um problema em seu sistema imunológico, passou cinco meses internado com covid-19 no Hospital Brigham and Women’s, em Boston (EUA). Os médicos que o trataram relataram “uma evolução acelerada do vírus” até que o paciente acabou morrendo. Entre as mutações detectadas figuravam Nelly e Erik.
É muito raro que uma única mutação mude o rumo de um vírus, mas há precedentes. Uma só mudança no vírus do chikungunya o tornou capaz de se instalar em uma nova espécie de mosquito, aumentando assim seu potencial epidêmico, segundo um estudo da Universidade do Texas. O que mais preocupa os cientistas, entretanto, é o efeito sinérgico de várias mutações relevantes. Delgado, do 12 de Octubre, teme sobretudo a coincidência de Nelly e Erik nas variantes sul-africana e brasileira.
Um estudo preliminar com 20 voluntários, publicado nesta terça, também sugere que os anticorpos gerados por vacinas (nesse estudo, as da Pfizer e Moderna) sejam ligeiramente menos eficazes contra as novas variantes com as mutações Nelly e Erik. “É possível que seja necessário atualizar periodicamente as vacinas para evitar uma potencial perda de eficácia clínica”, concluem os autores, encabeçados pelo imunologista Michel Nussenzweig, da Universidade Rockefeller (EUA). Os pesquisadores salientam que o efeito observado é “modesto”.
O geneticista Fernando González Candelas, codiretor do consórcio espanhol, recorda o excessivo alarme gerado no ano passado com outras mutações, como a D614G, apontada em meados de 2020 como talvez mais contagiosa, e hoje absolutamente dominante em todo o mundo. González Candelas, catedrático da Universidade de Valência, é muito cético quanto à hipótese de que o coronavírus esteja evoluindo em uma mesma direção. “É preciso ter muito cuidado com os vírus. Mesmo que a mesma mutação apareça várias vezes, não significa que haja uma evolução convergente. A probabilidade de aparecer uma mesma mutação de forma independente é muito alta”, argumenta. “Há muito alarme antecipado a respeito”.
González Candelas acredita, no entanto, que poderiam estar se formando as condições para o surgimento de cepas avantajadas do vírus. “À medida que vai aumentando o número de pessoas vacinadas ou com imunidade gerada por uma infecção prévia, favorece-se a infecção por aqueles vírus que podem evitar essas defesas imunológicas”, explica. O comitê de emergências da Organização Mundial da Saúde afirmou em 15 de janeiro que o risco é “muito alto” e fez um apelo aos países para que dediquem mais recursos a vigiar as mutações do coronavírus. Quase ninguém contempla a possibilidade de que as vacinas deixem de funcionar repentinamente, e sim que perca progressivamente sua eficácia atual, em torno de 95%, até que seja necessário atualizá-las, como ocorre todos os anos com a vacina da gripe.
“O problema é que muito do que sabemos sobre os efeitos das mutações procede de experimentos com mutações individuais: você coloca uma mutação [em uma réplica do vírus em laboratório] e vê o que acontece. Mas nos falta muita informação experimental sobre como todas estas mutações interagem entre si: qual é o impacto de pôr Nelly e Erik juntos”, explica Iñaki Comas, do Instituto de Biomedicina de Valência, ligado ao CSIC (agência espanhola de pesquisa científica).
Comas, no entanto, se diz otimista. “Talvez, tanto a variante da África do Sul quanto a do Brasil tenham algum efeito sobre a imunidade devido a essa mutação E484K, mas não esperamos que nenhuma destas variantes, tampouco a britânica, afete as atuais vacinas. A imunidade que conseguimos com as vacinas é muitíssimo maior que a imunidade natural depois de uma infecção”, tranquiliza. O próprio Jesse Bloom, um dos cientistas que mais estudaram a mutação E484K, declarou que confia em que “as atuais vacinas serão úteis durante bastante tempo”.
“O mais importante agora em relação às vacinas não é nos preocuparmos com as variantes, e sim com a vacinação: que chegue a todas as populações em todas as partes do mundo”, opina Comas. Quanto às novas variantes, o pesquisador espanhol recorda a estratégia básica para freá-las: “Ainda não se inventou uma variante que seja capaz de saltar uma máscara”.
Eliane Brum: Pesquisa revela que Bolsonaro executou uma “estratégia institucional de propagação do coronavírus”
Ao analisar 3.049 normas federais produzidas em 2020, a Faculdade de Saúde Pública da USP e a Conectas Direitos Humanos mostram por que o Brasil já superou mais de 212.000 mortes por covid-19
A linha de tempo mais macabra da história da saúde pública do Brasil emerge da pesquisa das normas produzidas pelo Governo de Jair Messias Bolsonaro relacionadas à pandemia de covid-19. Num esforço conjunto, desde março de 2020, o Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) e a Conectas Direitos Humanos, uma das mais respeitadas organizações de justiça da América Latina, se dedicam a coletar e esmiuçar as normas federais e estaduais relativas ao novo coronavírus, produzindo um boletim chamado Direitos na Pandemia – Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas de Resposta à Covid-19 no Brasil. Ontem, quinta-feira (21/1), lançaram uma edição especial na qual fazem uma afirmação contundente: “Nossa pesquisa revelou a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”.
Obtida com exclusividade pelo EL PAÍS, a análise da produção de portarias, medidas provisórias, resoluções, instruções normativas, leis, decisões e decretos do Governo federal, assim como o levantamento das falas públicas do presidente, desenham o mapa que fez do Brasil um dos países mais afetados pela covid-19 e, ao contrário de outras nações do mundo, ainda sem uma campanha de vacinação com cronograma confiável. Não é possível mensurar quantas das mais de 212.000 mortes de brasileiros poderiam ter sido evitadas se, sob a liderança de Bolsonaro, o Governo não tivesse executado um projeto de propagação do vírus. Mas é razoável afirmar que muitas pessoas teriam hoje suas mães, pais, irmãos e filhos vivos caso não houvesse um projeto institucional do Governo brasileiro para a disseminação da covid-19.
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Há intenção, há plano e há ação sistemática nas normas do Governo e nas manifestações de Bolsonaro, segundo aponta o estudo. “Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência de parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço na publicação para tantos eventos, revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo”, afirma o editorial da publicação. “Esperamos que essa linha do tempo ofereça uma visão de conjunto de um processo que vivemos de forma fragmentada e muitas vezes confusa”.
A pesquisa é coordenada por Deisy Ventura, uma das juristas mais respeitadas do Brasil, pesquisadora da relação entre pandemias e direito internacional e coordenadora do doutorado em saúde global e sustentabilidade da USP; Fernando Aith, professor-titular do Departamento de Política, Gestão e Saúde da FSP e diretor do CEPEDISA/USP, centro pioneiro de pesquisa sobre o direito da saúde no Brasil; Camila Lissa Asano, coordenadora de Programas da Conectas Direitos Humanos; e Rossana Rocha Reis, professora do departamento de Ciência Política e do Instituto de Relações Internacionais da USP.
A linha do tempo é composta por três eixos apresentados em ordem cronológica, de março de 2020 aos primeiros 16 dias de janeiro de 2021: 1) atos normativos da União, incluindo a edição de normas por autoridades e órgãos federais e vetos presidenciais; 2) atos de obstrução às respostas dos governos estaduais e municipais à pandemia; e 3) propaganda contra a saúde pública, definida como “o discurso político que mobiliza argumentos econômicos, ideológicos e morais, além de notícias falsas e informações técnicas sem comprovação científica, com o propósito de desacreditar as autoridades sanitárias, enfraquecer a adesão popular a recomendações de saúde baseadas em evidências científicas, e promover o ativismo político contra as medidas de saúde pública necessárias para conter o avanço da covid-19”.
Os autores assinalam que a publicação não apresenta todas as normas e falas coletadas e armazenadas no banco de dados da pesquisa, mas sim uma seleção que busca evitar a repetição e apresentar o mais relevante para a análise. Os dados foram selecionados junto à base de dados do projeto Direitos na Pandemia, à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União, além de documentos e discursos oficiais. No eixo que definem como propaganda, foi também realizada uma busca na plataforma Google para a coleta de vídeos, postagens e notícias.
A análise mostra que “a maioria das mortes seriam evitáveis por meio de uma estratégia de contenção da doença, o que constitui uma violação sem precedentes do direito à vida e do direito à saúde dos brasileiros”. E isso “sem que os gestores envolvidos sejam responsabilizados, ainda que instituições como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Contas da União tenham, inúmeras vezes, apontado a inconformidade à ordem jurídica brasileira de condutas e de omissões conscientes e voluntárias de gestores federais”. Também destacam “a urgência de discutir com profundidade a configuração de crimes contra a saúde pública, crimes de responsabilidade e crimes contra a humanidade durante a pandemia de covid-19 no Brasil”.
Os atos e falas de Bolsonaro são conhecidos, mas acabam se diluindo no cotidiano alimentado pela produção de factoides e de notícias falsas, no qual a guerra de ódios é também uma estratégia para encobrir a consistência e persistência do projeto que avança enquanto a temperatura é mantida alta nas redes sociais. A publicação provoca choque e mal estar ao sistematizar a produção explícita de maldades colocadas em prática por Bolsonaro e seu governo durante quase um ano de pandemia. Um dos principais méritos da investigação é justamente articular as diversas medidas oficiais e falas públicas do presidente na linha do tempo. Dessa análise meticulosa emerge o plano, com todas as suas fases devidamente documentadas.
Também torna-se explícito contra quais populações se concentram os ataques. Além dos povos indígenas, a quem Bolsonaro nega até mesmo água potável, há uma série de medidas tomadas para impedir que os trabalhadores possam se proteger da covid-19 e fazer isolamento. O governo amplia o conceito de atividades essenciais até mesmo para salões de beleza e busca anular o direito ao auxílio emergencial de 600 reais determinado pelo Congresso a várias categorias. Ao mesmo tempo, busca implantar um duplo tratamento aos profissionais de saúde: Bolsonaro veta integralmente o projeto que prevê compensação financeira para aqueles trabalhadores que ficarem incapacitados em consequência de sua atuação para conter a pandemia e tenta isentar os funcionários públicos de qualquer responsabilidade por atos e omissões no enfrentamento à covid-19. Em resumo: o trabalho duro e arriscado de prevenção e combate numa pandemia é desestimulado, a omissão é estimulada.
Através de retenção de recursos destinados à covid-19, o Governo prejudica a assistência aos doentes na rede pública de Estados e municípios. A guerra contra governadores e prefeitos que tentam implementar medidas de prevenção e combate ao vírus é constante. Por meio de vetos, Bolsonaro anula mesmo as medidas mais básicas, como obrigatoriedade de máscaras dentro de estabelecimentos com autorização para funcionar. Muitas de suas medidas e vetos são depois derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou pelo próprio Legislativo.
Esse é outro ponto importante: a análise dos dados mostra também o quanto a situação do Brasil poderia ser ainda mais trágica caso o STF e outras instâncias não tivessem barrado várias das medidas de propagação do vírus produzidas pelo Governo. Apesar da fragilidade demonstrada pelas instituições e pela sociedade, é visível o esforço de parte dos protagonistas para tentar anular ou neutralizar os atos de Bolsonaro. É possível fazer o exercício de projetar o quanto todos esses esforços, somados e associados a um governo disposto a prevenir a doença e combater o vírus, poderiam ter feito para evitar mortes em um país que conta com o Sistema Único de Saúde (SUS). Em vez disso, Bolsonaro produziu uma guerra em que a maior parte da energia de parte das instituições e da sociedade organizada foi dissipada para reduzir os danos produzidos por suas ações, em vez de se concentrar em combater a maior crise sanitária em um século.
Quase um ano depois do primeiro caso de covid-19, resta saber se as instituições e a sociedade que não estão acumpliciadas com Bolsonaro serão fortes o suficiente para, diante do mapa de ações institucionais de propagação do vírus, finalmente barrar os agentes de disseminação da doença. O uso da máquina do Estado para promover destruição tem sido determinante para produzir a realidade atual de mais de 1.000 covas abertas por dia para abrigar pessoas que poderiam estar vivas. Na gaveta de Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, há mais de 60 pedidos de impeachment. No Tribunal Penal Internacional, pelo menos três comunicações relacionam genocídio e outros crimes contra a humanidade à atuação de Bolsonaro e membros do governo relacionadas à pandemia. As próximas semanas serão decisivas para que os brasileiros digam quem são e o que responderão às gerações futuras quando lhes perguntarem onde estavam quando tantos morreram de covid-19.
A seguir, os principais pontos da linha do tempo das ações de Jair Bolsonaro e seu Governo:
MARÇO(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 10: 1º-7/03/2020)
CASOS ACUMULADOS: 19 - ÓBITOS ACUMULADOS: 0
“Pequena crise”
Uma portaria da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) tenta abrir uma brecha para o acesso de não indígenas, “em caráter excepcional”, com o objetivo de realizar “atividades essenciais” em territórios de povos isolados. A medida busca usar a covid-19 para criar uma porta de acesso a comunidades que nunca tiveram contato com não indígenas (nem com seus vírus e bactérias) ou que decidiram viver sem contato.
O que Bolsonaro diz:
“OBVIAMENTE TEMOS NO MOMENTO UMA CRISE, UMA PEQUENA CRISE. NO MEU ENTENDER, MUITO MAIS FANTASIA. A QUESTÃO DO CORONAVÍRUS, QUE NÃO É ISSO TUDO QUE A GRANDE MÍDIA PROPALA OU PROPAGA PELO MUNDO TODOEM 7/3, EM MIAMI, NA FLÓRIDA, REGIÃO CONSIDERADA DE ALTO RISCO. PELO MENOS 23 PESSOAS DE SUA COMITIVA FORAM INFECTADAS
ABRIL(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 15: 5-10/4)
CASOS ACUMULADOS: 20.818 - ÓBITOS ACUMULADOS: 699
Troca de ministro
Bolsonaro demite o ministro da Saúde durante a pandemia. Luiz Henrique Mandetta, além de político, é médico. A principal razão da demissão é a discordância sobre o uso da cloroquina e sobre a atuação pautada pelas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ao final de março, segundo Mandetta, o presidente passou a buscar assessoria para se contrapor aos dados e à estratégia do Ministério da Saúde: “O Palácio do Planalto passou a ser frequentado por médicos bolsonaristas. (...) Ele [Bolsonaro] queria no seu entorno pessoas que dissessem aquilo que ele queria escutar. (...) Nunca na cabeça dele houve a preocupação de propor a cloroquina como um caminho de saúde. A preocupação dele era sempre: ‘Vamos dar esse remédio porque, com essa caixinha de cloroquina na mão, os trabalhadores voltarão à ativa, voltarão a produzir’. (...) O projeto dele para o combate à pandemia é dizer que o governo tem o remédio e quem tomar o remédio vai ficar bem. Só vai morrer quem ia morrer de qualquer maneira”.
O Congresso aprova o auxílio emergencial de 600 reais, medida parlamentar que seria equivocadamente associada a Bolsonaro por grande parte dos beneficiados, resultando em aumento de popularidade para o presidente.
O que Bolsonaro diz:
“E DAÍ? LAMENTO, QUER QUE FAÇA O QUÊ? EU SOU ‘MESSIAS’, MAS EU NÃO FAÇO MILAGRE28/4, AO COMENTAR O NÚMERO DE MORTOS DURANTE UMA ENTREVISTA, FAZENDO REFERÊNCIA AO SEU NOME DO MEIO
MAIO(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 19: 3-9/5)
CASOS ACUMULADOS: 155.939 - ÓBITOS ACUMULADOS: 3.877
Guerra com Estados
Bolsonaro usa decretos para boicotar as determinações de prevenção e combate à covid-19 de estados e municípios. Para isso, amplia o entendimento do que é atividade essencial durante uma pandemia e que, portanto, pode seguir funcionando apesar do agravamento da emergência sanitária. Assim, a área de construção civil, salões de beleza e barbearias, academias de esporte de todas as modalidades e serviços industriais em geral passam a ser “atividades essenciais”.
O presidente tenta ainda isentar os agentes públicos de serem responsabilizados, civil e administrativamente, por atos e omissões no enfrentamento da pandemia. Bolsonaro também veta o auxílio emergencial de 600 reais mensais instituído pelo Congresso a pescadores artesanais, taxistas, motoristas de aplicativo, motoristas de transporte escolar, entregadores de aplicativo, profissionais autônomos de educação física, ambulantes, feirantes, garçons, babás, manicures, cabeleireiros e professores contratados que estejam sem receber salário. Pela lei aprovada pelo parlamento, essas categorias seriam contempladas pelo auxílio emergencial, para que pudessem fazer isolamento para se proteger do vírus.
O novo ministro da Saúde, médico Nelson Teich, se demite: “Não vou manchar a minha história por causa da cloroquina”. Assume o posto, interinamente, o general da ativa Eduardo Pazuello. Em solenidade oficial, o militar afirmou que, antes de assumir o cargo, “nem sabia o que era o SUS”. A militarização do ministério se amplia ainda mais. Um protocolo do Ministério da Saúde determina o uso de cloroquina para todos os casos de covid-19, medicamento comprovadamente sem eficácia para combater o novo coronavírus.
Bolsonaro abre guerra contra governadores. O Conselho Nacional da Saúde denuncia que mais de 8 bilhões de reais destinados ao combate à pandemia deixaram de ser repassados aos estados e municípios, que sofrem com a falta de insumos básicos, respiradores e leitos. O CNS lança a campanha “Repassa já!”.
O que Bolsonaro diz:
“SE FOR ISSO MESMO, É GUERRA. SE QUISEREM EU VOU A SÃO PAULO, VOCÊS TÊM QUE LUTAR CONTRA O GOVERNADOR14/5, EM VIDEOCONFERÊNCIA PROMOVIDA PELA FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FIESP), INCITANDO OS EMPRESÁRIOS A LUTAR CONTRA O 'LOCKDOWN'
JUNHO(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 24: 7-13/6)
CASOS ACUMULADOS: 850.514 - ÓBITOS ACUMULADOS: 42.720
Apagão de dados
Bolsonaro incita seus seguidores a invadir hospitais e filmar, com a justificativa de que os números de doentes e de ocupação de leitos estão inflacionados. Em 3 de junho, o Governo divulga dados sobre a covid-19 com atraso, após as 22h. Em 5 de junho, o site do Ministério da Saúde sai do ar e retorna no dia seguinte apenas com informações das últimas 24 horas. A tentativa de encobrir os números de doentes e de mortos por covid-19 é denunciada pela imprensa. A sociedade perde a confiança nos dados oficiais e seis dos principais jornais e sites de jornalismo —G1, O Globo, Extra, O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e UOL— formam um consórcio para registrar os números da pandemia.
O que Bolsonaro diz:
“ARRANJA UMA MANEIRA DE ENTRAR E FILMAR. MUITA GENTE TÁ FAZENDO ISSO, MAS MAIS GENTE TEM QUE FAZER PARA MOSTRAR SE OS LEITOS ESTÃO OCUPADOS OU NÃO, SE OS GASTOS SÃO COMPATÍVEIS OU NÃO10/6, EM TRANSMISSÃO AO VIVO NO FACEBOOK
JULHO(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 28: 5-11/7)
CASOS ACUMULADOS: 1.839.850 - ÓBITOS ACUMULADOS: 71.469
Vetos de maldade
Bolsonaro veta a obrigatoriedade do uso de máscaras em estabelecimentos comerciais e industriais, templos religiosos, escolas e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas. Também veta a multa aos estabelecimentos que não disponibilizem álcool em gel a 70% em locais próximos às suas entradas, elevadores e escadas rolantes.
Bolsonaro veta a obrigação dos estabelecimentos em funcionamento durante a pandemia de fornecer gratuitamente a seus funcionários e colaboradores máscaras de proteção individual. Veta ainda a obrigação de afixar cartazes informativos sobre a forma de uso correto de máscaras e de proteção individual nos estabelecimentos prisionais e nos estabelecimentos de cumprimento de medidas socioeducativas.
Bolsonaro veta medidas de proteção para comunidades indígenas durante a pandemia de Covid-19. Entre elas: o acesso a água potável, materiais de higiene e limpeza, leitos hospitalares e de UTIs, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, materiais informativos sobre a covid-19 e internet nas aldeias. Veta também a obrigação da União de distribuir alimentos aos povos indígenas, durante a pandemia, na forma de cestas básicas, sementes e ferramentas.
O Exército paga 167% a mais pelo principal insumo da cloroquina, com a seguinte justificativa: “produzir esperança para corações aflitos”.
Ao criticar a militarização do Ministério da Saúde, o ministro do STF Gilmar Mendes define a resposta do governo federal à pandemia como “genocídio”: “Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. (...) É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso por fim a isso”.
O que Bolsonaro diz:
“LAMENTO AS MORTES. MORRE GENTE TODO DIA, DE UMA SÉRIE DE CAUSAS. É A VIDA30/7, EM MEIO A UMA AGLOMERAÇÃO EM BAGÉ, NO RIO GRANDE DO SUL
AGOSTO(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 32: 2-8/8)
CASOS ACUMULADOS: 3.012.412 - ÓBITOS ACUMULADOS: 100.477
Ataque à vacina
Bolsonaro veta integralmente o projeto de lei que determina compensação financeira paga pela União a profissionais e trabalhadores de saúde que ficarem incapacitados por atuarem no combate à covid-19.
O Governo Bolsonaro ignora a proposta da Pfizer, que garante a entrega do primeiro lote de vacinas em 20 de dezembro de 2020.
O Ministério da Saúde rejeita a doação de pelo menos 20 mil kits de testes PCR para covid-19 da empresa LG International, dois meses após a oferta.
O que Bolsonaro diz:
“NINGUÉM PODE OBRIGAR NINGUÉM A TOMAR VACINA31/8, EM CONVERSA COM APOIADORES NO JARDIM DO PALÁCIO DO ALVORADA
SETEMBRO(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 37: 6-12/9)
CASOS ACUMULADOS: 4.315.687 - ÓBITOS ACUMULADOS: 131.210
Militar na Saúde
Uma resolução de Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) flexibiliza ainda mais a prescrição de ivermectina e nitazoxanida, dispensando a retenção de receita médica para a venda em farmácias. Os medicamentos são propagandeados pelo governo como eficazes para a covid-19, mas estudos científicos mostram que não diminuem a gravidade da doença nem impedem a morte de pacientes. O general da ativa Eduardo Pazuello é efetivado como ministro da Saúde.
O que Bolsonaro diz:
“ESTAMOS PRATICAMENTE VENCENDO A PANDEMIA. O GOVERNO FEZ TUDO PARA QUE OS EFEITOS NEGATIVOS DA MESMA FOSSEM MINIMIZADOS, AJUDANDO PREFEITOS E GOVERNADORES COM NECESSIDADES NA SAÚDE11/9, EM AGLOMERAÇÃO NA BAHIA
OUTUBRO(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 41: 4-10/10)
CASOS ACUMULADOS: 5.082.637 - ÓBITOS ACUMULADOS:150.198
“Vacina chinesa”
Bolsonaro afirma que a pandemia foi superdimensionada, mente que a cloroquina garante 100% de cura se usada no início dos sintomas e cancela a compra de 46 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac pelo Ministério da Saúde: “O povo brasileiro não será cobaia de ninguém”.
O que Bolsonaro diz:
“ESTÁ ACABANDO A PANDEMIA [NO BRASIL]. ACHO QUE [O JOÃO DORIA, GOVERNADOR DE SÃO PAULO] QUER VACINAR O PESSOAL NA MARRA RAPIDINHO PORQUE [A PANDEMIA] VAI ACABAR E DAÍ ELE FALA: ‘ACABOU POR CAUSA DA MINHA VACINA’. QUEM ESTÁ ACABANDO É O GOVERNO DELE, COM TODA CERTEZA” (...) O QUE EU VEJO NA QUESTÃO DA PANDEMIA? ESTÁ INDO EMBORA, ISSO JÁ ACONTECEU, A GENTE VÊ LIVROS DE HISTÓRIA.”EM 30/10, EM DECLARAÇÕES TRANSMITIDAS POR UM SITE BOLSONARISTA
NOVEMBRO(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 45: 1º-7/11)
CASOS ACUMULADOS: 5.653.561 - ÓBITOS ACUMULADOS:162.269
Produção de mentiras
Apesar de todos os fatos e números em contrário, Bolsonaro afirma que o Brasil foi um dos países que menos sofreu com a pandemia. Segue atacando a vacina.
O que Bolsonaro diz:
“MORTE, INVALIDEZ, ANOMALIA. ESTA É A VACINA QUE O [JOÃO] DORIA QUERIA OBRIGAR TODOS OS PAULISTANOS A TOMAR. O PRESIDENTE DISSE QUE A VACINA JAMAIS PODERIA SER OBRIGATÓRIA. MAIS UMA QUE JAIR BOLSONARO GANHAEM 10/11, NO FACEBOOK, AO COMEMORAR A SUSPENSÃO DOS TESTES DA VACINA CORONAVAC
DEZEMBRO(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 50: 6-12/12)
CASOS ACUMULADOS: 6.880.127 - ÓBITOS ACUMULADOS: 181.123
Qual é o plano?
Bolsonaro anuncia que não vai se vacinar e atua para criar pânico na população, referindo-se a terríveis efeitos colaterais. Em resposta ao questionamento do Supremo Tribunal Federal, o Ministério da Saúde apresenta o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação. O Governo, porém, ainda não tem vacina a oferecer nem cronograma confiável de vacinação. Onze ex-ministros da Saúde de diferentes partidos publicam artigo denunciando “desastrada e ineficiente condução do MS em relação à estratégia brasileira de vacinação da população contra a covid-19”. Ainda não há plano emergencial para os indígenas. Diz o ministro Luís Roberto Barroso, do STF: “Impressiona que, após quase 10 meses de pandemia, não tenha a União logrado o mínimo: oferecer um plano com seus elementos essenciais, situação que segue expondo a risco a vida e a saúde dos povos indígenas”.
O que Bolsonaro diz:
“A PANDEMIA, REALMENTE, ESTÁ CHEGANDO AO FIM. TEMOS UMA PEQUENA ASCENSÃO, AGORA, QUE CHAMA DE PEQUENO REPIQUE QUE PODE ACONTECER, MAS A PRESSA DA VACINA NÃO SE JUSTIFICA. (...) VÃO INOCULAR ALGO EM VOCÊ. O SEU SISTEMA IMUNOLÓGICO PODE REAGIR, AINDA DE FORMA IMPREVISTA19/12, EM ENTREVISTA AO PROGRAMA DE UM DE SEUS FILHOS NO YOUTUBE
JANEIRO DE 2021, ATÉ O DIA 16(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 2:10-16/1)
CASOS ACUMULADOS: 8.455.059 - ÓBITOS ACUMULADOS: 209.296
Mortos por asfixia
O Ministério das Relações Exteriores afirma ter comprado 2 milhões de doses da vacina da AstraZeneca/Oxford da Índia. Nos dias seguintes, o governo federal organiza uma grande operação de propaganda, incluindo a divulgação massiva na mídia e adesivagem de um Airbus da Azul Linhas Aéreas, que faria uma “viagem histórica” com o slogan: “Vacinação - Brasil imunizado - Somos uma só nação”. Bolsonaro chega a enviar uma carta ao Primeiro Ministro da Índia solicitando urgência no envio das doses, mas a operação é suspensa pela Índia. Diante do colapso da saúde em Manaus, com pacientes morrendo asfixiados por falta de oxigênio na rede hospitalar, o ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, declara: “O que você vai fazer? Nada. Você e todo mundo vão esperar chegar o oxigênio para ser distribuído”.
Bolsonaro veta parte da Lei Complementar nº 177, de 12/1/20, aprovada por ampla maioria no Senado (71 x1 votos) e na Câmara dos Deputados (385 x 18 votos). Segundo a Agência FAPESP, vetos presidenciais subtraem 9,1 bilhões de reais dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação neste ano, impedindo que o Brasil desenvolva uma vacina contra a covid-19, apesar de ter infraestrutura e recursos humanos suficientes. Comunidades acadêmica e empresarial mobilizam-se para derrubada dos vetos,
O que Bolsonaro diz:
“O BRASIL ESTÁ QUEBRADO, CHEFE. EU NÃO CONSIGO FAZER NADA. EU QUERIA MEXER NA TABELA DO IMPOSTO DE RENDA, TÁ, TEVE ESSE VÍRUS, POTENCIALIZADO PELA MÍDIA QUE NÓS TEMOS, ESSA MÍDIA SEM CARÁTER5/1, NA SAÍDA DO PALÁCIO DO PLANALTO
Acesse o documento completo aqui.
Bernardo Mello Franco: Pazuello quer vencer o vírus com autoajuda
Ao assumir o Ministério da Saúde, o general Eduardo Pazuello foi apresentado como um especialista em logística. Pelos resultados da sua gestão, seria arriscado nomeá-lo para administrar uma barraca de feira.
Sob as botas do militar, a pasta permitiu o encalhe de quase sete milhões de testes de Covid. O material ficou esquecido num depósito no aeroporto de Guarulhos. Depois que o caso veio à tona, o ministro ofereceu uma solução mambembe: estender o prazo de validade dos kits, que começa a expirar neste mês.
Até hoje Pazuello não foi capaz de apresentar um cronograma de imunização para o Brasil. Nem a compra de seringas e agulhas está definida. O apagão logístico vai além do combate ao coronavírus. Pacientes com HIV e hepatite C estão sem exames de genotipagem porque o ministério deixou o contrato vencer.
Ontem o general deu novas provas de que é o homem errado no lugar errado. De manhã, ele se envolveu num bate-boca com o governador de São Paulo, João Doria, que reclamou de boicote federal à vacina do Butantan.
O ministro já havia anunciado a compra de 46 milhões de doses. No dia seguinte, foi desautorizado pelo chefe e sumiu de cena. Agora ele diz que a Anvisa levará 60 dias para liberar a vacina. Isso melaria a promessa do tucano de iniciar a imunização em janeiro.
À tarde, Pazuello fez um pronunciamento no Planalto. Ele repetiu generalidades e se recusou a responder perguntas. Limitou-se a recitar frases motivacionais como “não podemos desanimar” e “erguer a cabeça e dar a volta por cima é o padrão brasileiro”.
Sem ações concretas, o general indica que pretende vencer o vírus com chavões patrióticos e discurso de autoajuda. “Temos que acreditar que nós podemos vencer. Vamos ter fé. Tudo isso vai passar”, enrolou.
A conversa lembrou uma entrevista de Luiz Felipe Scolari na Copa de 2014. Antes da semifinal, o professor disse que a seleção estava “dando o seu melhor” e jogaria “pelo país”. Ele acrescentou que já havia estudado as táticas da Alemanha. “As observações me deram confiança de que estamos fazendo a coisa certa”, garantiu. A embromação de Pazuello parece anteceder um novo 7 a 1.
William Waack: O vírus e a loucura
Filósofos andam céticos quanto ao mundo político pós-pandemia O mundo pós-pandemia não vai ser muito diferente do que era até o começo deste ano, talvez só um pouco pior. Do ponto de vista da ordem internacional, a China vai registrando importante vitória tecnológica e política. Ajudada pelos Estados Unidos, que se isolam cada vez mais e despertam no resto do mundo, pela primeira vez, um sentimento de pena em relação aos americanos, no lugar de admiração, respeito ou raiva – como costumava acontecer antes do vírus.
Do ponto de vista das sociedades ricas, acentua-se o egoísmo típico trazido pelo crescimento de desigualdades e concentração de renda em escala global. Da perspectiva dos mais pobres, o fim da esperança de que miséria fosse algo a ser liquidado ali na próxima esquina da história. No geral, morre a ideia de que “valores universais” (como direitos humanos, ou sociedades abertas, ou democracia liberal) fossem se impor de maneira mais ou menos “automática” na linha do tempo.
É a hora de os filósofos falarem da pandemia, e as ideias acima são do pensador-celebridade francês Bernard-Henri Lévy. Ele acaba de publicar já em inglês The Virus in The Age of Madness (em tradução livre: O Vírus na Era da Loucura), lançado no circuito internacional da propagação de ideias por meio de debates e conversas com outras celebridades como Fareed Zakaria (GPS), Thomas Friedman (New York Times) e Francis Fukuyama (American Interest). Está no YouTube para quem prefere assistir em vez de ler.
É difícil resumir em poucas palavras a sofisticação profissional de um Bernard-Henri (defensor de ideias liberais), mas algumas de suas frases são contundentes: “A epidemia veio da China, a resposta do Partido Comunista chinês foi eficiente e eles estão conseguindo vender para o resto do mundo o seu padrão de comportamento”. O título do livro não é só uma provocação. Um dos mais conhecidos “intelectuais públicos” está mesmo convencido de que vivemos uma “competição de loucuras” como resposta ao vírus.
Fala da “sombria alegria” com a qual se abraçou o vírus enxergado como não só mais uma pandemia (disso já tratavam os filósofos gregos uns quatro séculos antes de Cristo), mas como uma expressão de “coisa real”, de “história real”, de “tragédia verdadeira”, ao contrário do mundo das notícias, que se parecem nos tempos “pós-históricos” (Levy) em que vivemos como “eventos irreais”, como “eventos fake”. “Um vento de loucura está varrendo o mundo”, afirma.
O vírus não introduziu nada excepcionalmente novo, apenas acentuou ou escancarou tendências, problemas e dilemas já existentes, tanto na política quanto na economia. E tem até um lado que se diria vantajoso, segundo o filósofo: “Tornou evidentes a duplicidade e a inadequação”, além do oportunismo, de alguns dos personagens políticos citados por ele (nesta categoria negativa são Trump, Putin, Maduro e Bolsonaro).
Eles se esmeram na postura da “negação da realidade”, diz Levy, que dedica menções pouco simpáticas também aos que ele chama de “profilatocratas, vegetocratas e ecolocratas” (não só em alemão se inventam palavras no discurso filosófico), além dos defensores de políticas identitárias. Nesse sentido, tomando todos os “ismos” em curso, registra-se uma “competição de loucura” como resposta à pandemia, que nada tem de inédito, o mundo já lidou com isso muitas vezes antes, “e nem é tão ruim quanto parece”.
Mas não se pense que só o grande circuito intelectual global está dando atenção a filósofos. O recente congresso anual da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), no começo desta semana, trouxe um filósofo para examinar com produtores rurais, economistas e técnicos do setor o que se imagina que venha a ser o mundo pós-pandemia. “Daqui uns três anos ninguém vai se lembrar que teve a pandemia”, vaticinou Luiz Felipe Pondé, o filósofo convidado.