vinícius torres freire

Vinicius Torres Freire: Coronavírus vai mudar o beijo e o trabalho por ainda muitos meses

Não haverá um dia seguinte social e econômico até que se saiba o tamanho da epidemia

No dia depois do amanhã da epidemia, o aperto de mão deveria ser extinto, que dirá um beijo e um abraço, disse Anthony Fauci, o grande imunologista, consultor da Casa Branca para assuntos de Covid-19. Nos EUA, já é uma campanha.

Como vamos nos cumprimentar seria até um problema simpático para o dia seguinte, o dia da vitória contra o coronavírus. Mas não haverá um dia seguinte, a julgar pelo que dizem cientistas, mas arrastados meses de guerrilha contra o inimigo.

Um grande problema é que nem sabemos onde está o inimigo, pois ainda não há ideia de quantas pessoas já foram de fato infectadas. Assim, também não sabemos dos amigos, do risco de namorar, de crianças brincarem com os avós, de trabalharmos ao lado dos colegas e de nos juntarmos para qualquer atividade.

Por terrível que seja, o HIV pode ser contido por um pingo de juízo e um pedaço de borracha, mas uma conversa ingênua pode espalhar o corona. É um predador que pode nos esperar até na maçaneta, na maçã, na barra do ônibus ou no papel do pão.

Uma vitória de fato contra a epidemia depende, óbvio, de remédio que ao menos reduza a capacidade mortífera do corona à de um vírus da gripe, digamos, embora não se saiba qual a letalidade da Covid-19 (por falar nisso, nem mesmo precisamente a da gripe). “Por enquanto, exceto no que diz respeito a medidas de apoio, a infecção pelo SARS-CoV-2 é essencialmente intratável”, diz um editorial do “BMJ”, a reputada revista médica britânica, de 8 de abril.

Dizer que não se conhece a letalidade do coronavírus significa basicamente que não se sabe quantas pessoas foram infectadas (é menos difícil contar os mortos).

Um estudo amplo publicado na “Lancet” (“Estimates of the severity of coronavirus disease 2019: a model-based analysis”) estima que a letalidade seria de 0,66% (número de mortes por infectados na população em geral, não apenas entre “casos confirmados”). Pelos dados oficiais, a letalidade vai de menos de 2% (Coreia do Sul, Japão, Alemanha) a mais de 12% (Itália). Tal disparidade indica disparates nas contagens.

É mais um indício de que não sabemos quantos infectados há, com o que não sabemos quantas pessoas estão (possivelmente) imunizadas. Não sabemos com quem estamos falando. Com um imune? Doente assintomático? Vítima potencial? De quê? De qual risco de morrer?

Quantos casos teria tido a Itália até agora, por exemplo? Uns 150 mil, como diz a contagem oficial? Ou uns 2 milhões ou até 4 milhões (a depender de como se dê o chute, de qual número se use para a taxa de letalidade e para o tempo médio que a doença leva para matar)?

De qualquer modo, por estes números, a Itália ou qualquer lugar do mundo ainda estaria longe de ter chegado a um nível de imunização que dá cabo da epidemia. Logo, no “dia seguinte”, teremos de sair para a rua tateando, aos poucos, a não ser que sejamos salvos por avanços súbitos e ora inesperados na medicina.

Para que se tenha alguma boa medida da epidemia, é preciso fazer amostras nacionais, estudos que o Brasil e alguns países do mundo estão à beira de começar.

Enfim, trata-se aqui apenas de “um beijo, um abraço e um aperto de mão”, da volta do convívio social, da possibilidade de recomeço. Para recomeçar mesmo, haverá um sistema de relações e proteções sociais para refazer, uma economia para tirar da ruína, um sistema de cooperação internacional para reconstruir. É história para outro dia.


Vinicius Torres Freire: Varejo chega a perder 80% das vendas

Coronavírus para o país, governo não tem plano racional de saída

O valor das compras com cartão, débito ou crédito, caiu 44% na semana passada, na comparação com dias equivalentes de fevereiro. Têm despiorado desde a primeira semana do isolamento: sai do buraco profundo do inferno para um degrau acima. Nesta semana, até quarta, caíam 35,5%, talvez com a ajuda da Páscoa. Os dados são da Cielo, para o varejo.

O valor das vendas com cartões equivale a cerca de 40% do que nas contas nacionais, no PIB, se chama de “consumo das famílias”. Equivale a uns 25% do PIB.

É uma catástrofe.

O consumo de energia elétrica caiu 8% de 18 de março a 3 de abril, na comparação com os dias de 1º a 17 de março. Na sexta-feira, 3 de abril, caiu 14% (na comparação com a média das sextas-feiras de março até dia 17, pré-isolamento). Os dados, os mais recentes, são da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.

Em alguns setores, a devastação é quase total. No varejo de vestuário, a queda nas vendas está em quase 83% nesta semana (ainda na comparação com fevereiro). Nos restaurantes, de 72%. Nos serviços, em geral, 73,3%. Móveis, eletrodomésticos e lojas de departamento, 58,4%.

O varejo de bens não-duráveis, que inclui mercados e supermercados, sobe nesta semana, 4,7% (Páscoa?), mas caía 7,8% na semana passada.

Note-se que se trata de médias. As lojas de vestuário da rua estão sem vender nada, assim como o pessoal de serviços pessoais (salões de beleza, manicures, barbeiros) está sem trabalho. Muitos restaurantes estão fechados. Comércio e serviços demitem em massa. As medidas do governo, crédito para a folha e suplementação de salário não bastam. Não há como pagar salários um pouquinho maiores e outras contas, como aluguel.

Vale sempre repetir alguns números da vida real. A empresa mais comum no Brasil é a loja de roupas e acessórios: mais 1,1 milhão de firmas. A seguir, vêm os negócios de cabeleireiros, manicures e pedicures, com 808 mil empresas. Somados, os grupos restaurantes e lanchonetes e similares são 812 mil empresas.

A paralisia também atinge um centro da indústria, as montadoras de veículos. Na sexta-feira passada, o consumo de energia lá caíra 75% (em relação às sextas do mês de março antes do isolamento). Na indústria têxtil, queda de 52%. Nos manufaturados, 39%. Serviços, também menos 39%.

Em resumo, com dois meses desta situação haverá a maior recessão da história do país, um afundamento quase duas vezes mais rápido daquele que se viu em 2015.

Para diminuir o tamanho do desastre econômico, o governo terá de, no mínimo fazer o seguinte.

PRIMEIRO. Rever em detalhe o alcance das medidas de socorro, crédito ou doação, para salvar empregos e empresas. Microempresas ainda estão fora do radar, empresas um pouco maiores do que médias (faturam mais de R$ 10 milhões por ano) estão descobertas, pequenas e médias não estão conseguindo fechar as contas, estão fechando.

SEGUNDO. No que resta de racional no governo, elaborar um plano de guerra para produzir e comprar testes, criar meios de aplica-los em ordem e aumentar a capacidade de análise dos laboratórios. Parece que todo mundo já ouviu falar disso. MAS O GOVERNO NÃO TEM UM PLANO. Sem tal programa, não temos como planejar a saída do desastre.

Parece repetitivo. É. Precisa ser feito, é preciso capacidade executiva e liderança, para ontem. Não é um debate teórico nem louco, como a receita de óleo de cobra para espinhela caída do coronavírus, que se tornou a conversa central do nosso presidencialismo de alucinação.


Vinicius Torres Freire: Novos poderes podem ajudar BC a reduzir pânico dos juros do coronavírus

Senado entende mal medida que pode ajudar BC a reduzir juros que governo paga

Em tempos de epidemia e fome, discutir os novos poderes que o Congresso pode dar ao Banco Central parece indiferença. Mas:

1. Trata-se de oferecer novos meios para o BC agir em tempos de calamidade sanitária e econômica;
2. É possível que, assim, o BC possa reduzir o custo da dívida do governo (baixar taxas de juros);
3. Talvez o BC possa tirar do caminho algum entulho que trava a oferta de empréstimos;
4. O BC teria instrumentos para evitar algum acidente maior no sistema financeiro, coisa que torna qualquer crise econômica ainda mais dramática.

Do que se trata? Uma emenda constitucional, já aprovada na Câmara, permite que o BC compre títulos do governo de médio e longo prazos, além de títulos de dívida privada. Falta a aprovação do Senado, onde certos parlamentares têm feito críticas disparatadas ao projeto. A emenda é de fato uma reviravolta grande nas finanças públicas brasileiras, coisa de tempos de guerra e colapso, portanto apropriadas (em teoria).

Para começar pelo menos enrolado, em princípio: o BC poderá adquirir títulos do Tesouro de prazo mais longo. Quando há mais gente mais interessada em emprestar para o governo, mais títulos se compram: o preço dos títulos sobe, a taxa de juros cai (é a mesma coisa). Quando mais gente refuga os títulos, os juros sobem.

Talvez o BC venha a comprar títulos públicos apenas a fim de conter a disparada recente das taxas de juros mais longas, uma ação emergencial, um sedativo.

Mas, talvez, o BC possa reduzir as taxas de qualquer prazo de vencimento, por bem mais tempo.

A taxa de curto prazo (a Selic, prima do DI) deve baixar mais. Quem sabe desça a perto de zero, pois estamos sob risco de depressão e de inflação na prática nula. A fim de evitar a alta de juros de longo prazo, seria necessária ação extraordinária do BC: compra de títulos de prazo mais longo (dois, sete, dez anos, digamos), que não pagariam taxas muito maiores do que a de curto prazo (do que a Selic).

O governo, pois, acabaria se financiando com empréstimos de curto prazo, com juros bem menores. No entanto, mesmo entre doutos entendidos há dúvidas sobre os planos do BC: agir para atenuar pânicos, paliativo passageiro, ou “achatar a curva” por mais tempo (como se escrevia nesta coluna no domingo)?

Recentemente, as taxas de juros dos títulos com vencimento mais longo subiram de modo selvagem. Neste ano, a diferença entre a taxa de um ano e a de sete anos andava pela casa de pouco mais de dois pontos percentuais até o início de março. Na semana final do mês, a diferença chegou a ir além de cinco pontos.

No atacadão do mercado de dinheiro, é uma diferença brutal, sinal de grande pânico. As taxas de um ano caíram, as mais longas subiram (mais gente preferiu comprar títulos de curto prazo, mais gente preferiu vender os de longo prazo).

Em resumo simples, muita gente está com medo do futuro, embora outros percalços expliquem parte do movimento. Assim, todas as taxas mais longas da praça financeira, do mercado de dinheiro aos bancos, ficam mais altas (isto quando existe negócio).

A ação do Banco Central pode, no final das contas, baratear os empréstimos para o Tesouro (se “achatar a curva” por mais tempo). Na prática e indiretamente, o BC em parte financiaria o governo nestes tempos de calamidade. A despesa com juros cairia. A dívida pública aumentaria um pouco menos (vai aumentar muito, de qualquer modo, dados o aumento de gasto e a queda medonha da receita).


Vinicius Torres Freire: Economia depende de testes de coronavírus

Ainda não há esforço nacional coordenado para fazer caçada ao vírus e, assim, reabrir negócios

O número de testes de Covid-19 é uma das estatísticas econômicas mais importantes da epidemia. Econômicas? Sim, também. Mas não temos esses dados e não sabemos bem o que está sendo feito para produzir testes e resultados.

Como todo leitor de jornal já deve saber, sem testes em massa não haverá dados precisos para planejar o combate ao espalhamento da doença e não saberemos como, quando, em que ritmo e onde reabrir a economia com segurança.

A fim de repetir a experiência bem-sucedida da Coreia do Sul, por exemplo, precisaríamos fazer pelo menos 1,6 milhões de testes. Do governo federal, saiu mais ou menos um terço disso, mas não se sabe o que foi feito com eles. Nos estados, laboratórios e hospitais particulares fazem os seus, a rede pública também. Quantos?

O caso da Coreia do Sul é mesmo apenas um meio de dar a ordem de grandeza do problema. Não sabemos se precisaremos de ainda mais testes, pois a epidemia parece se espalhar com mais rapidez no Brasil.

Não se trata de fetichismo numérico. Trata-se de contar e produzir munição contra o corona. Hospitais fazem testes porque estão na frente de guerra, tentando saber que tratamento dar a cada doente —muitas vezes, não acertam logo o tratamento mais eficaz por não saberem exatamente com o que estão lidando, por falta e atraso de testes.

Mas seria preciso haver um plano para ajudar o pessoal da saúde, nos hospitais e fora deles. Isto é, testes para rastrear contatos de doentes, o caminho do vírus, de modo a isolar seus potenciais transmissores.

Quer dizer, além de testes, seria preciso uma coordenação entre governo federal e estados, diretrizes comuns, médicos e cientistas de dados para pensar a distribuição dos recursos, agentes de saúde para executar o plano. Onde está o pessoal do Programa Saúde da Família e seus médicos, vítimas da demência teratológica do governo federal?

O problema é criar condições financeiras, logísticas e técnicas para fazer testes em massa. Algumas providências foram tomadas para aumentar a produção de ventiladores respiratórios, sem os quais os doentes graves de Covid-19 morrerão.

Não sabemos quantos testes temos, quantos poderemos comprar e produzir. O Ministério da Saúde não sabe quantos testes já foram feitos. O governo federal ainda não consegue dizer o que está sendo feito para aumentar a produção e a compra de testes e o aumento da capacidade de análise de resultado (gente, máquinas, insumos para laboratórios).

Também não sabe dizer se, na eventualidade de haver testes em massa, também haverá capacidade de realiza-los sem aglomeração infecciosa e laboratórios e gente capacitada em quantidade para processá-los.

Em São Paulo, tem havido mais rapidez no aumento da produção de testes e na capacidade de processá-los, com certificação de mais laboratórios.

Além do mais, em breve serão feitos testes por amostragem em quase 100 mil pessoas, iniciativa de pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas e de uma rede de epidemiologistas. Vamos saber a porcentagem da população contaminada e a progressão quinzenal da epidemia. É informação crucial para o planejamento, mas é outra história. Faltam testes bastantes para fundamentar uma caçada ao vírus.

A situação se torna mais desesperada porque o indivíduo que ocupa a cadeira de presidente e seu bunker dedicam-se a sabotar o Ministério da Saúde e qualquer esforço racional para conter a epidemia.


Vinicius Torres Freire: Fatos, mentiras e mistérios do gasto contra o coronavírus

Dinheiro novo mesmo é R$ 210 bilhões, mas longe da fantasia do trilhão

O governo disse que está perto de destinar R$ 1 trilhão para atenuar a catástrofe sanitária e socioeconômica da epidemia. Não é verdade. Muita vez é besteira mesmo.

Isto posto, não se trata de pouco dinheiro, em boa parte arrancado por pressão social e parlamentar. Por exemplo, o governo estima gastar, em três meses, R$ 98 bilhões no auxílio a autônomos e informais e outros R$ 51,6 bilhões para compensar reduções de salário, via seguro-desemprego.

Seriam R$ 149,6 bilhões. Equivale a um mês de todos os rendimentos do trabalho pagos no país, excluídos os ganhos de empregadores e funcionários públicos (contas feitas com base na Pnad do IBGE). Ou seja, o governo vai pagar o equivalente a um terço do total dos rendimentos de trabalhadores, afora aqueles de quem emprega ou é servidor.

O pacote do trilhão é bobagem porque mistura picolé com asfalto: dinheiro novo, antecipação de despesas inevitáveis, adiamento de impostos, empréstimos e aumento de dinheiros possivelmente emprestáveis no sistema financeiro.

É bom ressaltar que as antecipações são importantes (do abono salarial e do 13º de beneficiários do INSS), assim como o adiamento de impostos. Sem isso, muitas famílias e empresas naufragariam. Mas não é dinheiro extra.

O gasto novo, incluindo despesas em saúde, auxílio a estados e municípios, diminuição de impostos e uns quebrados, anda pela casa estimada de R$ 210 bilhões. Enorme. É 15% da receita que o governo federal teve o ano passado inteiro; é quase quatro vezes o que o governo gastou em 2019 em investimentos (em obras, equipamentos etc.).

Essa é uma estimativa de despesa extra, nova. Não inclui, por exemplo, o crédito de até R$ 34 bilhões que o governo vai oferecer para que pequenas e médias empresas paguem salários. Crédito não é gasto, ainda que exista algum pequeno subsídio aí, pois esse e outros empréstimos do pacote são subsidiados (juros baixos) e deve haver calote.

Um mistério grande está em outra parte. O Banco Central deve ser autorizado a comprar dívidas privadas e títulos do Tesouro. É o que prevê emenda constitucional do “Orçamento de Guerra”, aprovada na sexta-feira (3) pela Câmara, a ser votada no Senado.

O BC poderá comprar dívida privada desde que o Tesouro entre com 25% do dinheiro (mais dívida). Sabe-se lá quanto o BC vai comprar de dívida privada, mas assim reduziria taxas de juros na praça e ficaria com algum calote.

A conta desse gasto é, além de complexa, por ora mera especulação. Importante: vamos saber de quem o Banco Central comprou dívida e em quais condições? Hum?

Ainda mais extraordinária é a possibilidade de o BC comprar títulos do Tesouro. Trocando em miúdos uma história comprida, na prática o BC assim ajudaria a reduzir juros da dívida pública de médio e longo prazos, no fim das contas criando dívida pública de curto prazo. Em certa medida, o BC também vai acabar financiando o governo. Enfim, caso acabe achatando as taxas de juros de prazo mais longo, pode aliviar o custo do dinheiro na praça em geral.

Quando vivíamos nos anos a.C., antes do corona, o governo já gostava da fantasia do trilhão: R$ 1 trilhão na reforma da Previdência, na venda de patrimônios ou em um pote no fim do arco-íris, como alardeou Jair Bolsonaro, no início do governo.

Por ora, não há trilhão na mesa, nem de longe. Mas há recursos importantes, ainda assim insuficientes, e uma medida novíssima para acompanhar, as compras de dívida do Banco Central.


Vinicius Torres Freire: No débito ou no crédito, vendas caem 50%

Colapso já está nos dados tétricos, e governo ainda é reativo e incapaz de planejar

O Brasil começou a fechar as portas na segunda-feira, 16 de março. Na semana seguinte, o faturamento com as vendas de cartão de crédito e débito caía cerca de 50% em relação à média diária do primeiro bimestre do ano, segundo este jornalista apurou. No comércio de roupas, calçados e acessórios, quase 90%. Nos restaurantes, quase 70%.

Houve um apagão no consumo de energia, que baixou 18% entre a sexta-feira, 13, antes do início do pânico da epidemia, e a sexta-feira, 27 (para ser preciso, essa foi a queda na carga, que inclui perdas técnicas e comerciais, de furtos a problemas de medição). O consumo nas empresas caiu, nas residências aumentou.

Parece evidente a quase todo o mundo que a economia entrou em colapso, mesmo antes de ler os números preliminares do desastre.

Mas será necessário ter medidas novas e frequentes da asfixia econômica, porque será preciso: 1) saber da eficácia das medidas de auxílio (caso sejam de fato implementadas); 2) socorrer setores que, infelizmente talvez se descubra, estejam sendo especialmente arruinados, mais do que se esperava.

No entanto, ainda não existe um plano federal de monitoramento das zonas de desastre nem um programa para a economia de guerra, que vai durar muito tempo além do período de ataque nuclear da epidemia.

Isso para dizer a coisa com o eufemismo mais diplomático, para descrever de modo ameno este governo de hostilidade essencial e feroz contra a inteligência.

Na verdade, faz menos de duas semanas o governo mal se movia, praticamente inclinado a largar a economia a sua própria sorte, quando não isolado no seu bunker de obscurantismo intelectual e político.

Até agora, inexistem comitês executivos e de consulta social organizados, que possam indicar onde é preciso apagar os incêndios do bombardeio de guerra que ainda virá. Não existe diálogo sistemático com o país. Não existem comitês de cientistas e estudiosos organizados e convocados para auxiliar a administração federal. A sociedade e os demais Poderes se viram como podem.

Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria, 41% das empresas industriais interromperam a produção, várias delas fábricas de veículos, pilar de boa parte do restante do setor industrial (por falar nisso, a venda de veículos caiu 22% em relação a março de 2019).

No setor de serviços, de quanto será a paralisia, para não dizer ameaça de morte? Não sabemos.

Esta grande recessão será, de modo inédito, um colapso dos serviços. Os que sobreviverem, de resto, não terão como recuperar o faturamento perdido, como talvez ocorra com parte das fábricas. Quanto mais empresas de serviços naufragarem, do salão de beleza e dos restaurantes às consultorias técnicas, maior será a recessão “tradicional” (colapso no investimento em novas construções, instalações produtivas e equipamentos).

É preciso acompanhar o tamanho do desastre, pensar em novos paliativos, projetar o futuro depois do pior da epidemia. Não será possível simplesmente desligar os respiradores dos negócios e dos trabalhadores na UTI econômica logo depois do fim do grande confinamento (haverá ainda confinamento parcial, obrigatório ou voluntário).

Depois da guerra, será preciso além do mais um plano de reconstrução, que deve ser pensado a partir de agora, até para dar uma perspectiva de futuro para pessoas e negócios. Mas a mentalidade de fundo do governo é “virem-se”, “morreu” (pessoas ou empresas), paciência.


Vinicius Torres Freire: Governo federal está lento diz Meirelles

Ideias vão na linha correta, mas falta levá-las à prática, diz ex-ministro e secretário paulista

Nos últimos dias, o governo de São Paulo tem ouvido clientes de bancos reclamarem de juros em alta e da redução da oferta de crédito —da dificuldade crescente de conseguir empréstimos a taxas e prazos suportáveis, enfim.

O governador do estado, João Doria, e seu secretário da Fazenda, Henrique Meirelles, conversaram com os bancos a respeito, segundo o próprio Meirelles, ex-ministro da Fazenda, ex-presidente do Banco Central e ex-banqueiro.

O que os bancos disseram? Meirelles não se estende sobre o assunto. Em resumo, disseram um “não é bem assim”.

“Levamos a preocupação, as queixas sobre cortes de linha de crédito etc. Não temos os dados, claro. O Banco Central tem, em tempo real, pode saber o spread, a oferta de crédito. Mas deve haver uma contração de crédito com uma crise deste tamanho”, diz Meirelles.

Na sexta-feira passada, o governo federal anunciou que pretende criar uma linha de crédito de R$ 40 bilhões para pequenas e médias empresas, dos quais R$ 34 bilhões sairiam do Tesouro, da conta do governo federal (que vai fazer dívida para emprestar esse dinheiro, por meio de bancos comerciais, que entrariam com os outros R$ 6 bilhões). A taxa de juros seria de 3,75% ao ano, com carência de 6 meses e prazo de pagamento de 36 meses.

Meirelles diz que “a direção geral [dos planos federais] me parece correta, para ajudar informais, mais pobres, empresas. Mas não adianta ter ideias, é preciso implementação. O governo está lento”.

O pacote de crédito é suficiente? “Não deve ser suficiente, mas isso se deve avaliar mais adiante. Reitero: o problema agora é antes de mais nada de implementação, de regulação imediata das medidas, de fazer o dinheiro chegar aos bancos, às empresas. É uma questão de dias, de dois dias, não se pode esperar uma semana, muito tempo. Com o programa em andamento, vamos descobrir o que mais tem de ser feito”.

O tamanho das necessidades de crédito barato, bancado pelo Tesouro, depende também da duração das restrições decorrentes da epidemia, diz o secretário paulista.

“Como saber se é suficiente sem saber quanto isso vai durar, por exemplo? O que está claro é que precisamos ajudar as empresas a atravessar a crise, manter os empregos, e criar condições para a retomada. Se houver muito desemprego e um número muito grande de empresas em recuperação judicial [sob risco iminente de quebrar], a economia vai se recuperar muito lentamente. A crise se estende”, diz.

O que mais é possível fazer?

Meirelles repete que, primeiro, é preciso normatizar e implementar as ideias novas que têm sido levantadas para aumentar a oferta de crédito (linhas com dinheiro do Tesouro, compras de dívida privada pelo Banco Central etc.). Isso desafogaria um pouco as empresas e “faria pressão” sobre os bancos.

Segundo, talvez seja o caso de acionar os bancos federais (Banco do Brasil, Caixa). “O Brasil tem grandes bancos públicos. Outras economias importantes não têm. O governo pode recorrer a eles para aumentar a pressão competitiva, ofertando [mais] crédito. Como foi feito em 2008 [Meirelles era então presidente do BC, cargo que ocupou durante o governo Lula, de 2003-2010]”.

Mas os bancos públicos não vão correr os mesmos riscos que os bancos privados tentariam evitar, a grande inadimplência? Meirelles diz que há risco, mas que foram contornados na crise de 2008-2009 no Brasil, no que diz respeito à inadimplência.


Vinicius Torres Freire: Na coronacrise, é preciso dar dinheiro

Governo quer fazer o mínimo para combater o vírus e a ruína econômica

O governo tem preferido fazer o mínimo para atenuar a coronacrise. Quer gastar o mínimo possível, que não é o mínimo necessário ou prudente. Quer que a economia volte a rodar o quanto antes, sem as amarras de cordões sanitários e equivalentes; sem mais gasto público.

Essa é a opinião desse indivíduo que ocupa a Presidência, afinada com a de seus economistas, embora o indivíduo tenha também motivos que a razão desconhece.

A preferência fica evidente nas medidas de socorro. Em larga medida, trata-se de adiamento de impostos, antecipação de benefícios sociais, suspensão de dívidas ou oferta de crédito. Tais medidas são úteis, se parte de um plano maior, que inexiste, porém.

O adiamento de despesas cria um passivo, um peso a ser carregado por uma economia muito deprimida, o que deve tornar ainda mais lenta a recuperação depois da epidemia.

“Depois da epidemia” não é uma data, mas uma época, um tempo que vai se arrastar, uma convalescença demorada. O problema será tanto menor quando mais empresas e famílias resistam à peste econômica. Para que assim seja, é preciso compensar a renda destruída pelo paradão da coronacrise, não apenas criar passivos talvez impagáveis para daqui a alguns meses.

De mais impactante até agora, deve haver doação de R$ 60 bilhões para informais sem trabalho, que devem ficar com R$ 600 por mês cada um, graças ao Congresso, pois o governo propunha a mesquinharia de um terço disso.

O crédito para pequenas e médias empresas é uma boa ideia que o governo adotou no mínimo possível, com atraso. Não está previsto crédito para empresas que empregam dois terços dos trabalhadores com CLT (na média geral, ganham R$ 2.300 mensais).

Vários deles trabalham em empresas “grandes” (faturam mais de R$ 10 milhões por ano), várias delas com caixa. Certo. Mas muitas dessas “grandes” quebrarão também se não tiverem ajuda.
Ainda não há dinheiro ou plano para microempresas e seus milhões de empregados. A empresa mais comum no Brasil é a loja de roupas, 1,1 milhão de empresas, segundo o Sebrae. Em segundo lugar? Cabeleireiros, manicure e pedicure (808 mil). Comércio de comida: 508 mil. Restaurantes, lanchonetes e similares: 811 mil. Etc. A economia real é feita de uns 17 milhões de negócios modestos, vários já à beira da ruína.

Um pacote de crédito de bom tamanho para evitar a crise das micro, pequenas e médias seria o triplo do imaginado pelo governo, estimam entendidos. Além do mais, parte desse dinheiro deveria ser mera doação, em especial para os menores.

A saída da epidemia será lenta. Dependerá da redução do contágio e da letalidade, o que diminuiria o medo e a necessidade de confinamentos estritos. Menos contágio e mortes dependem de recursos para a saúde, mas ainda falta álcool em hospital.

O relaxamento das restrições dependerá de milhões de testes para que se coordene o isolamento de doentes e a reabertura da economia. Dependerá de remédios, ainda fora do horizonte. Dependerá de coordenação nacional, sabotada de modo feroz e ignorante pelo elemento na Presidência.

A retomada será tímida. Pessoas terão medo de se aglomerar nos comércios; terão menos renda e poupança. A economia mundial andará devagar. Mesmo na China, de tantas medidas agressivas, há tropeços na lenta recuperação e medo de recaída.

Mas, para haver retomada, é preciso aumentar o número de sobreviventes da peste econômica. Será simplesmente preciso dar muito dinheiro.


Vinicius Torres Freire: Pacote deixa a descoberto 22 milhões de trabalhadores com carteira

Crédito de emergência ainda vai demorar a sair, não cobre outras despesas fixas e não trata de microempresas

O maior e mais imediato problema do plano de empréstimos de emergência do governo é que o dinheiro vai demorar. Trata-se aqui da linha de crédito anunciada nesta sexta-feira (27), de até R$ 40 bilhões, para pequenas e médias empresas.

O pessoal do governo diz que a coisa pode levar de sete a quatorze dias para ficar pronta. Mas as empresas já estão demitindo ou morrendo. Outras firmas e mais empregos morrerão em duas semanas.

Há mais problemas, alguns deles apontados por economistas que discutem como se pode compensar a brutal perda de faturamento das empresas menores. Se tais firmas naufragarem, será ainda mais lenta a retomada econômica depois da epidemia. Os economistas preferem não se identificar, até porque ainda não existe detalhe formal das medidas.

Quais problemas?

TAMANHO DO PACOTE
O plano prevê empréstimos de até R$ 40 bilhões, R$ 34 bilhões com fundos do governo e R$ 6 bilhões dos bancos. Vão bancar por até dois meses salários de até R$ 2.090 (dois salários mínimos). Chutando que trabalhadores beneficiados ganhem a média de um e dois salários mínimos, podem ser atendidos, no limite, 12,7 milhões de empregados.

Trata-se de cerca de 1 de cada 3 empregados com carteira assinada, exclusive trabalhadores domésticos. Cerca de 20 milhões de trabalhadores com CLT ficam fora do esquema, por ora, sem contar 1,7 milhão de domésticos registrados.

E AS MICROEMPRESAS?
Parte dessas pessoas fora do pacote do governo pode trabalhar em microempresas, que empregam mais de 8 milhões, segundo o Sebrae. Mas o critério de microempresa do Sebrae é porte (número de empregados), não faturamento, critério do governo.

Empresas com faturamento inferior a R$ 360 mil por ano não entraram neste pacote de crédito (apenas aquelas que faturam de mais de R$ 360 mil a R$ 10 milhões anuais).

A ajuda para as micro ainda estaria “em estudo”. Pode, pois demorar ainda mais que o pacote para as médias e pequenas. As micro tem ainda mais dificuldades de tomar crédito, sem conseguem algum.

O TAMANHO DO BURACO
O pacote cobre o rendimento de cada trabalhador até dois salários mínimos (R$ 2.090). A empresa pode complementar o restante. Se tiver dinheiro. Pode demitir. Fazer acordo de redução de salário, se houver regra para tanto. De qualquer modo, é mais perda de renda e mais crise para o conjunto da economia.

O pacote não cobre despesas como alugueis, água, luz, gás, comunicações. A despesa que causa mais desespero é a folha, decerto. No entanto, se uma empresa não puder pagar seus custos fixos, ainda pode operar, sem demitir? Se pegar o empréstimo de emergência, não pode demitir. E então? Vai ficar com a cruz ou com a caldeirinha?

OS BANCOS
Os bancos vão ter de entrar com 15% do total de empréstimos, R$ 6 bilhões, no total. Parece pouco, em princípio. Os empréstimos bancários para empresas somavam R$ 1,44 TRILHÃO em fevereiro passado.

Os cinco maiores bancos têm 85% do total de crédito. Caberia a cada um, pois, numa divisão simples, pouco mais de R$ 1 bilhão para emprestar, nessa emergência.

É um crédito com juro tabelado (Selic, 3,75% ao ano), carência de seis meses e parcelamento em 36 meses. Na “vida real”, bancos jamais fariam tal negócio, ainda menos agora, com a perspectiva de calote ou quebra de muitas empresas.

Os bancos vão refugar dado o risco? Evitar empréstimos justamente para as empresas que mais precisam, as de maior risco? Se fizerem tal coisa, o plano vai funcionar mal.

De outro modo, se emprestarem o dinheiro, os bancos vão ter de engolir custos (juros tabelados e calotes) ou repassá-los para outra linha de crédito.

Além do mais, restou uma dúvida séria. A taxa dos empréstimos é a Selic ou a atual taxa Selic (3,75%)? As taxas não serão variáveis, certo?

Enfim, o governo criou essa linha emergencial. Tudo mais constante, seria mais crédito. Mas qual é o tamanho da retranca que os bancos estão armando nas outras linhas?

OS BANCOS PÚBLICOS
Cerca de metade dos empréstimos para empresas jurídicas vem de bancos públicos, além do mais. Em 2018, último dado oficial disponível, eram cerca de 21% concedidos pelo BNDES, 18% pelo Banco do Brasil e 11% pela Caixa, os três maiores estatais. Bradesco e Itaú ficavam com 21,5%, juntos.

A fatia dos bancos públicos no total de empréstimos de qualquer tipo caiu 8% desde então. Numa estimativa grosseira, os três bancos públicos ainda teriam uns 45% dos empréstimos para empresas, pois.

Logo, os bancos privados devem ficar com fatia muito pequena do risco e do pacote, uns R$ 3 bilhões, por aí.

O PACOTE E A RENDA TOTAL
O pacote de crédito, como visto, pode no limite cobrir R$ 20 bilhões por mês de perda de renda do trabalho, por dois meses. O total da renda dos empregados com CLT no setor privado era de uns R$ 75 bilhões por mês (em fevereiro) _o pacote de crédito poderia cobrir, pois, 27% da renda total mensal.

O total dos rendimentos do trabalho no país, segundo contas feitas com os dados do IBGE, é de R$ 215 bilhões. O rendimento dos sem carteira e dos “por contar própria” informais (sem CNPJ) soma uns R$ 43 bilhões por mês. Parte será atendida pelo pacote que tramita no Congresso, de “renda mínima”. Mas não há como saber ainda quantos serão alcançados pela medida.


Vinicius Torres Freire: Com PIB à beira do colapso, economistas do governo não fazem nada

Equipe econômica só sabe anunciar medidas vagas, insuficientes e sem efeito prático

Os números do colapso econômico ainda são muito raros e parciais, mas prenunciam calamidade. O consumo de energia caiu quase 9% em uma semana (para ser preciso: foi a queda da carga do dia 15 ao 22 de março, domingo), para começar.

Não é preciso muito discernimento para prever que comércios e fábricas paradas vão provocar uma baixa inédita no PIB pelo menos durante um trimestre, embora o resultado do ano possa ser também um desastre secular.

Por ora, vamos argumentar como se o país tivesse um governo. Não é preciso ter muita luz para perceber que um governo sabotado pelo próprio presidente da República intensificará de modo genocida o desastre.

Mas, por ora, suponhamos que as autoridades econômicas façam parte de um governo minimamente funcional. Pois bem, o governo da economia também não demonstrou que é minimamente funcional, organizado, imaginativo ou com capacidade de implementação.

Já faz mais de uma semana que vazou da Economia uma vaga e insuficiente ideia de compensar em duas centenas de reais a renda dos trabalhadores informais, entre outros anúncios mesquinhos e nebulosos de auxílio.

Depois disso, de concreto, houve apenas o ultraje incompetente e desumano da MP da Morte, que regulava corte de salários e não previa compensação alguma para os feridos econômicos da coronacrise.

Foi apenas nesta quinta-feira (26) que alguém, de fora do governo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, apresentou uma visão minimante geral e articulada do que é preciso fazer.

O governo reluta em oferecer paliativos, na esperança incompetente e cruel de que o fim de confinamentos, quarentenas e similares impeça um tombo maior da economia, com o que seria possível gastar menos. Esse parece ser o raciocínio de fundo da equipe econômica, que vaza pelos jornais como o vírus pelas ruas.

Além da desorganização e da destruição mortais causadas pelo indivíduo que ocupa a cadeira de presidente da República, há relutância fundamental dos economistas deste governo.

Sem ajuda a firmas menores (e muitas grandes), o morticínio de empresas no paradão da epidemia pode prolongar a recessão mesmo quando o contágio e a doença sejam de algum modo controlados.

Nada sai do papel por iniciativa do governo. A incapacidade de implementação, evidente desde 2019, se torna apavorante.

Será inevitável um plano para compensar a queda de faturamento das empresas, de modo a evitar falências e demissões em massa. O governo terá de pagar salários de trabalhadores do setor privado.

Terá de inventar um programa de renda mínima gigante para os mais pobres. Para os informais, quem resolveu a parada foi o Congresso.

Talvez seja preciso adiar dívidas individuais. Facilitar a renegociação de dívidas bancárias. Com falências e de demissões em massa, haverá calotes. Mais calotes, maior retração dos bancos, para dizer o menos.

O Banco Central tem resolvido problemas de liquidez e controlou um grande pânico no mercado de dívida privada. Não apenas por isso, precisa fazer mais.

Não apenas a taxa básica de juros de curto prazo (Selic) tem de cair mais, mas é preciso dar um jeito de "achatar a curva" inteira de juros (isto é, fazer com que taxas de juros mais longas caiam no mercado de dinheiro e de financiamento do governo).

ESTAMOS EM UMA EMERGÊNCIA. Apenas o Banco Central tem agido com competência e rapidez diante da crise. Não vai ganhar essa guerra, na qual vai atuar mais na retaguarda, embora fundamental.

Onde está o governo da economia? Onde está Paulo Guedes?


Vinicius Torres Freire: Surge a melhor ideia para salvar empresas da morte na epidemia

Plano seria fazer empréstimos a empresas, com dinheiro público, juro quase zero e a perder de vista

Muitas empresas vão faturar pouco ou nada na paralisia causada pela guerra contra o coronavírus. Seja por determinação de governos ou por medo das pessoas de sair às ruas ou gastar, o consumo vai cair. Sem um colchão, essas empresas vão cair e quebrar, óbvio.

Um paliativo é emprestar-lhes dinheiro para que atravessem o deserto da crise catastrófica. Mas bancos não vão dar crédito à multidão de empresas sob risco de quebrar, menos ainda para pequenas. Mesmo que o empréstimo caísse do céu, como empresas frágeis pagariam a conta, multiplicada por juros bancários escorchantes, em uma economia deprimida?

É impossível. Qual a alternativa?

Economistas sortidos sugerem que os fundos venham do Estado, que também assumiria eventuais calotes. É uma ideia apresentada pelos economistas Arminio Fraga, Vinicius Carrasco e José Alexandre Scheinkman, em artigo nesta Folha, e por Nelson Barbosa, em sua coluna neste jornal, por exemplo. Economistas do governo estudam medida assim. Precisam se mexer. LOGO.

No plano de Barbosa, bancos que assim o desejarem podem participar desse programa de empréstimos, em princípio para pequenas e medias empresas. Por que o fariam? Porque o Banco Central obrigatoriamente compraria essas dívidas, tornando-se o credor de fato. Os bancos seriam apenas operadores do negócio, tarefa pela qual seriam remunerados.

Para ser mais preciso, um mecanismo institucional qualquer criaria uma entidade dentro do BC que compraria os empréstimos e administraria essa conta, uma entidade de propósito específico, separada das demais operações do BC. Seria preciso lei para essa novidade, dizem advogados.

O empréstimo seria concedido em condições específicas e padronizadas: o bastante para cobrir a folha de pagamento ou parte do faturamento, por tantos meses, e sob a condição de não haver demissões. Seria um consignado para empresas na situação de calamidade.

Haveria prazo de carência de pelo menos um ano (nos EUA, estuda-se prazo de quatro anos para operação similar), com pagamento parcelado em cinco anos, a juro zero ou quase.

No pacote da coronacrise do governo americano, haverá US$ 350 bilhões de empréstimos do Tesouro para pequenas e médias empresas, dívida que será perdoada caso as firmas não demitam.

Com os empréstimos com fundos públicos, haveria, pois, uma inundação de dinheiro na praça, que teria de ser enxugada pelo mesmo BC, em seu papel tradicional, a fim de manter a taxa básica de juros (Selic) em sua meta. Na prática, se trata, enfim, de uma operação de endividamento público em títulos de curtíssimo prazo. Quanto mais a Selic baixar e ficar por aí, menos problema haverá. Taxa quase zero em breve?

Essa entidade de propósito específico, um fundo ou quase-banco dentro do Banco Central, pode levar calotes. "Pode. Assim como o Tesouro, se recorrer a plano similar. Vamos pensar nisso depois da calamidade. A vantagem é que, com o BC, o sistema funcionaria já, de modo ágil", diz Barbosa, que foi secretário de Política Econômica e ministro da Fazenda nos anos petistas.

Empresas e famílias pagam por mês cerca de R$ 77 bilhões a todos os empregados com carteira assinada (a massa de rendimentos, que soma ainda servidores públicos, informais, por conta própria e empregadores, é de R$ 217 bilhões mensais, na conta do IBGE).

Chutando que metade da folha com CLT esteja sob risco por três meses, seria preciso começar com um fundo de mais de R$ 115 bilhões.


Vinicius Torres Freire: Na guerra da epidemia, hospitais não têm álcool, máscaras e roupa

Tem de haver dinheiro e competência para produzir meios de combate à praga do coronavírus 

Grandes hospitais se queixam de que faltam equipamentos básicos de proteção para o seu pessoal, em São Paulo ou no Amazonas. Trata-se de máscaras, óculos de proteção, aventais e, se ainda pudesse ser mais inacreditável, de álcool em gel.

Que há escassez do básico em hospitais e postos de saúde não é obviamente novidade. Mas, no meio da guerra dramática contra a epidemia, continua a faltar roupa elementar e antisséptico de modo desesperador, ao ponto de médicos e grandes instituições de saúde pública pedirem doações ao público. É um acinte.

A continuar a falta de equipamentos para o pessoal da saúde, estaremos diante de um caso de negligência ou incompetências criminoso, parecido com a traição em tempos de guerra. Não é aceitável em hipótese alguma que alguém tenha o desplante de dizer que falta dinheiro. Dinheiro terá de haver. Falta é organização competente. Cadê um comitê nacional para administrar a produção e distribuição de insumos?

Além de descaso fúnebre com os doentes, não providenciar equipamento para o pessoal de saúde é atirar contra os próprios soldados. É sabotar, antes do seu início, parte da grande ofensiva que pode mitigar o efeito devastador da epidemia sobre vidas, aqui e agora, e sobre a economia, também questão de vida e morte.

Não há solução econômica para o ataque da epidemia. Há paliativos, ainda que exijam gastos públicos e esforços privados gigantescos. Mas não haverá tentativa de volta a alguma espécie de vida econômica normal, ainda que deprimida, sem vitória na frente de saúde.

Em última instância, uma vitória ou pelo menos uma contraofensiva bem-sucedida depende de vacina ou imunização natural, ainda fora do horizonte. Antes disso, o sucesso parcial depende de que se encontre um remédio que trate de evitar muitas mortes e de proteger os mais frágeis, baixando a letalidade da epidemia. Com algum remédio disponível, a realização de testes em massa, de resto, pode auxiliar ou facilitar estratégias de confinamento mais direcionadas, específicas, em vez do trancamento dos negócios e das pessoas. Talvez aí a vida possa recomeçar.

Antes desses progressos ainda sonhados, dispomos apenas do pessoal da saúde, além da inteligência dos nossos epidemiologistas, médicos e especialistas em geral em epidemias. Precisamos conter as mortes e o medo paralisante. Para tanto, PRECISAMOS DA PRODUÇÃO EM MASSA DE EQUIPAMENTOS para hospitais e para o pessoal da saúde.

Todos os dias, ouvimos as estatísticas necessárias, mas terríveis, do número de feridos e mortos na epidemia. Onde estão os números do que falta para evitar essa desgraça? Quantos ventiladores e equipamentos para UTIs faltam? Máscaras? Um maldito e comezinho álcool em gel para o posto de saúde ou hospital de alta complexidade, até?

Gente de governos até outro dia falava que “não haverá testes suficientes” para exames em massa e para informar estratégias de contenção da epidemia. Agora, fala-se em 22,9 milhões de testes. Bom. Espera-se que não seja fantasia.

Alguma providência similar deve ser adotada para a produção e compra em massa de equipamentos médico-hospitalares. Se possível e necessário, fábricas devem ser convertidas para a produção desses insumos, como se fabricam armas contra um inimigo em tempos de guerra de fato.

Dinheiro? Arrume-se. Quem está fazendo continha mesquinha, de resto muito equivocada, mesmo economicamente, está sendo cúmplice da morte e da destruição econômica.

*Vinicius Torres Freire é jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).