vinícius torres freire

Vinicius Torres Freire: A gasolina e o dólar estão caros?

País está mais pobre do que em 2010, mas certos preços apenas estão no lugar

“Devolve meu dólar a R$ 1,99.” Houve gente que foi às ruas pedir a cabeça de Dilma Rousseff carregando cartazes que criticavam a desvalorização do real, alguns por chacota, outros a sério. Nas manifestações finais a favor do impeachment, o dólar andava pela casa dos R$ 3,50.

A cada vez que o real cai da escada, como agora, a chacota muda de lado. As fotos dos manifestantes de amarelo se tornam objeto de ridículo e de memes que escarnecem também do governo, antes de Michel Temer, agora de Jair Bolsonaro.

O povo ainda faz troça de Eduardo Bolsonaro, republicando o tuíte em que o filho 03 recomendava “Não compre dólar agora!” em 14 de abril de 2016 (o dólar custava R$ 3,51).

É a conversa comum sobre economia no mundo real das redes sociais, feita de ódio ou deboche do preço do tomate, do bife, da gasolina ou do dólar. Graças à demagogia agressiva de Bolsonaro, os combustíveis voltaram a ser motivo de “tretas”, piadas e ódios.

A gasolina está cara? Flutua em torno da média de R$ 4,41 desde janeiro de 2018. Custava R$ 4,58 na última semana de janeiro, segundo pesquisa semanal da Agência Nacional do Petróleo (esses valores são médias nacionais). Subiu uns 5% em um ano, um pouco mais do que os salários.
O salto grande de preços mais recente ocorreu no final de 2017. Em três anos, a gasolina subiu 23%; o salário médio, 14%. A inflação média foi de uns 11%. Na percepção e no bolso do povo mediano, a gasolina está cara.

O dólar está caro? Embora uma variação abrupta do preço da moeda americana possa ser importante, é tristemente tolo dizer que o dólar “bate recordes”, como a gente lê por aí (dizer que o recorde é “nominal” apenas lambuza a tolice de ridículo).

Feitas as contas relevantes, em termos reais o dólar está onde esteve entre mais ou menos 2007 e 2009 (para ser específico, trata-se aqui de taxas de câmbio real). Entre 2010 e 2014, a moeda brasileira ficaria loucamente forte, em parte por causa da política econômica dos países centrais em crise braba, em parte devido às barbaridades da política econômica brasileira.

Foi a época do Bolsa Miami (gastos no exterior) e de alguma farra de importados. Foi também uma paulada extra na indústria brasileira, que desde 2010 parou de crescer.

O dólar nominal de janeiro de 2020 ficou 11% mais caro que o de um ano antes (30% em relação a janeiro de 2018). Suscita uma sensação de empobrecimento, em parte correta, embora de um ano para cá os gastos dos brasileiros em viagens no exterior tenham ficado praticamente na mesma.

O preço dos combustíveis, claro, sobe também com a alta do dólar. No entanto, essa desvalorização recente do real não buliu com a inflação geral, convém notar.

E daí? Por qualquer critério, estamos na média mais pobres do que em 2010: neste país já caro (de tão ineficiente), a crise aumentou a penúria, óbvio. Quanto a esses preços que causam celeuma, há mais realismo, é duro dizer, é duro ouvir.

Não há subsídio disfarçado no preço dos combustíveis. O dólar desvalorizado resulta de gasto público e inflação mais controlados, que contribuem para reduzir a taxa de juros (além da estagnação econômica). Bulir com esses preços, com tabelamentos e subsídios, não vai resolver nosso problema, apenas criar outros, como se fez em particular entre 2011 e 2014. Não resolve a falta de crescimento e de investimento, o emprego precário. É demagogia ou burrice ou as duas coisas.


Vinicius Torres Freire: Tirar imposto da gasolina quebra governos e promove Bolsonaro

Sem tributo, educação ficaria sem dinheiro. Ideia é demagogia agressiva

Zerar os impostos sobre combustíveis é uma ideia obviamente lunática. Os motivos do desvario são mais obscuros.

Foi apenas mais um tiro da roleta russa de disparates de Jair Bolsonaro? Ou foi tentativa muito vulgar e manjada, nem por isso ineficaz, de fazer demagogia, de arrumar bodes expiatórios?

Ou seja, o governo lança uma ideia inexequível, de apelo popular, mas que será criticada por qualquer governante equilibrado ou observador razoável dos assuntos públicos. Assim, o povo desavisado ou fanático recebe mais uma mensagem de que “o sistema não deixa o mito trabalhar”. É propaganda e um trabalho de destruição institucional.

Por que o imposto zero é disparate?

Caso o governo federal e os estados deixassem de cobrar impostos sobre combustíveis, perderiam receita equivalente a 1,6% do PIB, uns R$ 115 bilhões, por aí. É a ordem de grandeza, pois não há dados recentes e detalhados da carga tributária. Os estados perderiam 1,2% do PIB.

O que é 1,2% do PIB? Mais ou menos a metade do que estados gastam em educação ou o gasto nacional em ensino médio. Etc.

O governo federal perderia uns R$ 28 bilhões por ano (de PIS/Cofins e Cide). É quase um ano inteiro de Bolsa Família. Há outros problemas fiscais, econômicos e legais de acabar com essa receita de impostos, mas já deve ter dado para entender o tamanho do problema.

"Eu zero o [imposto] federal se eles [governadores] zerarem o ICMS. Está feito o desafio aqui, agora. Eu zero o federal hoje, eles zeram o ICMS. Se topar, eu aceito. Tá ok?", disse Bolsonaro em uma das suas saidinhas do Palácio da Alvorada.

Essa conversa vem desde domingo passado. Até o meio da tarde desta quarta-feira, gente de sites de divulgação bolsonarista e de extrema direita em geral fazia campanha barulhenta na mídia social, em especial na rede do piado.

As tropas de choque digitais tentavam emparedar e enxovalhar governadores enquanto pintavam Bolsonaro como um herói de mãos atadas. Era um esforço coordenado. Não é possível dizer que fosse ofensiva controlada pelos porões digitais do Planalto, mas era propaganda conveniente depois de quase um mês de crises provocadas pelo próprio governo.

Quanto ao ICMS dos combustíveis, trata-se mesmo de um problema. O imposto, cobrado como porcentagem do valor de referência de venda, acaba por amplificar as variações de preço. Houve discussão sobre o assunto no governo de Michel Temer, pouco antes do caminhonaço de 2018.

É possível cobrar um valor fixo de imposto (tantos centavos por litro). De quanto seria? Caso aceitassem a ideia (improvável), os governadores demandariam valor alto o bastante para arrecadar tanto quanto nos tempos de preço de combustível nas alturas. Os preços não cairiam, de qualquer modo. Apenas a variação extra provocada pelo imposto seria menor.

Em vez de “zerar” impostos sobre combustíveis, convém reduzi-los? Não.

Primeiro, porque não há dinheiro. Na média, os estados estão ainda mais quebrados do que o governo federal. O ICMS sobre combustíveis é cerca de 15% da receita estadual, na média.

Segundo, caso houvesse dinheiro, haveria mais o que fazer: obras de infraestrutura física e social, de estrada e corredor de ônibus a hospital.

Terceiro, é ainda mais tolo gastar dinheiro escasso em estímulo do uso de combustível fóssil.

Essa é uma discussão racional, porém, uma raridade no governo. Bolsonaro mais uma vez degradou o debate público com uma mistura de ignorância e demagogia agressiva.


Vinicius Torres Freire: Exportação e indústria estão com vírus, que ainda não é o da China

País vende menos do exterior, fábricas batem pino: recuperação ainda é frágil

Não é o coronavírus, mas exportações e indústria estão com um bicho ruim. Os números da virada do ano são sintomas preocupantes.

As vendas do Brasil para o exterior caem rapidamente desde julho do ano passado, o que ficou ainda mais evidente com os dados de janeiro.

Em parte, a indústria vai mal porque o país perde mercados, que se implodiram (Argentina) ou andam devagar quase parando (Europa), e não consegue outros clientes relevantes; porque o comércio mundial teve um ano historicamente ruim em 2019.

Diz-se que o desastre assassino de Brumadinho explica o resultado ruim da indústria nacional, que encolheu 1,1% em 2019, número divulgado nesta terça-feira (4) pelo IBGE. É verdade, em parte; é conversa mole, em parte.

A produção da indústria extrativa encolheu quase 10% no ano passado, resultado de país em guerra. Mas a indústria de transformação (as “fábricas”) tem peso de 89% na produção industrial total. Em 2018, havia crescido 1,1%. Em 2019, apenas 0,2%. Ficou na prática estagnada porque setores grandes como montadoras, metalúrgicas e fábricas de máquinas e equipamentos tiveram um ano entre fraco e horrível.

A indústria de alimentos, muito importante, deu uma respirada, mas não bastou para melhorar o resultado geral, nem de longe.

As montadoras de veículos, por exemplo, cresceram quase 13% em 2018 e apenas 2,1% em 2019. As metalúrgicas estão em recessão. A indústria de máquinas e equipamentos mal ficou no zero a zero. Juntas, têm peso de uns 20% na produção industrial, com impactos em cadeia dos mais significativos entre as manufaturas e no PIB em geral.

As exportações dos últimos três meses caíram 14% em relação ao mesmo período igual do ano passado; baixam cada vez mais rápido desde meados de 2019. Estão caindo os preços e as quantidades de soja e petróleo.

Por ora, os tropeços feios de exportações e da indústria não desqualificam ou degradam as previsões de crescimento do PIB brasileiro para este 2020, de algo além de 2%. Mas são evidências da fragilidade da recuperação, uma convalescência difícil, que ainda por cima corre o risco de ser abalada pela infecção do coronavírus, por exemplo, que ainda não há como prever e muito menos medir, por ora.

O que fazer? A receita banal de sempre: cuidar da própria saúde, não importa que bicho ruim venha bater à porta. Para tanto, muito contribuiria termos um governo dedicado ao essencial, que não fosse desvairado etc., o que qualquer pessoa adulta pode imaginar.

Em vez disso, o que se passa? Basta lembrar apenas dos problemas dos últimos dias e horas.

Jair Bolsonaro faz espuma diversionista, culpando os governadores pelo preço alto dos combustíveis (se o ICMS baixar, o governo federal vai bancar as contas de estados arrebentados, quase todos?).

O governo não tem prioridade clara no Congresso, onde já começa a levar tundas, na primeira semana legislativa. Passou janeiro quase inteiro dando tiros no pé, criando crises de moto próprio (Cultura, Educação, Ambiente, Casa Civil, Justiça etc.).

A recuperação é muito lerda e frágil, com o precário e lentíssimo aumento da massa de rendimentos, com alguma animação de crédito e com a construção civil (residencial) saindo do buracão da recessão.

No mais, investimento mesmo quase não tem e pode haver ainda menos devido à incerteza derivada de um choque externo (coronavírus), piorada pelo desvario contínuo do governo. Está fácil de pegarmos uma gripe.


Vinicius Torres Freire: Peso econômico da China triplicou entre o vírus de 2003 e o de 2020

País leva um terço do crescimento mundial

No ano da praga de 2003, o PIB chinês equivalia a 4,3% da economia mundial. Neste ano do coronavírus, a economia da China deve equivaler a mais de 16% do PIB mundial —é menor apenas que a americana (24%). A China de 2003 cresceu um pouco menos por causa da SARS (síndrome respiratória aguda grave), que teve efeito desprezível no restante do planeta.

O crescimento chinês tem ainda mais peso no crescimento do planeta. Em 2003, o aumento do PIB da China equivalia a uns 16% da variação total do PIB do mundo. Em 2018, dado mais recente disponível, a quase 33% (ante 22% dos Estados Unidos).

Portanto, uma síndrome qualquer da China, peste, revolução ou recessão, é um risco para a economia mundial. Mas o problema vai além da aritmética dos parágrafos aí para cima: vai além de saber qual a proporção do aumento do PIB chinês em relação ao aumento do PIB do mundo. O impacto da contaminação chinesa pode ser maior ou até bem menor que o tamanho de sua economia ou de seu crescimento.

O desconhecimento da potência da epidemia do coronavírus e da capacidade dos governos de administrá-la torna ainda mais difícil estimar seu efeito na saúde e na economia mundiais.

Parece que a doença do coronavírus é menos letal que a SARS (mata 2,5% dos infectados, até agora, ante 10% da SARS). O coronavírus parece se espalhar mais rápido, mas esse não é um dado da natureza. A velocidade da expansão pode ser controlada por quarentenas, barreiras e diagnóstico mais eficiente. Mas domar a epidemia pode ficar mais difícil se a doença for assintomática por muito tempo, se o vírus for muito mutante ou se a letalidade menor incentivar comportamentos de risco. Sabe-se pouco, ainda.

A incerteza é um problema. Quanto mais durar, pior, pois tende a provocar aperto nas condições financeiras, aversão a risco e contenção de investimentos, o de sempre. O coronavírus pode até ter o efeito de Donald Trump e sua guerra comercial de 2019.

O pico do número de infecções vai ocorrer entre fevereiro e março, como dizem certos chutes informados? Caso assim seja e o conhecimento sobre a infecção se estabilize, a crise deve passar sem efeito maior. O crescimento perdido no primeiro trimestre seria então recuperado até o final do ano.

No caso de a epidemia ser mais séria, resta a questão de saber os canais de contaminação econômica. A incerteza e o aperto financeiro causam danos gerais, claro. Mas onde haveria problema específico mais sério? A doença derrubaria mais as commodities ou a produção industrial?

A China fica com mais de 10% das importações mundiais (atrás apenas dos Estados Unidos, com 13%); em 2003, ficava com 3,7%. Pesa muito mais no comércio, o que é claro em especial para o Brasil, que lá vende muito ferro, soja e petróleo.

A doença vai se espalhar pelo país? O tráfego de pessoas pela China era muito menor em 2003 (as estimativas vão de um quarto a um oitavo). Mas as pessoas podem produzir e consumir online hoje em dia; a infraestrutura que ajuda a espalhar o vírus podem fornecer meios para contê-lo. A gente sabe muito pouco.

Sabemos que a economia mundial andou frágil em 2019, sob risco de crise; a situação do Brasil é ainda mais precária. Sabemos que entre a SARS e o coronavírus, o peso relativo da Chinês na economia e no comércio mundiais cresceu em torno de três vezes. A ameaça potencial é grande. Seria mais um motivo, pela enésima vez, para o país e seu governo deixarem de fazer besteira.


Vinicius Torres Freire: Governo Bolsonaro vive verão de fraturas e frituras de ministros

Um quarto da cúpula da gestão Bolsonaro foi frita neste verão de desesperança

Generais-ministros com salas próximas à de Jair Bolsonaro, amigos sem cargo do presidente e a filhocracia ajudam a preencher noticiário fraco do recesso político com frituras de ministros. A mumunha envolve quase um quarto do ministério.

Nem tudo é mera fofoca; a intriga não brota da cabeça dos jornalistas. Tem ministro e assessor graduado que telefona para espalhar o óleo quente. A gente não pode fingir que não ouviu ou não leu a mensagem.

Onyx Lorenzoni acaba de entrar nessa roda do infortúnio. Ministros que trabalham no Planalto querem que o chefe da Casa Civil volte oficialmente à sua irrelevância de costume na Câmara dos Deputados. Seu ministério já é uma casca vazia.

É apenas o caso mais recente de fritura, motivado pela demissão, readmissão e redemissão de um sub de Onyx, aquele que brincava no play dos Bolsonarinhos e viajou de aviãozinho para a Índia.

Note-se de passagem que é mais um “aliado de primeira hora” de Bolsonaro que vai ficando por último na apreciação presidencial (vide o caso dos escorraçados Magno Malta, Santos Cruz e Gustavo Bebianno).

A cadeira de Gustavo Canuto (Desenvolvimento Regional) é disputada desde fins do ano passado. Tentam passar-lhe a rasteira antes da volta dos trabalhos no Congresso. Aliados parlamentares de Bolsonaro acham que o cargo tem de ser “político” (deles).

Abraham Weintraub, aboletado no Ministério da Educação, não cai por birra de Bolsonaro e pela resistência da seita do orvalho de cavalo. Está desmoralizado a ponto de ser escarnecido com desprezo, em público, por dois dias seguidos, por Rodrigo Maia, presidente da Câmara e premiê informal da República das Reformas do Brasil.

“Desastre”, caso “grave”, “atrapalha o futuro” do Brasil e de milhões de crianças, disse Maia sobre o ministro, com razão.

Autoridades não têm mais pudor de chutar cachorro vivo. Não há mais pudor em geral, muito por inspiração da Nova República da Boca Suja.

Embora a palavra “desmoralizado” tenha sido desmoralizada no Brasil desta nova era desavergonhada, bárbara e cafajeste, o inepto Weintraub estaria na rua se fosse pelo gosto de ministros-generais. Mas a seita e seus sacerdotes da filhocracia querem controlar o processo. Se Weintraub cair, querem outro perturbado para chamar de seu.

Ricardo Salles, ministro do Mau Ambiente, deve ser tutelado pelo ainda misterioso Conselho da Amazônia, a ser presidido pelo vice-general Hamilton Mourão. Além de a equipe econômica passar carão ambiental lá fora, até para o dinheiro grosso do mundo o Brasil estava ficando grosso demais com essa história de rapar a floresta e trucidar indígenas.

Como também se recorda, amigos e filhos de Bolsonaro tentaram fritar Sérgio Moro e, ao menos, arrancar-lhe a Polícia Federal. Bolsonaro caiu na conversa e criou uma crise do nada com seu ministro da Justiça. A primeira família saiu queimada, pois a falange lavajatista dos apoiadores do presidente fez a ameaça velada, embora ainda remota, de virar concorrente ou oposição.

Por fim, por ora, lembre-se que caiu também aquela criatura da Cultura, que saiu do armário fantasiada de nazista. A sucessão de vexames fez até a gente esquecer do ministro do Turismo, aquele enrolado no laranjal da campanha do ex-partido bolsonarista, o PSL, mais um largado pelo presidente.

Tem gente graduada em ministérios “econômicos” e do Planalto que acha o governo disfuncional além da conta. Parte do ruído vem daí.


Vinicius Torres Freire: Gasto militar aumenta com Bolsonaro

Bolsonaro engorda estatal da Marinha e gasto militar fica ainda maior

Investimento em Defesa é o maior do governo

O investimento em obras e compras de equipamentos do governo federal aumentou no ano passado.

Por fora, bela viola: foi surpresa grande, pois se esperava queda feia dessas despesas. Por dentro, pão bolorento: o investimento cresceu porque o governo aumentou em mais de R$ 10 bilhões o capital de três estatais: Emgepron, Infraero e Telebras. Em suma, porque os gastos militares cresceram bem.

A Emgepron é uma estatal da Marinha que, basicamente, faz navios. Em 2019, o governo colocou R$ 7,6 bilhões na empresa a fim de construir corvetas (navios de guerra) e um barco para uso na Antártida.

No total, o gasto federal em investimento foi de R$ 57,3 bilhões no ano passado, 2,3% mais do que em 2018, já descontada a inflação.

Desse total, o Ministério da Defesa ficou com 28,7% (R$ 16,5 bilhões, incluídas as “inversões financeiras” do aumento de capital da Emgepron), um aumento de 36% em relação a 2019. Em segundo lugar ficou o Ministério do Desenvolvimento Regional (R$ 10,5 bilhões), seguido pela Infraestrutura (R$ 9,2 bilhões).

Ressalte-se que se trata aqui do gasto em investimento, que equivale a apenas 3,9% do gasto federal total, que foi de R$ 1,47 trilhão (não inclui a despesa com juros, que desde 2014 nem é parcialmente paga, apenas rolada).

Para onde vai o gasto militar? Para a Aeronáutica desenvolver e comprar aviões de caça Gripen (R$ 1,3 bilhão) e o cargueiro da Embraer (R$ 805 milhões). Para a Marinha construir submarinos (R$ 918 milhões) e seus estaleiros (R$ 380 milhões), por exemplo. Para um blindado sobre rodas do Exército, o Guarani (R$ 410 milhões). Para helicópteros (R$ 344 milhões). Etc.

O maior pacote de investimento federal é em manutenção de estradas, R$ 3,6 bilhões (em construção, quase nada). Depois, em programas de construção e financiamento de casas, como o Minha Casa Minha Vida, R$ 3,4 bilhões.

Os gastos militares são pesados quando se leva em conta que as três maiores obras individuais do país são a adutora que leva água da transposição do São Francisco para o interior de Pernambuco (R$ 578 milhões), a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, trecho na Bahia (R$ 361 milhões), e a transposição do rio São Francisco para Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte (R$ 251 milhões).

O valor é o das despesas empenhadas.

O restante em geral é de coisas picadas, que dão volume quando juntas. Hospitais, clínicas e laboratórios: R$ 1,8 bilhão. Obras em creches, pré-escola e escolas fundamentais: R$ 1,6 bilhão. Habitação, saneamento, transporte: R$ 2,8 bilhões. Etc.

O dinheiro para expansão, equipamentos e obras das universidades federais dá R$ 893 milhões. Para a melhoria de escolas (Programa Dinheiro Direto na Escola), R$ 529 milhões. Para Unidades Básicas de Saúde, R$ 578 milhões. Para comprar ônibus escolares, R$ 493 milhões.

É preciso notar também que quase todos esses projetos maiores, os militares em particular, vêm de outros governos (PT em especial), embora Jair Bolsonaro tenha colocado dinheirama extra na estatal da Marinha, pois entrou o tutu grosso da venda de campos de petróleo (“cessão onerosa”).

Certas despesas são definidas por contratos (caças, por exemplo). Mas há muitas coisas erradas, neste e noutros governos, quando 28% do pífio dinheiro do investimento vai para gasto militar.

Para que ter Forças Armadas sem armas? É uma questão. Mas faltam estrada, esgoto, água, mais energia limpa, cama de hospital, ultrassom, raios-X.


Vinicius Torres Freire: Por ora, risco maior é o Viabra, vírus da incompetência aguda brasileira

INSS e Enem são casos evidentes, mas há infecção em outras áreas do governo

O coronavírus pode diminuir de um quinto a um terço do crescimento da China neste trimestre, a gente lê por aí em relatórios financeiros e em textos de consultorias. É uma diferença brutal de estimativa (rir, rir, rir), ainda mais para um PIB grande como o chinês, equivalente a um sexto da economia mundial.

A tolice não para por aí, embora a doença seja séria e possa matar milhares de pessoas. Por ora, no entanto, a gente corre mais risco com o Viabra (“Vírus da Incompetência Aguda Brasileira”), que infecta evidentemente o INSS ou a Educação, para ficar só em dois exemplos, mas pode infectar até a medula da política econômica.

A gente não tem informação confiável nem sobre a doença, que dirá de seus efeitos na economia da China ou do mundo. Não se sabe bem o número de casos chineses, com o que não se conhece a velocidade de expansão da infecção nem quão letal é.

Cientistas de Hong Kong criticam os números da China (pode haver mais infecções). Há dúvidas sobre qualquer contagem porque, afora a confusão que esses surtos provocam, duvida-se que ora existam profissionais e testes em quantidade suficiente para fazer exames.

O coronavírus vai ter efeito pior do que seu primo que causava a Sars (síndrome respiratória aguda grave), epidemia de 2002-2003? Pelo que se tem registro, a Sars matou cerca de 800 pessoas e infectou umas 8 mil, de novembro de 2002 a julho de 2003. Uns estudos do efeito econômico da doença dizem que a epidemia tirou cerca de um décimo do crescimento do PIB chinês, que corria então ao ritmo de 10% ao ano. Além de Hong Kong e Singapura, no restante do mundo, o efeito foi na prática irrelevante, afora para os mortos, suas famílias e seus amigos.

Isto posto, o vírus parece bastante agressivo, escreve gente que estuda o assunto, em revistas científicas. Um baque significativo na economia chinesa pode ter efeitos diretos no Brasil (preços de minério e petróleo) e indiretos. Até a semana passada, o FMI e bancões pareciam animadinhos com alguma retomada da economia mundial. Para o FMI, o crescimento global passaria dos 2,9% estimados para 2019 para 3,3% neste 2020. Se houver desgraça maior na China, não vai rolar.

Enquanto seu vírus não vem, o nosso principal problema somos nós mesmos e o Viabra, o vírus da incompetência. Além de gente desclassificada, há gente desqualificada em postos-chave do governo.

Desgraçar a vida de gente na fila do INSS ou infernizar vestibulandos do Enem, no curto prazo nem causa danos econômicos, pode-se congratular barbaramente o governo. Mas o Viabra está espalhado pela administração federal, um risco enorme para a economia, doente grave que convalesce devagar. Nesse ano, seria preciso haver outra rodada de redução duradoura de gasto, um programa de obras na rua e algum conserto tributário, pelo menos. Se nem ao menos o pacotão rudimentar e antissocial de ajuste econômico for adiante, o caldo azeda.

Exagero? Note como o Ministério da Economia diz “a” e Jair Bolsonaro diz “não a” ou “b” sobre tantos assuntos. O governo cria crises políticas do puro ar, do nada. A maioria delas tem sido espuma tóxica, daninha, mas que se dissipa.

E quando não for? Esperar que Rodrigo Maia governe o grosso da economia com uns economistas de Bolsonaro e controle suas atrocidades maiores pode até ser uma expectativa razoável, mas o mero fato de que as coisas tenham funcionado assim, e olhe lá, não diz boa coisa sobre o nosso arranjo.


Vinicius Torres Freire: Sem oposição, direita se dá até o luxo de brigar e discutir 2022

Sem oposição, direitistas e Bolsonaro ignoram crise social e discutem 2022

O bolsonarismo tentou fritar Sérgio Moro. No fim das contas, parece que Jair Bolsonaro corre o risco de acabar frito por Moro. A paranoia do presidente com frequência antecipa discussões e ações relativas à distante eleição de 2022, como ocorreu na semana que passou: bateu em Moro, mas levou.

Viu-se que o ministro tem apoio bastante para fazer com que Bolsonaro guarde a pistola no saco. Afinal, Moro e seu partido lavajatista podem rachar a direita mais extrema e, no limite, complicar a reeleição. Sabe-se lá se o ministro da Justiça tem fumaças de candidato, mas o mero risco de que se lance pode reorganizar os times do jogo de 2022, que começa a ser jogado, como se o país não estivesse ainda em ruínas.

Luciano Huck, como se viu, fez o primeiro pré-lançamento de sua candidatura, em Davos, para plateia de coluna social, “poucos e bons”. Discute-se como Rodrigo Maia pode se encaixar em um projeto 2022. Etc.

Claro que esse assunto rende porque é flor do recesso, porque o ano político não começou propriamente. Mas não só por isso: é porque não há quase qualquer outra política. A crise social e os vexames do governo Bolsonaro não estão em pauta em parte porque a oposição está morta, catatônica ou com Lula livre na praia. Filas do INSS, vexames no Enem, ministros enrolados, salário mínimo sem aumento, emprego precário, nada disso se torna assunto político de dimensão relevante nem campanha de desgaste do presidente. Ao contrário.

A popularidade de Bolsonaro deixara de cair no terço final de 2019. Agora, há indícios de que sobe. Sem um desastre criminal de monta (caso Flávio-Queiroz) ou atrocidade nova e grande do governo, é razoável esperar que o prestígio do presidente possa subir mais. Decerto Bolsonaro e equipe econômica ainda têm de empurrar goela abaixo de parte do país reformas duras (arrochão do funcionalismo, mexidas desagradáveis em impostos etc.). No entanto, as reformas trabalhista e previdenciária passaram quase sem um pio.

Embora muito devagar, a economia parece melhor. O resultado do emprego formal de 2019 foi apenas passável, medíocre, apesar da festinha dos governistas oficiais e oficiosos, na política, na TV e na finança. A precarização do emprego formal aumentou. Mas, no conjunto, há progresso e uma discreta aceleração no mundo do trabalho, desde novembro. Além do mais, a turma de Bolsonaro aprendeu um pouco de governo e tende a ser mais esperta e eficaz neste 2020. Em resumo, a esquerda pode ser atropelada se acreditar, sem mais, que o carro da economia não vai andar.

Alguns governadores de esquerda mais atilados perceberam o risco do imobilismo e da negligência burra de esperar que o governo e a economia caiam de podre. Tentam se mover a fim de evitar o isolamento político e social. Até agora, não há sinal de que Lula e seu PT (é posse dele, certo?) vão abandonar a estratégia de “polarização” (isto é, se garantir no segundo turno de 2022 contra Bolsonaro).

Mas esse movimento de governadores é quase nada, não mexe com bases nem tem programa de ataque ao governo federal. A bola continua tocada entre a centro direita e a extrema direita, as quais, nessa apatia geral do “campo popular e progressista”, têm o lazer de discutir arrochos e 2022 quase sem serem amoladas ou sem risco maior de serem punidas por inabilidade política grotesca, tal como a crise Bolso-Moro.


Vinicius Torres Freire: Por nada, Bolsonaro cria mafuá na direita e risco de dificuldades políticas

Presidente inventa crises do nada, um problema em ano parlamentar curto

O ano político nem começou, mas Jair Bolsonaro tomou a iniciativa de abrir a porteira para uma crise que até então pastava nas internas do governo. A ideia de recriar o Ministério da Segurança Pública animou o mafuá na direita, soltou a manada que quer atropelar Sergio Moro e explicitou a disputa pela polícia e pela espionagem federais.

Pode dar em nada ou apenas em uma avacalhada em Moro a fim de mostrar "quem é que manda". Seja como for, o sururu interno mostra como o governo cria tumultos quase de graça, que podem ser daninhos em um ano parlamentar curto, de eleição.

A filhocracia quer a Polícia Federal sob controle direto do Planalto e incrementar a espionagem. Carlos Bolsonaro, o 02, quer colocar o diretor da Abin, Alexandre Ramagem, seu próximo, na direção da PF. Difícil que tenha sucesso, mas trata-se de parte de seu projeto de influenciar a comunicação, a polícia e a inteligência do governo.

Parece ridículo esse negócio de espionagem, de Abin ou o que mais inventarem, mas é um assunto real no Planalto. Já incomodou militares no início do governo e começa a incomodar de novo, se por mais não fosse porque o filho 02, Carlos, tem a capacidade de derrubar generais.

Outros amigos de Bolsonaro pai e gente da cozinha do Planalto querem levar Anderson Torres, secretário de Segurança do Distrito Federal, para o comando da PF. Torres quer o novo ministério.

Ministros do Planalto querem a PF e parte do ministério de Moro porque pretendem: 1) dar "agilidade" à política de segurança pública; 2) identificar o possível sucesso de tais políticas diretamente com Bolsonaro, sem deixar casquinha para Moro.

A esse respeito, convém notar que o secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, é alguém que tenta colocar alguma ordem política, administrativa e jurídica nos assuntos do governo. É de confiança de Bolsonaro, uma raridade, tem parte na recriação do Ministério da Segurança e, decididamente, na mudança da direção da Polícia Federal.

O bolsonarismo parlamentar rachou com a crise do PSL. Os pesselistas remanescentes são moristas. A tropa parlamentar que ficou com Bolsonaro, muitos líderes da bancada da bala e os amigos policiais do presidente querem recriar e ocupar a Segurança Pública.

Pelo menos um ministro que trabalha no Planalto diz que Bolsonaro não deu sinal de que vá tomar decisão alguma, mas "deixou que o debate fosse reaberto". Pode dar um cala-boca geral a qualquer momento.

Como está óbvio, trata-se de disputa de cargos, de prestígio político e de cálculo eleitoral (evitar proeminência ainda maior de Moro). Em tese, é política politiqueira ou palaciana de costume. Porém, desembestadas, como agora, tais crises criam desafetos e divisões daninhas em demasia. Não é boa ideia para um governo sem articulação parlamentar.

Entre março e julho, parte do governo pretende aprovar as emendas constitucionais que cortam gastos a fundo, mexendo com servidores. Quer aprovar alguma reforma tributária e até mexer em imposto que vai deixar fula a indústria de comida e bebida. É pouco tempo.

Quer fazer tudo isso enquanto as milícias digitais batem em Rodrigo Maia, que, por sua vez, continua podando asinhas várias do governo.

Maia tem seu programa, que é o da elite econômica e, sem mais, não vai criar problema. Mas não é prudente forçar a amizade e, de resto, Maia é liderança parlamentar, não dono de rebanho. Se os humores mudam, ele não pode fazer grande coisa.


Vinicius Torres Freire: Burrice autoritária é o pior inimigo do meio ambiente

Economia padrão e ideias liberais tem ideias ambientais ignoradas por Bolsonaro

O crescimento econômico é o pior inimigo do ambiente, insinuou Paulo Guedes em debate em Davos. Na verdade, o ministro da Economia falou que a pobreza, pessoas que "precisam comer", destroem o ambiente, como o fizeram povos que têm outras "preocupações" porque já "destruíram suas florestas" e já lidaram com "suas minorias étnicas" (oi?).

Suponha-se então que o ministro tenha recorrido a uma metonímia (superação da pobreza etc.) para se referir ao fato de que o crescimento esteve associado à destruição da natureza, pelo menos até faz bem pouco tempo.

Que não estivesse se referindo a dano ambiental causado por indivíduos pobres ou ao genocídio de indígenas, o que já foi motivo de elogio de Jair Bolsonaro.

Ainda assim, não dá pé. É verdade que, mesmo no melhor dos mundos, de onde estamos cada vez mais distantes, crescimento provoca dano ambiental, embora cada vez mais o dano ambiental solape a possibilidade de crescimento econômico ou da vida. Além do mais, há alternativas para atenuar ou mesmo eliminar alguns desses problemas.

Para ficar apenas no universo da economia-padrão ou de ideias liberais, há destruição ambiental por falhas de mercado, falhas de coordenação e ineficiências em geral.

O custo de degradar o ambiente em geral não está no preço do produto degradante. Por exemplo, produz-se em excesso um bem que implica poluição porque o custo da degradação não aparece no preço de mercado, mas é pago por alguém não envolvido na transação.

É uma lição de primeiro semestre de curso de economia. Um sistema de preços que não funciona direito é um inimigo da natureza, pois.

Outro clichê: é possível recuperar pastagens degradadas para a agropecuária sem que seja necessário desmatar para plantar ou criar mais. Para que assim seja, é preciso assistência técnica e fazer com que o mercado de crédito funcione (nosso mercado de crédito é disfuncional e concentrado).

Podem ainda ser criados mercados de direitos de poluição, cotas de pesca, de madeira, de reservas florestais etc., o que torna mais eficiente de recursos ambientais.

A falta de método adequado de distribuição ("alocação"), um mecanismo que pode ser até de mercado, faz com que se use água como recurso infinito. A lista de ineficiências é imensa.

A desregulamentação ambiental, por meio da revogação de leis ou na marra, por meio de ocupação e uso ilegal do solo (grilagem, desmatamento) ou da destruição de instituições de controle, é inimiga da natureza.

Em suma, a captura do Estado por quem quer viver de "rendas" ambientais é inimiga da natureza. É o que fazem certos fazendeiros, mineradores e industriais que ficam com os ganhos da destruição e repassam os custos.

O descaso com a pobreza arrebenta todos os ambientes. A ocupação de margens de rios e lagos por gente sem casa, eira ou beira, causa poluição e aumenta o custo da oferta de água e o do saneamento.Essa desgraça múltipla resulta, por exemplo, do fato de que não há reforma urbana (oferta de habitação decente para gente pobre).

A burrice autoritária é inimiga da natureza. Ignorar dados e cálculos de impactos ambientais provoca mais destruição. Arrebenta o planejamento racional e a fiscalização dos danos. Destruir e desmoralizar a pesquisa científica impede a criação de tecnologias e de planos de desenvolvimento menos daninhos.

Em suma, é fácil perceber que políticas e propagandas de Bolsonaro são inimigas da natureza.


Vinicius Torres Freire: Sobrevida do governo Bolsonaro depende de arrochão de gasto em 2020

Sem aprovar emenda de talho emergencial de gastos, governo balança em 2021

A sobrevida política de Jair Bolsonaro depende de pelo menos uma votação no Congresso neste 2020. Trata-se da emenda constitucional que permite o arrochão do gasto com servidores federais, entre outras contenções de despesas obrigatórias, uma guerra política em potencial.

O talho de gastos começaria ainda neste ano, como previsto na emenda constitucional que foi ao Congresso em novembro passado, a “PEC Emergencial”, ora esquecida depois da ressaquinha da Previdência e do pilequinho da ideia do PIB “bombando na nova era”.

O arrochão é quase tão importante para a sobrevivência econômica do governo quanto a reforma da Previdência em 2019. Dado que não haverá aumento relevante de imposto, se algum, sem esse arrochão o gasto do governo vai bater no teto constitucional em 2021. Haveria então tumulto, da quase paralisação da máquina federal a alguma balbúrdia no mercado financeiro.

Sim, na hipótese de a economia e a receita crescerem 4% neste 2020 e no ano seguinte, o problema seria adiado. Mas fantasia grande é coisa de Carnaval.

Em seu primeiro relatório do ano, a Instituição Fiscal Independente (IFI) refresca a memória do tamanho crítico da pindaíba. A IFI é um órgão de análise das contas públicas, ligado ao Senado.

A dívida bruta do governo deve ter parado de crescer em 2019, perto de 77% ou 78% do PIB, mas graças a medidas e receitas extraordinárias. Para que não volte a crescer sem limite, ainda será preciso arrumar dinheiros extraordinários, além de contenções de despesas e aumentos de receitas regulares, duradouros.

A dívida parou de crescer porque: 1) o governo fez o BNDES pagar o que devia; 2) os juros baixaram; 3) o déficit diminuiu um pouco; 4) se venderam reservas em dólar.

Para que permaneça controlada, embora em nível alto, seria preciso: 1) fazer o BNDES pagar logo o resto do que deve; 2) aprovar o arrochão; 3) o governo mandar lei que reduza os benefícios tributários (reduções de impostos, grosso modo, para empresas e famílias, como desconto de saúde e educação no IR), prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias, coisa de R$ 35 bilhões por ano; 4) fazer muita privatização, o que não fez até agora; 5) talvez aumentar imposto.

Sim, a situação continua muito crítica, e as soluções para o problema são muito graves. O gasto discricionário (operação do governo e investimentos) cairá neste ano a níveis críticos, quase de paralisia. A gente não nota, distraída demais pelo disparate presidencial diário nas saidinhas do Alvorada.

O arrochão seria acionado sempre que o governo estivesse fazendo dívida em valor maior do que a despesa de investimento, acumulados em 12 meses; duraria por dois anos. Essa já é a situação do governo, faz tempo. Assim, aprovada a PEC, o arrochão entraria logo em vigor.

Ainda que as taxas de juros da dívida pública fiquem em nível historicamente baixo, em algum momento elas subirão (2021?). Ainda que a dívida pública se estabilize, seu nível é alto. Qualquer chacoalhada na economia, com queda de receita, do PIB e alta de juros, o endividamento voltaria a explodir.

Pelo menos essa é sabedoria econômica convencional. Goste-se ou não, para todos os efeitos práticos é a conversa dominante dentro e fora do governo. De resto, as alternativas na praça são malucas ou programas ainda mal explicados em números.

Logo, a conversa político-econômica de 2020 é o arrochão, ano dois, e seus efeitos sociais e político-partidários.


Vinicius Torres Freire: Empresários estão animados com 2020, mesmo sem melhora maior e real

Gente de empresa e finança está animada com 2020, mas ainda espera melhora concreta

Gente graúda de empresas e finança parece animada com o governo de Jair Bolsonaro em 2020, a julgar por uma rodada de conversas e por declarações dispersas pelos jornais. Não é pesquisa, é “evidência anedótica”, mas a diferença de tom é notável em relação a meados do ano que passou e mesmo aos humores já melhorados de fins de 2019, depois de aprovada a reforma da Previdência.

Estão animados com o quê? As respostas sugerem um “bem-estar difuso”, para parafrasear com sinal trocado um clichê das explicações para a meia década de revolta popular, de 2013 a 2018. Falam em “continuidade das reformas”. Quais?

Há vagas menções à reforma tributária, à intenção oficial de talhar gastos com servidores, a privatizações “mais aceleradas”. Mas não há clareza sobre as prioridades do governo. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, é mais citado do que gente do governo como gerente-geral do barco reformista. Quase ninguém sabe dizer o nome de um negociador-geral de Bolsonaro.

Um motivo da desorientação parece ser o vazio do janeiro, a desinformação do recesso político. Outro, maior, é que o governo não parece ter mesmo prioridade além das sabidas.

A pauta econômica será decidida assim que líderes de Câmara e Senado voltarem de férias. O governo não sabe o que fazer da reforma tributária. Na Economia, não quer dizer seus planos, que envolvem a retomada de um imposto sobre transações e reforma em fases. No Planalto, há uma vaga ideia de “chegar a um acordo amplo” com Câmara e Senado, mas, francamente, as pessoas não sabem lá do que estão falando.

O núcleo sabido a pauta bolsonariana é bile paroquial com aparelhamento destrutivo e ideológico nas instituições de relações exteriores, educação, cultura, ciência e ambiente, o negócio habitual do primeiro ano da nova era. A diferença agora é que Bolsonaro terá mais poder e experiência para “quebrar o sistema”.

Quando se trata desses assuntos, certos empresários fazem cara de paisagem ou silêncios constrangidos nas conversas pelo telefone, além das declarações protocolares (“as instituições estão funcionando”). Quanto aos motivos materiais da animação, há menções à desmontagem da CLT, às taxas de juros em baixa recorde e à força do mercado de capitais.

Isto posto, a virada começou? Não propriamente, apesar da “melhora sensível”. Investimentos já estão saindo da gaveta ou o empresário ouviu tal coisa de colegas ou de outros setores? Não propriamente. É preciso “cautela”, “vamos ver o começo do ano, embora as perspectivas pareçam as melhores em muito tempo”. O pessoal da finança graúda parece mais animado que seus colegas de empresa, embora tenham menos simpatias pessoais pelo bolsonarismo.

Gente da indústria mais tradicional (têxtil, roupas, tecidos e mesmo comida, além do pessoal de máquinas) parece mesmo desanimada. Outros parecem escaldados pelo chabu da retomada em 2017, 2018 e 2019. Ainda assim, ressalte-se, o pessoal parece animado com as perspectivas de 2020. Animam-se também com aquilo que, de um modo ou de outro, dizem ser a estabilização política, embora o governo precise “investir mais na pauta da tranquilidade”.

Trocando em miúdos as observações impressionistas, trata-se em geral do seguinte: 1) governo e Congresso teriam chegado a algum modelo de convivência; 2) a “interlocução” dos congressistas com empresários seria “muito boa”; 3) não há oposição capaz de abalar esse esquema e há paz política “nas ruas”.