vinícius torres freire
Vinicius Torres Freire: Amigos de Bolsonaro fazem festa demais no país do bife de ouro e da fábrica parada
Gente do mercado faz bullying contra quem observa os poréns
Ainda não há inflação, no sentido de alta persistente ou generalizada de preços, apesar do salto do IPCA no fim de 2019. Mas os preços da vaca, do frango, do feijão ou do ovo assustam o brasileiro comum, o habitante deste país em que a renda média do trabalho é de uns R$ 2.000, sempre convém lembrar.
A inflação da comida (“alimentação no domicílio”) voltou para perto de uns 8% ao ano, nível em que passa a incomodar o brasileiro médio de modo notável, com algum efeito político, a julgar por pesquisas de opinião. Não há inflação, pois, mas a vida é dura.
A produção da indústria decresceu 1,3% nos 12 meses contados até novembro, dado mais recente, divulgado na semana que passou. É um decréscimo regular desde meados de 2019, apesar das palmas para uma suposta recuperação industrial, festinha que se via fazia uns meses entre gente da finança e seus porta-vozes.
Os indícios do crescimento no fim do ano passado são de convalescença, de lenta recuperação. Como já se escreveu aqui tantas vezes, as condições para alguma recuperação são agora as melhores desde 2014. No entanto, trata-se de coisa ainda pouca, e falta muito o que fazer para que a economia se torne mais resistente a recaídas. Gente do mercado financeiro está fazendo uma algazarra juvenil e “bullying” contra quem observa os poréns.
A indústria continua mal pelos mesmos motivos desde janeiro do ano passado. O grosso da recaída na recessão industrial se deve:
a) à desaceleração violenta da produção de veículos, que crescia a 15,5% ao ano em novembro de 2019 e agora se arrasta ao ritmo de 1,4% ao ano. A recessão da Argentina, cliente dos nossos carros e peças, derrubou o que ainda é o centro da produção industrial brasileira;
b) ao desastre assassino da Vale em Brumadinho, que derrubou a indústria extrativa, ora em recessão de mais de 8%. A indústria extrativa e a de veículos têm, cada uma, uns 11% do total da produção industrial, embora o efeito das montadoras no restante da economia seja bem maior.
Há também algum problema ruim, faz pelo menos um ano, na indústria têxtil, de vestuário e móveis; fabricantes de bens de “informática” e eletrônicos também vão mal.
É possível que seja retomada em breve a produção de minérios; que a indústria de carros pelo menos pare de desacelerar. Mas não haverá Carnaval nas fábricas ou alegria maior antes da Semana Santa.
A carestia da comida parece recuar um pouco neste início do ano. Pelo menos, para de subir loucamente o preço do feijão, embora a arroba do boi gordo ainda aumente a 25% ao ano (em dezembro, 36,5%).
E daí?
Esses dados comezinhos da economia da mesa e do chão de fábrica ajudam a temperar de realismo delírios e propagandas sobre o que se passa nessa maçaroca imensa chamada de PIB.
Há gente, em especial de oposição, que acredita fanaticamente em estagnação ou degradação geral e ainda maior de condições de vida. Trata-se de desinformação e de análise errada, que tende a ter consequências políticas graves.
Na propaganda governista, oficial ou colaboracionista, há euforia política e financeiramente interessada.
Há recuperação e condições até para alguma aceleração maior, a depender dos ânimos insondáveis de empresários, das confusões da política mundial e da biruta bolsonariana. Mas ainda estamos lutando morro acima para fazer com que a economia avance meros 2,5%, o que ainda nem nos tira do buraco em que caímos na recessão.
Vinicius Torres Freire: Economia do Brasil pode sair da cama e caminhar, se não levar rasteira política
Há certa arrumação para o país crescer os tais 2,5%, por aí, estimativa furada desde 2017
Um perigo para o Brasil e o mundo saiu da jaula logo no primeiro dia útil do ano. A metralhadora biruta de Donald Trump atirou no Irã, como se viu. Quanto à vidinha doméstica, como andam as coisas nesta roça?
As perspectivas são ainda medíocres, mas em alta, sem riscos maiores no horizonte, afora os da política, lá fora e aqui.
A agropecuária não faz o país crescer de modo direto e significativo (tem parte pequena no PIB), mas nos mantém de pé.
A previsão mais recente, de dezembro, é de alta de quase 2% na safra 2019/2020, segundo a Conab. As exportações do setor pagam boa parte das contas externas; a alta da produção deve manter os preços da comida sob controle.
Os reservatórios das hidrelétricas estão em mínimas históricas. Mas o sistema tem folga, por causa da recessão, e está mais bem preparado para compensar os danos da seca na produção de eletricidade. Mas, se a chuva continuar pouca, vai haver pressão nos preços, daqui para o ano que vem, o que de resto não é perspectiva boa para quem quer investir.
Por falar em energia, a produção de petróleo e gás enfim começou a aumentar de modo relevante no terço final de 2019. Também não salva a lavoura, claro, não somos um emirado. Mas é outra ajuda para empurrar esta baleia encalhada.
Também na indústria extrativa, a Vale deve elevar sua produção, depois dos desastres assassinos.
Talvez a taxa básica de juros não caia mais, em parte por causa de riscos na energia, mas deve ficar historicamente baixa, um impulso relevante. O real desvalorizado deve dar alguma vida à indústria, zumbi desde 2010.
Mas o mundo não vai dar grande ajuda às fábricas. A Argentina, grande cliente, continuará no buraco, embora talvez não afunde muito mais. A economia mundial, que cresceu em torno de 3,5% ao ano de 2014 a 2018, deve avançar apenas 3% ao ano em 2019 e 2020, sem cair de novo, mas degraus abaixo.
A receita de impostos ainda cresce menos que o Pibinho. Estados continuarão quebrados ou na pindaíba.
O aperto horrendo nas contas públicas federais vai continuar, com encolhimento adicional do investimento “em obras”, que até novembro caía 16% em relação a 2018.
Apesar de “o mercado” festejar de modo tolo ou maluco um possível crescimento sem obra pública, a pindaíba do governo é uma desgraça de curto, médio e longo prazo para a infraestrutura econômica e social.
A construção civil se recupera, mas ainda no buraco profundo em que caiu na recessão. De resto, a construção mais pesada vegeta, por falta de obra pública e porque tão cedo não haverá investimento de monta em instalações produtivas. Enfim, quantas casas as pessoas podem comprar, quanta dívida podem fazer?
O emprego terá melhoria “gradual”, eufemismo de “o mercado” para quase nada, embora aumente a massa de pessoas trabalhando e ganhando pouco, o que, tudo somado, deve acelerar o consumo.
Na política, é preciso ver o que será o Congresso na volta das férias, depois de deputados e senadores sentirem os humores do eleitorado, e o efeito da eleição municipal na geringonça de direita, o “parlamentarismo branco” reformista liberal que toca o país, na ausência de governo articulado.
Em tese, até a campanha eleitoral sai algum conserto extra nas contas públicas, se Jair Bolsonaro não cometer alguma atrocidade aí também.
Enfim, há certa arrumação para o país crescer os tais 2,5%, por aí, estimativa furada desde 2017. A política, aqui e lá fora, é o maior risco.
Vinicius Torres Freire: O futuro do ciclista de aplicativo e a situação do emprego em 2020
Mercado de trabalho melhora um tico no final de 2019, mas vai mudar muito ainda
Ciclista de aplicativo, bolo de pote e filas imensas de feirão do emprego foram as imagens do mercado de trabalho do ano que acabou de acabar. Quem arruma alguma ocupação ainda é trabalhador “por conta própria”, na linguagem das estatísticas oficiais. Mas, tudo somado, houve sinais de boa notícia nos números de novembro, os mais recentes.
Isto posto, é preciso explicar o que são essas melhorias. Mais ainda, é preciso ter perspectiva para pensar um pouco do que pode ser o mercado de trabalho —a neoprecarização começou bem antes da recessão e vai mudar de cara.
Primeiro, o emprego continua ruim. Mas o salário médio voltou a subir um pouquinho; a massa de rendimentos (a soma do que todo mundo ganha trabalhando), também. É combustível para alguma aceleração do consumo e do PIB em 2020.
O salário médio ficou estagnado (na comparação com o ano anterior) de abril a setembro; a massa de rendimentos crescia apenas 1,8% ao ano em agosto, setembro. Em novembro, crescia a 3%. Parece acelerar.
Segundo, não vai ser possível ter segurança dessas melhorias antes de fevereiro ou de março do ano que vem, quando teremos dados da virada do ano e uma medida do efeito de impulsos (talvez) passageiros, como a liberação do FGTS.
Terceiro, sabemos pouco do mercado de trabalho e menos ainda dessa economia que, parece, sai das ruínas.
Considere-se o último momento de criação de empregos antes da recessão (para os quais há dados comparáveis), de 2012 a 2015. Nesse período, a categoria “por conta própria” cresceu 9,5%; a de “empregador” (quem emprega ao menos um trabalhador), 13,5%; a dos celetistas, 3,4%.
Mesmo nos anos finais do “boom”, o emprego mudava.
Desde 2017, quando passou de novo a haver criação de emprego (sempre em comparações com o ano anterior), o número de “por conta própria” cresceu 7,2%; o de “empregadores”, 2,2%; a de celetistas, 0,9%.
O grosso do emprego novo vem desses três grupos. A diferença maior agora é a escassez de emprego novo com CLT e a aparente falta de oportunidade dos “empregadores” (que talvez sejam “por conta própria” que ora não têm condição de empregar ninguém). Uns 10% dos CLTs devem ser trabalhadores em tempo parcial ou intermitentes.
Quarto, com algum progresso no emprego, talvez falte ciclista de aplicativo. Alguns jovens talvez deixem o mercado com a melhora da situação da família ou arrumem trabalho menos massacrante. De qualquer modo, haverá menos jovens, para pedalar ou para outro trabalho.
De 2012 a 2018, a população de 14 a 29 anos diminuiu mais de 4%; o número dessas pessoas na força de trabalho também diminuiu uns 4%. Deve diminuir ainda mais rápido nos próximos anos, segundo a projeção do IBGE.
O grupo de idade que mais cresce (e vai crescer ainda mais rápido), na população e no mercado de trabalho, é o das pessoas de mais de 50 anos e, ainda mais rapidamente, o daqueles com mais de 60 anos.
Parece razoável acreditar que mais empregos sejam uberizados. Os já uberizados podem criar organizações sindicais ou similares (como começa a acontecer nos Estados Unidos). Mais pessoas vão procurar inventar seu trabalho, por necessidade ou oportunidade. Mais e mais empregos formais são criados na área social (saúde e educação).
O futuro da indústria brasileira é uma incógnita, mas daí não virá muito emprego. A população empregada envelhece de modo notável ano a ano.
Caso a economia melhore um tico, a conversa vai mudar.
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro e a nova questão religiosa
Em um país com mais conflitos de religião, presidente leva assunto para o Planalto
A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios não podem “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”, diz o artigo 19 da Constituição.
No seu pronunciamento de Natal, em cadeia de rádio e televisão, Jair Bolsonaro (sem partido) disse que acredita em Deus, afirmação em si inócua. Discursou ao lado da mulher, que usava uma camiseta com a inscrição “Jesus”. Michelle Bolsonaro não exerce função pública remunerada, mas preside o Conselho do Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado, o “Pátria Voluntária”, criado por decreto presidencial em julho deste ano e vinculado ao Ministério da Cidadania.
A Carta de 1988 não trata da relação da pessoa do presidente com religiões, nem está explícito se ou quais atos do presidente podem implicar “relações de dependência ou aliança” da União com cultos religiosos e igrejas.
É um problema jurídico difícil resolver se Bolsonaro ou tantos outros chefes e integrantes de Poderes atravessam fronteiras legais nesse assunto. Mas é fácil perceber que o presidente tornou essa divisa ainda mais nebulosa e levou a nova questão religiosa do Brasil a um patamar mais alto.
Uma semana antes do pronunciamento de Natal, Bolsonaro participara de um “Culto de Ação de Graças”, como dizia a agenda presidencial, no Palácio do Planalto. Estariam lá cerca de 600 evangélicos, no dizer de um pastor presente.
“Entendo também que, pelas mãos de vocês, hoje sou o chefe do Executivo” e “É motivo de honra e de orgulho e de satisfação vê-los publicamente aceitando Jesus nesta casa”, discursou então Bolsonaro, entre orações.
“Nesta casa que estava carente da sua [de Deus] palavra. O Brasil mudou”, disse ainda o presidente. No pronunciamento natalino: “O governo mudou. Hoje, temos um presidente que valoriza a família, respeita a vontade do seu povo, honra seus militares e acredita em Deus”.
Nos quatro discursos em cadeia de rádio e TV anteriores, Bolsonaro citara Deus uma vez, em um boa noite. Ao longo do ano e em momentos de crise, fez questão de demonstrar mais proximidade política e religiosa com evangélicos, como agora, em que seu filho Flávio é acusado de crimes graves.
Depois de 1964, a presença da religião nos assuntos políticos foi perdendo força, em parte devido ao declínio da influência política, social e religiosa da Igreja Católica. A tendência se reverteu com a ascensão geral dos evangélicos, em números de fiéis e na política partidária (a Frente Parlamentar Evangélica foi criada em 2003).
Passamos a ter notícias de conflitos públicos entre parte dos evangélicos e católicos (“chutou a santa”) e perseguição renovada dos crentes do candomblé e da umbanda. Até atentados contra humoristas temos. Blasfêmia e horror assustadores, faz mais de década se ouve falar de “traficantes evangélicos”.
Passou a haver uma nova questão religiosa no Brasil, muito além da disputa de fiéis. Envolve partidos, interesse econômico maior, conflito de mídia e, agora, embates pelo controle político da educação e da cultura.
De um modo ou de outro, de maneira inadvertida, demagógica ou manipuladora, levar tal conflito para o centro da vida partidária e para os Poderes é sujeitar o país ao risco de mais um desastre, o do conflito político-religioso, de história e presente funestos e amargamente conhecidos.
Vinicius Torres Freire: Com grande apoio da elite e apatia geral, Bolsonaro só deve temer a si mesmo
Difícil imaginar que escândalos levem elite econômica a abandonar o presidente
Os capitães da indústria gostam da administração do capitão da extrema direita, Jair Bolsonaro, também presidente da República e da filhocracia. Para 60% dos empresários industriais, o governo é “ótimo/bom”; para 7%, “ruim/péssimo”.
É o que diz levantamento da CNI (Confederação Nacional da Indústria) com 1.914 empresas do ramo, feito em dezembro. Para a população em geral, o governo é “ótimo/bom” para 29% dos entrevistados pelo Ibope, em pesquisa também encomendada pela CNI. Para 38%, o governo Bolsonaro é “ruim/péssimo”.
As pesquisas foram feitas antes de Flávio Bolsonaro ter sido acusado de comandar uma organização criminosa. Segundo a Promotoria, a gangue contratava funcionários fantasmas e desviava dinheiro da Assembleia Legislativa do Rio em benefício do filho 01, que lavava ou compartilhava o tutu de chocolate com milicianos, foragidos da Justiça, assassinos e agregados.
Um desses apaniguados era Fabrício Queiroz, durante décadas amigo e faz-tudo de Bolsonaro pai, como se sabe. As acusações também eram bem sabidas fazia mais de ano, embora faltasse o colorido sórdido do caleidoscópio das investigações. Os desmandos e as tentativas de mandonismo do presidente, entre outras extravagâncias autoritárias, também são mui bem sabidas, faz muito mais tempo.
No entanto e a propósito, como se dizia, o governo Bolsonaro é tido como “ótimo/bom” por 60% dos empresários industriais. No mercado financeiro, levava a nota “ótimo/bom” de 45% dos “gestores, traders e economistas de fundos de investimentos e instituições financeiras” entrevistados em modesta pesquisa da XP Investimentos, de outubro.
A opinião do pessoal da finança é volátil como o preço de uma ação cheia de mumunhas, de empresa quase falida ou à beira de privatização. Em janeiro, Bolsonaro levava 86% de “ótimo/bom” e 1% de “ruim/péssimo”. Em maio, quando o PIB parecia derreter, esses porta-vozes de “o mercado” davam 43% de “ruim/péssimo” e 14% de “ótimo/bom”. Ainda assim, os financistas e seus empregados mais compram do que vendem Bolsonaro.
De acordo com a conveniência, o Congresso pode se servir do bolo de rolos dos Bolsonaro para dar-lhe uma prensa. Mas os parlamentares são caçadores conscientes. Só matam em caso de necessidade estrita.
É verdade que outros miasmas podem emanar da fossa destampada de 01 e Queiroz. Sabe-se lá se o presidente pode sair comprovadamente empesteado do caso. De qualquer modo, vai fazer diferença, ao menos na opinião do “bloco no poder”?
Os donos do dinheiro parecem contentes mesmo com a economia ainda crescendo a 1% ao ano. Em particular, estão felizes de não pagar mais impostos, com o gasto contido do governo, com reformas trabalhistas e com a perspectiva de mais alguma outra mudança. Em geral, estão felizes com o abatimento da esquerda, real, imaginária ou potencial, nas ruas ou nos partidos.
Caso a economia cresça 2% e estrangeiros voltem para a Bolsa, para mais algumas aquisições e fusões ou qualquer outro choro de dinheiro, por que ficariam menos felizes? Caso estejam satisfeitos, por que o Congresso faria movimentos mais bruscos em relação a Bolsonaro?
Não faria, a não ser que o povo em massa estivesse irado. Não está. É improvável que fique mais irado em 2020, dada a perspectiva de melhora suave na economia e, de quebra, de inexistência de oposição e projeto alternativo.
Por enquanto, Bolsonaro nada tem a temer a não ser a si mesmo.
Vinicius Torres Freire: Clã Bolsonaro, risco para o PIB 2020
Notícias de escândalos rebaixam sinais de melhora modesta, mas firme, na economia
No mundo do dinheiro grosso e da política, não se deu muita atenção ao descalabro de Flávio Bolsonaro, de sua loja de chocolates, seu castelo de fantasmas e seu muquifo de milicianos.
A finança está animada, o Congresso saiu de férias, a esquerda foi à praia e nem explorou o sururu na casa do governo. Quem andou colocando o governo na linha, de novo, foi Rodrigo Maia, do DEM, o premiê acidental.
O vexame sórdido, porém, tirou das manchetes outras notícias de indícios de recuperação da economia, como os números ainda modestos, mas animadores, do emprego formal e da arrecadação de impostos.
Foi ainda mais um lembrete de que a política é um risco maior para o PIB do ano que vem, dada a perspectiva de fins deste 2019. No mais, as condições para algum crescimento de curto prazo são as melhores desde 2013. Por política entenda-se aqui o complexo Bolsonaro, de escândalos à desarticulação no Congresso, passando pela administração caótica.
O ritmo de criação de empregos com carteira assinada parece acelerar, mas ainda lentamente, apesar da euforia de economistas de banco, consultorias e simpatizantes. Nos últimos 12 meses, até novembro, o número de empregos formais aumentou em cerca de 606 mil; no ano passado, foram 548 mil.
É um incremento que não chega ainda a 60 mil —note-se que há cerca de 39,4 milhões de empregos com CLT no país. É animador ver a construção civil começando a sair do fundo do buraco, mas o emprego na indústria permanece estagnado desde outubro do ano passado.
O salário de admissão ainda cresce muito menos do que o dos demitidos. Enfim, mais de 13% do saldo de empregos de novembro está na categoria tempo parcial e intermitente, novidades da reforma trabalhista. Sim, alguém pode dizer que é melhor algum emprego do que nenhum. Mas é preciso levar em conta tais diferenças nas comparações com verões passados.
Isto posto, o ano deve ser o melhor desde 2013, em criação de empregos, crescimento da economia e perspectivas. Por ora, espera-se que o PIB avance de 2% a 2,5% em 2020, o que significa a manutenção do ritmo de crescimento em que temos andado desde o fim do primeiro trimestre.
Há riscos na indústria, que não convalesce. A confiança do empresário industrial não se recupera. A FGV, que faz a sondagem do ânimo dos empresários, descobriu que esse desânimo se deve ao crescimento lento (para 66,5% das empresas consultadas) e à incerteza política (para 35,5%), entre os motivos principais. Pois é.
Há o salário médio que não cresce. Está praticamente estagnado desde o primeiro terço do ano. Além do mais, segundo as contas do Ipea com base em dados do IBGE, 22,2% dos domicílios não têm rendimento do trabalho (ante 19,2% de 2014). Os domicílios com renda "muito baixa" (menor que R$ 1.643,78) são 29,6% do país. Os indivíduos com renda muito baixa ainda ganham em média menos do que em 2012.
O ritmo de andamento de mudanças institucionais na economia caiu depois da aprovação da reforma da Previdência. Jair Bolsonaro e seu entorno dão mais palpites sobre o assunto, e o governo é errático mesmo nesses temas cruciais para sua sobrevivência. O Ministério da Economia reaparece com ideias que azedam até o caldo reformista, como CPMF e variantes.
Sim, há sinais e condições de melhora. Sim, falta criar 2 milhões de empregos formais para voltarmos ao nível de 2014. Sim, a política dos Bolsonaro ameaça tudo isso.
Vinicius Torres Freire: PIB dá sinais de vida, mas economia pós-ruína é uma desconhecida
Faz seis anos, conjuntura não era tão favorável para retomada; política é risco
Aumentou a “probabilidade de aceleração” do crescimento nos próximos meses, sugere uma medida combinada de indicadores financeiros, de produção industrial, do comércio exterior e de expectativas empresariais e do consumidor.
Vai, racha ou ainda se arrasta? Uma aceleração pode ter também consequências políticas mesmo em meados de 2020, ainda mais dada a conformação gelatinosa dos pedaços da política brasileira recente.
“O cenário do Copom supõe que essa recuperação seguirá em ritmo gradual”, escreveu a diretoria do Banco Central na exposição de motivos da decisão de baixar a Selic na semana passada, no entanto (na Ata do Copom). Isso parece significar que o crescimento do PIB deve passar aos poucos do ritmo de crescimento de 1% ao ano para 2%. Mantido o ritmo do segundo e terceiro trimestres até o final de 2020, a economia cresceria 2,2%, por exemplo.
Ainda assim, o pessoal do BC escreveu também na Ata que a economia pode acelerar além da conta atual, dadas certas e novas condições da economia: taxa básica de juros historicamente baixa, nova e crescente fonte de financiamento da economia (mercado de capitais), menos crédito público subsidiado, por exemplo. É uma hipótese, lá está claro, pois se desconhece como funciona a economia neste novo regime (e, não está lá escrito, depois de meia dúzia de anos de recessão e estagnação).
A medida que sugere a “probabilidade de aceleração nos próximos meses” é o Indicador Antecedente Composto da Economia Brasileira (IACE), publicado em parceria entre a FGV-Ibre e The Conference Board. É uma combinação ponderada de taxa básica de juros no mercado para um ano, do desempenho do Ibovespa, de expectativas de empresas da indústria e de serviços, de confiança do consumidor, da produção de bens de consumo duráveis e de preços relativos (termos de troca) e de quantidade de exportações brasileiras.
Pelos números recentes e a julgar pelo resultado passado do efeito conjunto de tais indicadores, a economia parece estar no caminho da aceleração. Mas a gente não tem como prever que os efeitos continuem os mesmos, como de costume. Para dificultar a estimativa, temos esses fatos muito novos, como a taxa básica real de juro em torno de 0,6% ao ano, ressalte-se, e a configuração da economia depois de anos de ruína.
Para o Banco Central, traços de respostas para essas questões vão indicar se a taxa de juros (Selic) vai cair de novo em fevereiro de 2020 (próxima reunião para decidir sobre juros). Caso a economia cresça o previsto ou até acelere, o clima político deve mudar, caso o governo de Jair Bolsonaro não cause mais tumulto ou dê mais tiros no pé ou na orelha.
Não vai ser o “milagre do crescimento”. O desemprego continuará muito alto. A distribuição do crescimento não deve ser favorável para os mais pobres; não há dinheiro para fazer redistribuição, ao contrário. Mas haverá beneficiados, mais gente vivendo algo melhor do que agora e menos gente vivendo pior. Pode aparecer alguma percepção “pop” de que reformas e despiora da economia têm algo a ver.
Seria uma situação que levaria um governo normal a atrair aliados e fazer composições político-partidárias mais amplas. No caso de Bolsonaro, difícil dizer, até porque em termos políticos o governo vive voluntária ou involuntariamente no caos e do caos. Mas haveria condições para o clima político mudar. Na direção de formação de alianças ou de ênfase em “quebrar o sistema”?
Vinicius Torres Freire: Derrota de lavada da esquerda britânica tem algo a ensinar para o Brasil
PIB e situação social do Reino Unido vão mal, mas conservadores ganham de lavada
Bem-estar social e economia não parecem ter sido os motivos da lavada do Partido Conservador na eleição britânica. “Economia”, de resto, é conceito amplo demais para servir de motivo de explicação, entre outros problemas.
Seja como for, explicar escolhas políticas tem andado mais difícil do que de costume nesta década de revoltas e reviravoltas. O nosso Junho de 2013 é um caso exemplar; o Reino Unido dá o que pensar para o Brasil de 2019 e para os Estados Unidos e sua crucial eleição de 2020.
Desde 2010, início da sequência de governos conservadores, a economia do Reino Unido cresceu à metade do ritmo registrado sob os governos trabalhistas deste século. A desigualdade de renda aumentou ligeiramente, mais visível na perda de renda dos 20% mais pobres e no aumento da renda dos 10% mais ricos.
Sob os conservadores, o gasto per capita em saúde pública cresceu 0,6% ao ano desde 2010, ante 3,3% da média desde o fim da Segunda Guerra. O gasto por estudante da escola fundamental caiu 8% desde 2010 e ainda mais no ensino médio. São dados oficiais compilados pela “Health Foundation” e pelo “Institute of Fiscal Studies”.
A situação obviamente não está boa e os britânicos estão revoltados, em especial trabalhadores de renda baixa, muitos agora ex-eleitores dos trabalhistas. Essa revolta, porém, se transforma em voto pelo brexit, contra imigrantes, em adesão a ideias autoritárias, em desconfiança de elites tecnocráticas, intelectuais e políticas. É um cenário conhecido e reconhecível em muitos países do mundo ocidental.
Voltaram as “guerras culturais”, o debate de costumes, nacionalismos e outros mitos mais ou menos monstruosos que pareciam ao menos contidos desde a catástrofe da Segunda Guerra. Quase sempre os partidos à esquerda são derrotados quando as batalhas são disputadas nesses campos. Mas não parecem tão óbvios o motivo da preferência pela direita, da importância revivida das “guerras culturais” e da desimportância da discussão político-econômica.
É preciso lembrar que:
a) o aumento da produtividade nas economias avançadas está sendo capturado pelos mais ricos, nas últimas três ou quatro décadas, com quase estagnação no salário mediano real, com aumento de desigualdades e desesperança social;
b) os partidos da centro-esquerda em geral foram perdendo a identidade desde o começo dos anos 1990, virando sensaborias políticas e elitismos tecnocráticos: lembrem-se das Terceiras Vias, a versão zumbi da social-democracia.
Ou seja, as “guerras culturais” ocupam o espaço esvaziado de programas de esquerda, em particular daqueles que cheirem a naftalina dos anos 1970. Os guerreiros culturais oferecem explicações ou conforto para o ressentimento dos desvalidos e largados da economia do século 21, quando não criam diversionismos loucos e autoritários.
A esquerda não tem o que dizer ao povo miúdo nas guerras culturais ou econômicas. O que a isolada esquerda no Brasil tem a dizer ao crescente precariado, a outras massas de trabalhadores sem organização e aos “autônomos” em geral?
Essas pessoas desconfiam do Estado, que cobra imposto, azucrina ou impede o pequeno negócio ou bico, confisca mercadorias, leva propina, espanca, mata ou deixa que o traficante ou miliciano matem e roubem. Estado que, apesar desse policiamento fiscal ou terminal, não oferece escola ou hospital decentes.
A esquerda perdeu o trem ou o Uber do recomeço da história.
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro, a geringonça da extrema-direita
Apesar de tumultos, há um arranjo político até aqui estável na política e na economia
Pode parecer doido quem diga que houve alguma estabilidade neste quase primeiro ano de Jair Bolsonaro. Mas há um arranjo político que dura desde março, que evitou o desgoverno total, o desarranjo geral no Congresso e os piores arreganhos autoritários ou disparates jurídico-administrativos.
Além do mais, não houve choque político da dimensão vista neste país pelo menos desde 2013, a cada ano. Mesmo a avaliação de Bolsonaro mantém-se praticamente estável desde abril, embora tenham se deteriorado as expectativas de sucesso de seu governo.
As altercações e os ultrajes quase diários dão a impressão de movimento caótico. Avanços e recuos em medidas e leis demonstram que o governo carece de coordenação político-administrativa, pelo menos segundo o padrão geralmente aceito de planejamento racional.
Caíram dois ministros palacianos que pareciam do núcleo íntimo permanente de Bolsonaro (Gustavo Bebianno e o general Santos Cruz). O “núcleo militar”, que daria estrutura e funcionalidade ao governo, como se especulava bobamente (aqui inclusive), foi desfeito em menos de seis meses; vai encolher ainda mais até março, com mais substituições de ministros oficiais-generais.
Bolsonaro cumpriu até aqui e de certo modo a promessa de não montar um governo baseado em coalizão parlamentar. Isto é, não trocou cargos por bancadas aliadas no Congresso; a ideia tola de governar com “bancadas temáticas” (bala, boi, Bíblia) era isso mesmo, sem fundamento e se esfumaçou.
O presidente de resto hostiliza, hoje um pouco menos, o responsável por aprovar reformas sem as quais a economia do país e seu governo estariam em convulsão, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara.
Seu governo bate recordes de derrotas em votações parlamentares. Seu partido se dissolveu em menos de nove meses de governo, em meio a uma chacrinha sórdida, com o que Bolsonaro não se incomodou muito, se tanto, diga-se de passagem.
De que estabilidade se trata, então?
A elite política e econômica acomodou Bolsonaro. O que parecia uma extravagância passageira no início do ano, o “parlamentarismo branco”, firmou-se até aqui, embora sabe-se lá o que será desse arranjo até março, quando o Congresso voltar das férias de verão, depois de consultar as “bases”, quando talvez já se tenha alguma ideia de se a recuperação econômica “agora, vai”.
Mas o governo do premiê acidental Maia funciona regularmente. Discute e organiza os projetos da Economia. Contém os avanços autoritários de decretos e projetos de Bolsonaro. As lideranças do centrão, Maia inclusive, arrumaram um jeito de acalmar parlamentares, com o pagamento de emendas e nomeações para cargos de terceiro escalão ainda rendosos em termos políticos.
Nesse parlamentarismo branco ou encardido, o presidente mantém certos poderes, como em alguns de seus similares formais. Por exemplo, o poder de fazer guerra cultural (na educação, na cultura), o de aparelhar a máquina com esbirros ideológicos alucinados, de intervir aos poucos nos órgãos de controle (Procuradoria-Geral) e de tocar a política externa.
Difícil dizer que não se trata de arranjo funcional, que contribuiu para estabilizar a economia ou evitar recaídas ou desastres. Essa geringonça de extrema-direita, de resto, cria uma base estável para Jair Bolsonaro tocar o seu principal projeto, que é “quebrar o sistema” político e as instituições de controle democrático.
Vinicius Torres Freire: PIB do Brasil ainda dança na noite dos desesperados
2020 deve ser melhor, mas país zumbi vive de bolo de pote e aplicativo de comida
É um erro perguntar se o Brasil vai viver outra década perdida na economia. Já viveu. Ao final deste ano, a renda per capita ainda será menor que a de 2010.
E daí?
Estatísticas históricas não pagam dívidas. Agora seria o caso de “enterrar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos” (ou abrir?), como teria dito um marquês ao rei de Portugal sobre o que fazer depois do terremoto de Lisboa, em 1750. Mais difícil é o que fazer diante de tantos mortos-vivos da miséria de 2020, mas o marquês desconhecia o apocalipse zumbi.
A história da renda per capita serve para nos lembrar do buraco em que ainda estamos, fossa esquecida nestes dias de discussões sobre ninharias decimais e outros ruídos estatísticos do PIB, festejado com bajulação, quando não com mentiras em TV nacional. A economia vai crescer 1,1% ou 1,3%? É “néris e reles e nem nada de nada” (cortesia de Haroldo de Campos, o poeta).
É verdade que, desde 2014, não havia perspectiva mais fundamentada de algum crescimento como agora. O ano de 2020 pode ser melhor, dados os desempenhos do segundo e do terceiro trimestres de 2019, o estímulo artificial da demanda (“voilà”) de FGTS e afins, juros baixos e certa arrumação da casa fiscal.
O que será esse PIB depois da gripe? Segue um exemplo, de relatório do Credit Suisse:
“Os números mais favoráveis da população empregada e a implementação de medidas para tornar o mercado de trabalho mais flexível no Brasil devem mudar a composição da massa salarial nos próximos anos. Esperamos que a massa salarial continue a apresentar expansão moderada em 2020-2021. O principal motor desta aceleração deve ser a expansão da população empregada, com crescimento do salário real mais modesto do que em anos anteriores”.
Isto é, a soma de rendimentos do trabalho vai crescer porque deve haver mais gentes empregadas, não por que vão ganhar mais, também por causa da reforma trabalhista. O salário médio ora cresce ao ritmo anual de 0,6%.
Sim, estão dadas algumas condições necessárias, quando não típicas, de saída de recessões, como juros baixos e salários reais deprimidos. Mas o fato é que o impulso para crescer será pequeno, embora seja difícil prever parte da reação de empresas às condições econômicas e financeiras.
Não haverá grande investimento privado, não haverá obras concedidas à iniciativa privada e o investimento público ainda vai minguar, o que tem sido até comemorado por muito analista Pangloss jeca, um mercadismo do mais vulgar. No mais, vai devagar a limpeza de entulhos regulatórios e distorções de mercado que tornam a economia essa ineficiência cartorial demente.
Muito importante, não se sabe até quando vai funcionar esta nossa geringonça de direita, o “parlamentarismo branco” que governa o país na economia e no mais contém tentativas de atrocidade maior do governo.
Jair Bolsonaro continua firme no seu propósito de “quebrar o sistema” político-partidário e democrático. Note-se que tumulto político anual tem sido a norma desde 2013, o que muito contribuiu para destroçar a economia.
Ainda atravessamos a “noite dos desesperados”, aquele filme sobre os concursos sinistros de dança sem fim da Grande Depressão nos Estados Unidos: os dançarinos que não morressem de exaustão levavam um troco para casa.
No concurso de 2020, ganha quem não morrer depois de uma maratona 24/7 de entrega de bolo de pote para um aplicativo de restaurante.
Vinicius Torres Freire: Mercosul está doente, mas notícias de morte ainda são muito exageradas
Governo quer acordos e comércio mais livre, mas não quer nem pode explodir o bloco
O governo quer apressar acordos comerciais com Estados Unidos e Japão. Quer tirar o Mercosul da “estagnação”. Isto é, apressar a integração econômica do bloco e facilitar tratados com outras partes, países e blocos.
Isto posto, as notícias sobre um grande corte de impostos de importação e a morte do Mercosul são exageradas. O Brasil não pode explodir o bloco, por motivos jurídicos, políticos e econômicos —até pode, mas seria uma besteira desastrosa. Por fim, o Mercosul não é apenas comércio.
Qual então o motivo do zunzum sobre tarifas e de rompimento, além dos ruídos provocados pelas declarações de Jair Bolsonaro sobre a Argentina?
Há de fato grande animação com a perspectiva de um tratado com os EUA. Tanta que uma baliza do calendário desse acordo é o vencimento da “Trade Promotion Authority” (TPA) do presidente americano, em julho de 2021.
Na vigência da TPA, também conhecido como “fast track”, um acordo comercial negociado pelo presidente dos EUA tem sua tramitação no Congresso facilitada e apressada. Fica menos difícil fechar um acordo.
Vai rolar? Sabe-se lá. Um ano e meio parece um prazo impossível de curto, ainda mais porque um tratado de comércio, com os EUA, em si complexo, exigiria a solução de pendências como uniformização regulatória e os desacordos sobre propriedade intelectual, prioridade americana, como se tem notado.
Para piorar, 2020 é ano de eleição presidencial nos EUA, talvez ainda ano de impeachment.
Sendo tal a ambição, o governo precisaria da concordância de seus parceiros do Mercosul ou a modificação do tratado a fim de avançar em negociações comerciais.
O bloco é uma união aduaneira (grosso modo, tem as mesmas tarifas e normas de importação de produtos de países “de fora”), embora imperfeita. Sem acordo de revisão da tarifa comum, seria necessária a revisão do Mercosul.
Talvez, então, o Mercosul passasse a ser uma zona de livre-comércio.
O comércio ainda seria livre entre os países do bloco, que no entanto ficariam também livres para fixar tarifas e regras de intercâmbio com países “de fora”, o que cria várias complicações, além de ganhos e perdas para o Brasil, a serem colocados na balança.
Por exemplo, mercadorias teriam trânsito livre intra-bloco apenas se atendessem a um requisito de conteúdo regional mínimo (o bem teria de ser em parte produzido no bloco).
Seria necessário o controle de origem (a fim de evitar que um país do Mercosul importe mercadoria com tarifa zero, de países “de fora”, e a repasse a um vizinho que cobra tarifa maior que zero, uma burla do acordo regional). O cumprimento dessa regra de origem pode ser enrolado e caro.
Uma alternativa seria o Mercosul dar uma liberada (“waiver”) para o Brasil negociar certos acordos. Tudo está sobre a mesa de estudos e pode ir para a mesa de negociações, nível de tarifas inclusive.
Mas, caso a Argentina opte por uma retranca protecionista, o Brasil vai dizer claramente que o regime de união aduaneira não vai mais servir.
Em vez de progredir para um mercado comum, o Mercosul então regrediria uma casa. “Paciência”: a política maior será a de aumentar a inserção do país na economia mundial. Em qual ritmo, está para se ver.
A revisão de tarifas seria gradual e compatível com reformas que reduzam o custo de produzir neste país, como Paulo Guedes diz desde antes do início do governo.
Seja lá qual for o ritmo desse gradual, o governo está decidido a mudar o Mercosul.
Vinicius Torres Freire: Juros mais baixo, teto de gastos em alto
Banco Central indica que taxa de juros pode ficar abaixo de 5% no início de 2020
A taxa básica de juros pode ir abaixo de 5% ao ano em 2020, indicou o Banco Central. Na prática, a taxa real de juros cairia para menos de 1%. Que tal quase zero?
E daí? As implicações são várias mas, para começar, uma taxa assim baixa terá influência nos debates sobre o teto de gastos e o déficit do governo federal.
Em resumo, deve esquentar a discussão sobre a possibilidade de o governo gastar mais a fim de “estimular a economia”, tanto faz se amemos ou detestemos essa hipótese. Com taxas de juros menores (zero?), o custo de algum endividamento extra do governo cai, embora o aumento da dívida tenda, em tese, a pressionar a taxa de juros para cima.
O Banco Central jamais é tão explícito quanto as primeiras palavras deste texto, mas foi eloquente no comunicado em que divulgou a redução da Selic de 6% para 5,5%, nesta quarta-feira (18).
Está lá escrito: “O cenário híbrido com taxa de câmbio constante e trajetória de juros da pesquisa Focus implica inflação em torno de 3,4% para 2019 e 3,8% para 2020”. Quer dizer, com Selic a 5% e dólar a R$ 4,05 até o final do ano que vem, a inflação ficaria abaixo da meta.
Logo, sem outros abalos e frustrações das expectativas do BC para o Brasil e o mundo, a Selic pode ir a menos de 5%. Falando português claro, quais são essas expectativas (o contexto em que a inflação e juros poderiam continuar em baixa)?
Primeiro, o país deve continuar crescendo pouco, menos de 1% neste ano e no máximo 2% em 2020, com as consequências sabidas: desemprego alto e salário médio real contido ou estagnado, como agora.
Segundo, deve haver “continuidade das reformas” e “perseverança nos ajustes”. Nesse ponto, o BC é vago quanto a meios (quais reformas?), embora os fins sejam óbvios: controle duradouro de déficit e dívida, pelo menos.
Aqui, chega a hora de a onça beber água para quem prega a revisão do teto de gastos. Qualquer revisão do teto seria um problema, para o BC e os donos do dinheiro grosso, credores do governo? Uma revisão do teto com um novo regime fiscal, com gastos reduzidos e estáveis com servidores, por exemplo, e reforma da Previdência, passa no teste da “perseverança nos ajustes”?
Terceiro: não haver tumulto na economia mundial. Até agora, na opinião do BC, juros em baixa nas economias maiores do planeta são favoráveis (se não vier recessão).
Apesar de reiterar que um fracasso nas reformas ou crise lá fora seriam um problema, óbvio, o texto do BC dá mais ênfase à discussão de cenários de inflação favoráveis e, assim, de possibilidades novas de redução da taxa de juros.
Antes tarde do que nunca, pois ao final deste 2019 a taxa de inflação terá ficado abaixo da meta por três anos, isto em um país em depressão. Não é responsabilidade desta diretoria do BC, que assumiu neste ano, mas convém ressaltar a extravagância, para não dizer arrocho monetário.
Uma Selic menor terá efeitos marginais nas taxas de juros de financiamentos bancários. Mas reduz o custo de levantar dinheiro no mercado de capitais, para empresas. Além do mais, vai dar o que pensar ao poupador comum, que vai ver muitas de suas aplicações seguras de renda fixa minguarem para nada ou menos do que isso, em termos reais.
Enfim, Selic menor necessariamente não estimula o investimento. Mas tira um dos bodes mortos da sala e, no mínimo, ajuda a controlar a dívida, dezenas de bilhões que economistas padrão dão de barato.